Brumadinho: tragédia anunciada pelo capital

Três anos e dois meses após o rompimento da barragem de rejeitos de minérios operada pela Vale/Samarco em Mariana-MG, que soterrou o Rio Doce, assassinou trabalhadoras e trabalhadores, e ainda tem impactos ambientais em curso incalculáveis, uma tragédia similar acontece em Brumadinho, no mesmo estado, pela mesma empresa, deixando ainda mais vítimas, pelo menos uma cidade enterrada em lama, e ameaçando, dessa vez, a bacia hidrográfica do Rio São Francisco. No momento em que esse texto é escrito, a informação é de 34 mortes confirmadas, 46 internadas em Belo Horizonte, e 299 trabalhadores e trabalhadoras ainda desaparecidos. 

Nos colocamos em solidariedade irrestrita com as trabalhadoras e os trabalhadores atingidos direta ou indiretamente pela tragédia. Assim como em Mariana, não nos resta dúvidas de que ela seria perfeitamente evitável, fossem os interesses humanos ou ambientais de alguma forma fator determinante das ações de qualquer empresa dentro do capitalismo. É necessária, além das ações urgentes de resgate e amparo de todos os afetados e da implementação imediata de planos de redução de impactos, extensa e rigorosa investigação e responsabilização da Vale, que tire de seus lucros o necessário para a reconstrução das vidas dos que ficam, e para a recuperação ambiental de Brumadinho, de Mariana, do Rio Doce, do Rio Paraopebas. 

Quem é o responsável?

Uma semana após afirmar, em Davos, no Fórum Econômico Mundial, que “somos o país que mais preserva o meio ambiente”, o presidente Jair Bolsonaro vacila entre dizer que o novo ministro do meio ambiente ainda nem teve tempo de constituir uma boa equipe de administração para dar conta do desastre, e afirmar que a administração federal não tem nada a ver com a “questão da Vale”. Ao mesmo tempo, uma comissão de crise começa a se reunir em Brasília, e o governo federal já pediu ajuda tecnológica ao Estado de Israel – já responsável pelo armamento de boa parte da nossa policia militarizada.

O governador do estado de Minas Gerais, Romeu Zema, do Partido Novo, afirmou nesse sábado que as leis ambientais do Brasil são muito rigorosas, que a princípio não havia questionamentos quanto às licenças e alvarás da empresa, que estava “bastante preocupado” em tentar descobrir e corrigir o que aconteceu. O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, disse não saber se a sirene de alerta tocou antes do rompimento das barragens, mas reafirma que a barragem em questão não estava em situação de risco. As informações da empresa, de que só houve um rompimento de barragem, contradizem a do Corpo de Bombeiros, que afirmam que o rompimento da primeira sobrecarregou e levou ao rompimento de outras duas.

Todas as declarações dos responsáveis, seja da empresa ou do poder público, são estonteantes. A realidade é que ninguém se reivindicará autor, mas ninguém tem nem um pé fora do lamaçal. As empresas de mineração, como um todo, são responsáveis por algumas das práticas mais predatórias e termos de exploração humana e dos nossos ecossistemas. O fato de que os alvarás da Vale estavam em dia não significa muita coisa, considerando que muitas de suas minas e usinas estão instaladas em áreas de proteção ambiental permanente, em territórios indígenas, em nascentes de rios, com autorizações especiais dos governos por sua grande importância econômica.

É extremamente preocupante que existam cerca de mais 450 barragens de rejeitos de minérios somente no estado de Minas Gerais, e que não há qualquer possibilidade de garantia para a população – especialmente sob o governo de Bolsonaro, que já afirmou que licenças ambientais atrapalham obras, e que já sinalizou de diversas formas que pretende governar para a bancada ruralista, especialmente – que quaisquer vistorias realizadas assegurem, de fato, a ausência de riscos de repetição da repetição da tragédia. A indenização irrisória que a Samarco e a Vale foram desobrigadas de pagar por Mariana já sinalizam que os lucros da empresa se manterão pouco ou nada ameaçados agora. Para os capitalistas mineradores, vale a pena pagar com nossas vidas.

Catástrofe ambiental generalizada em todo o mundo

As catástrofes com a lama suja da Vale são uns dos exemplos mais pungentes da contradição entre o capitalismo e a vida no planeta. A incapacidade de resposta de Bolsonaro não passa por uma incapacidade individual de resolução; ela é, na realidade, a máscara possível para uma consequência natural das ações do próprio sistema. Morre um rio, morre uma floresta, contamina-se uma bacia hidrográfica e um lençol freático aqui, uma dezena, centena, uns milhares morrem ali; passa por cima, põe veneno e mantém a produção. Bem como o capitalismo explora as forças de trabalho humanas, sem arrefecer até arrancar até a última gota de lucro, sem importar a que custo, assim, também, funciona a exploração irrefreável de todos os bens naturais que possam virar recurso, mercadoria e lucro.

Do aquecimento global às crises hídricas cíclicas, tudo passa pela lógica do capital. Tanto carbono é produzido por combustíveis fósseis que nossas florestas, dizimadas, não podem absorver, e o clima mundial segue exponencialmente afetado. Isso não muda as práticas do agronegócio, baseada no latifúndio, no desmatamento, no uso excessivo e envenenador de agrotóxicos, na extinção de territórios indígenas, da agricultura familiar, do uso não-predatório da água e da terra. A classe trabalhadora morre na Europa, em ondas de calor, na Califórnia, com fumaça tóxica de incêndios florestais, em Porto Rico, vítima de furacões, no Brasil, envenenada pela comida, pela poluição da água e do ar, de sede, soterrada por lama. 

Essa é a lógica da morte do Rio Doce não ter tido quaisquer consequências além das consequências ao povo, com a destruição imediata das vidas de milhares de pessoas, e efeitos incalculáveis a curto, médio e longo prazo, que podem já ter começado com o ressurgimento da febre amarela como questão de saúde pública no último ano. Ao que tudo indica, tudo isso deve tomar proporções exponenciais com essa nova tragédia.

O capitalismo não apresenta saídas!

A posição de Bolsonaro hoje não deve ser diferente da de Trump, largando Porto Rico arrasada por furacões, nem dos capitalistas traçando novas rotas comerciais pelo Ártico ao que derretem as calotas polares. A posição do capitalismo neoliberal em crise, hoje, não é dúbia: é de arrancar mais, buscar mais, arrasar mais, consumir mais da Terra em sua tentativa de recuperação. O fato de mais e mais representantes da nova direita que surgem no mundo assumirem posturas negacionistas da mudança climática, e se retirarem de acordos do clima que já são brandos e insuficientes dá o tom. Devemos nos preparar para enfrentar com muita luta novos desdobramentos das crises climática, energética, e hídrica, com cada vez mais “acidentes” como o dessa semana, com o afrouxamento das leis ambientais e trabalhistas associado ao avanço das políticas de austeridade.

É necessário exigir reparação imediata das perdas possíveis de serem reparadas, responsabilização imediata da Vale, com a paralisação de seu funcionamento e o congelamento de seus lucros até que se pague por suas irresponsabilidades com o povo trabalhador. Mas é preciso, também, entender os limites desse sistema em garantir qualquer justiça para quaisquer dos afetados, e assumir para nós essa luta.

Ecossocialismo ou barbárie!

É importante caracterizar a destruição do planeta como fruto do sistema capitalista, e portanto, de responsabilidade da classe dominante, mesmo que os esforços dos governos e da mídia sejam, sempre, de nos mandar fechar nossas torneiras, reciclar nossos plásticos, diminuir nossa pegada ecológica, e relegar grandes desastres ambientais à conta da natureza. Não é natural, há responsabilidade e ela está na conta dos capitalistas. A construção de uma saída pra esse sistema, essa, sim, passa pelas nossas mãos.

É preciso construir a luta organizada pela sobrevivência do nosso planeta como pauta transversal de todas as lutas dos trabalhadores. De imediato, podemos associar com questões de saúde pública, mas tratar disso é, de fato, tratar da nossa sobrevivência, de quanto valem nossas vidas. O projeto que produz o governo Bolsonaro e seus ataques ao povo trabalhador é o mesmo que produz os desastres de Mariana e de Brumadinho. Uma alternativa ecossocialista é o único caminho!  

  • Vale tem que pagar a reconstrução das casas, indenização às vítimas e recuperação do meio-ambiente
  • A direção da empresa tem que ser responsabilizada criminalmente
  • Ampliar os recursos para a vistoria e avaliação de risco das barragens, financiando com a taxação dos lucros das mineradoras
  • Reestatização da Vale sob controle e gestão democrática dos trabalhadores 

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