“Se defender igualdade social é ser radical, eu sou” – Guilherme Boulos
Que a aliança entre o PSOL e o MTST seja um instrumento de resistência e construção de uma nova alternativa da esquerda socialista
O grande capital e seu governo ilegítimo atacam nossos direitos com uma crueldade que só o capitalismo em crise pode gerar. A miséria, o sofrimento e a violência só cresceram nos últimos anos. Mesmo assim, houve muita resistência expressa em movimentos pulverizados e algumas ações unificadas, tendo como mais importante exemplo a greve geral de 28 de abril de 2017.
A entrevista de Lula à Folha de S. Paulo (01/03/18) ajuda a entender porque fomos, ao menos em parte, derrotados nessa resistência, apesar da disposição de luta demonstrada.
As lutas para barrar as contrarreformas e ataques de Temer sempre estiveram diretamente vinculadas à luta para derrubar o governo. Uma coisa leva à outra.
Apesar de termos barrado a reforma da previdência, fomos derrotados na trabalhista e outros ataques. Temer não caiu e, mesmo fraco, continua causando enorme sofrimento, como no caso da intervenção militar no Rio.
Lula sempre teve uma posição dúbia em relação às ditas “reformas”. Ele mesmo aplicou a sua contrarreforma da previdência em 2003 e o segundo mandato de Dilma, na prática, adotou o programa de Aécio Neves, derrotado nas urnas.
“Fica Temer”?
Na entrevista à Folha, Lula deixou claro que não defendeu a queda de Temer e qualificou a tentativa de derrubada desse governo como um golpe. Disse que “Temer teve a coragem” de desmascarar Janot (então, procurador-geral), Joesley (da JBS) e a Globo e venceu “duas paradas” no Congresso, livrando-se do impeachment.
Com esse tipo de atitude por parte da principal liderança política que tem sob sua influência direta a CUT e inúmeros movimentos da classe trabalhadora, como seria possível derrubar o governo e derrotar as contrarreformas?
Somos enfáticos defensores da unidade de ação de todos os movimentos e organizações da classe trabalhadora na resistência contra os ataques. Sabemos que sem isso, não temos a menor chance.
Também defendemos, contra as manobras de Sergio Moro e da justiça burguesa, o direito de Lula ser candidato e denunciamos a ameaça de sua prisão.
Trata-se de um ataque a um direito democrático básico que hoje atinge Lula, um conciliador em defesa da ordem, mas amanhã poderá atingir de forma mais contundente a esquerda classista e socialista.
Nada disso, porém, implica em escamotear o fato de que a direção Lulista do movimento de massas, mantendo essa postura, vai nos conduzir a novas e piores derrotas, em todos os campos.
É preciso uma alternativa de esquerda ao Lulismo
É urgente a construção de uma alternativa política de esquerda e socialista a essa direção Lulista. As eleições de 2018, com todos os seus limites, como jogo de cartas marcadas, podem ser um espaço fundamental para que se dê um passo importante na construção dessa alternativa.
É preciso que se dialogue com a base social de trabalhadores que durante anos esteve sob a direção Lulista e agora, pela própria experiência, tira suas conclusões e busca alternativas mais consequentes.
Essa alternativa só pode ser construída na experiência da luta da classe trabalhadora. Também precisa de um programa que rompa com a ilusão da conciliação de classes e que assuma um caráter anticapitalista e socialista.
Tanto o PSOL como o MTST estão há anos organizando a resistência, inclusive durante os governos do PT. No último período, ambos se fortaleceram e assumiram o protagonismo da luta nas ruas e nas instituições contra o golpe e os ataques.
A aliança política que se está construindo entre o PSOL e o MTST, inclusive para a disputa presidencial em torno do nome de Guilherme Boulos, pode representar um salto qualitativo na construção de uma nova alternativa de esquerda no país.
Ela pode ajudar decisivamente a dar coerência, firmeza e clareza estratégica para as lutas contra a direita e os governos.
Pode se transformar na base para uma frente da esquerda socialista que aglutine grande parte do que existe de mais combativo na esquerda e nos movimentos sociais.
Para cumprir esse papel, isso deve ser feito em torno de um projeto de esquerda que supere o Lulismo em todos os sentidos.
Programaticamente, essa aliança política de esquerda precisa ser capaz de refletir as principais demandas e necessidades dos trabalhadores, da juventude, do povo, de todos os explorados e oprimidos. Para dar coerência a essas demandas, elas precisam estar vinculadas a uma série de medidas de caráter anticapitalista e socialista cujo norte é o controle dos trabalhadores e do povo sobre a economia e a política.
Estrategicamente, essa alternativa deve basear-se na força da luta direta dos trabalhadores e do povo. O caminho das mudanças virá da luta direta e a atuação em todos os demais espaços, mesmo na institucionalidade burguesa, deve refletir essa prioridade. As ilusões reacionárias na conciliação de classes e alianças com setores da burguesia devem ser parte do passado.
Organizativamente, é preciso radicalizar na democracia, basear-se na participação direta e controle da base sobre as iniciativas e políticas. Será preciso superar as práticas burocráticas e cupulistas que hoje marcam o conjunto da esquerda e boa parte dos movimentos, sindicatos, etc.
Lula e Boulos: dois caminhos diferentes
“Eu não tive uma relação boa só com esse setor [construtoras e bancos] que você falou. Eu tive uma relação boa com todos os segmentos sociais desse país. Eu tenho orgulho de dizer que o meu governo foi o período em que os empresários mais ganharam dinheiro, os trabalhadores mais ganharam aumento de salário, em que geramos mais empregos, em que houve menos ocupação no campo, na cidade, e menos greve. Eu trago comigo essa honraria de saber conviver com a sociedade brasileira. E de repente eu vejo o tal do mercado assustado com o Lula. E eu fico pensando, quem é esse mercado? Não pode ser os donos do Itaú. Não pode ser os donos do Bradesco, do Santander. Uma coisa são os donos do banco. Outra coisa é um bando de yuppies…”
(Lula, entrevista à Folha de S. Paulo, 01/03/18)
“… esse modelo [adotado na experiência petista] de disputa da institucionalidade, feito apenas por dentro, sem sustentação social, dá no que deu. Leva a concessões, uma atrás da outra, para poder sustentar o governo. A mudança de relação de forças tem que ser construída por fora do sistema político, respaldando o projeto político na base. Talvez isso possa sustentar até uma atuação dentro do sistema, mas com condições de ruptura” (p. 137)
“Acho difícil caracterizar o projeto lulopetista durante 13 anos como um projeto de esquerda. Pode ser caracterizado como um projeto de certo grau de desenvolvimentismo que tenha permitido alguns avanços sociais. Esse projeto, também pelas opções que faz, esgota-se com a crise econômica. A crise o coloca diante de um impasse: e aí, o que é que faz? Ou avança, ou retrocede.” (p. 146)
“Eu diria que a esquerda está condenada à revolução. Em última instância, todas as estratégias de esquerda são limitadas pelo capitalismo. Por isso um projeto de esquerda consequente é anticapitalista, ainda que com as medições necessárias.” (p. 148)
(Guilherme Boulos, entrevista no livro “A crise das esquerdas”, 2017)