José e o Prouni: ”Não era para ser universidade para todos?”
“Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz verso,<
que ama, protesta?
e agora, Jose?”
“José”, Carlos Drumont
de Andrade
Acordar todo dia às 5 da manhã e se pendurar no ônibus Terminal Parque Dom Pedro é o cotidiano de José, 23 anos, que atravessa a cidade para chegar no emprego de telemarketing que arranjou, depois de muito tempo desempregado. Foi nessa correria que José conseguiu completar seu segundo grau, já que precisa ajudar nas despesas de casa. Seus pais não sabem ler nem escrever, talvez por isso José nunca imaginou que entraria em uma faculdade.
Sem muito acreditar que conseguiria José tentou uma bolsa de estudos para a faculdade via um tal de .Prouni (Programa Universidade Para Todos), seguindo indicações de sua vizinha. A grande dúvida veio na hora da escolha do curso. “E agora, que curso prestar!” Afinal, foi sempre uma possibilidade tão longe, que se imaginar dentro da faculdade parecia uma piada. José lembrou-se de um amigo que, quando pequeno, foi acertado por uma bala perdida, ele acabou perdendo alguns movimentos por que não conseguiu desenvolve-los e recupera-los. Disseram a ele que a rede pública não oferecia fisioterapia. Naquela época José prometeu que seria fisioterapeuta, mas depois esqueceu. Seria agora a possibilidade de José fazer o curso de fisioterapia? Talvez, mas os 45 pontos que ele obteve na prova do ENEM não lhe permitiam e, também, este era um curso integral e José teria que parar de trabalhar, receberia uma bolsa auxílio de 300 reais, o que não seria o suficiente para alimentar seus 4 irmãos e pagar os custos dos estudos.
Bem, já sem muitas escolhas, José optou por ciências sociais, ele não sabia muito bem o que era isso, mas pensar a sociedade poderia ser interessante. Só tinha mais um probleminha, a bolsa que o José conseguiu era de 75%. Pensou ele que tudo bem, afinal, ele nem sonhava em estar dentro da universidade e agora só precisaria pagar 25% do curso.
Estava tudo muito bem, o curso era até que bacana, mas José começou a ficar um pouco assustado com o custo dos livros e das xerox. Deixou de comprar alguns livros, poderia ler na biblioteca ou pegar emprestado com alguém. A passagem, também, não era barata, mas poderia voltar de trem e depois, andar da estação até sua casa, poderia ser legal, pois mesmo sendo longe ele iria relembrando as coisas que aprendeu na aula. Levava um lanche para almoçar já que saía do trabalho e ia direto para a faculdade. Até sentia um pouco de fome no fim do dia, mas não é que ele estava meio gordinho mesmo.
Problema mesmo foi quando as parcelas da faculdade começaram a acumular. No começo José deixou de pagar outras contas, um mês pagava água, no outro pagava a luz, e assim foi todo o seu primeiro semestre. José achou que poderia empurrar com a barriga até completar aquele curso de ciências sociais, só que a faculdade não o deixou fazer a rematrícula, afinal, agora ele era um… como que se diz, ha!, inadimplente.
Foi orientado pela faculdade para solicitar a bolsa do FIES (Programa Financiamento Estudantil). José viu mais uma possibilidade de se manter na universidade, suas dívidas dos meses anteriores seriam parceladas para serem pagas neste semestre e sua mensalidade seria paga só quando ele se formasse. A mãe do José não gostou nada dessa idéia, já que ele vai deixar de dever agora para dever quando se formar, além do mais ele terá 6,5% de juros anuais e precisará pagar a dívida no primeiro ano, quando as parcelas são menores, porém muito provavelmente José ainda não terá se estabilizado financeiramente. Apesar disso, José não queria desistir agora, só precisaria arranjar um fiador, o que teve dificuldades, mas conseguiu com um tio meio distante.
Lembrou-se que na época da eleição o senhor presidente falou muito desse Prouni, ele e sua vizinha pensaram que seria mais fácil estudar agora e até votaram nele. Bem, fácil é, mas para os donos das faculdades. O que eles fariam com a vaga do José se o governo não pagasse para ele estudar? Escutou falar, na faculdade, que o número de vagas ociosas só crescia e que as faculdades que aceitaram o Prouni tinham a isenção de 4 impostos, algo entorno de 105,6 milhões de reais que vai para os donos dessas universidades todo ano. Ele nem tinha idéia de quanto dinheiro era isso, já que sua renda per capita familiar era inferior a um salário mínimo, mas sabia que era muito dinheiro.
José tinha um amigo que entrou no curso de letras/Chinês a noite em uma universidade pública, que relatou ter se frustrado com a mesma, já que as salas são super lotadas, a infra-estrutura é debilitada. Lembrou daquele número gigante de dinheiro público (impostos das pessoas), que vai para a iniciativa privada (benefício de um só indivíduo). “E se esse dinheiro fosse investido para melhorar a universidade pública e para a ampliação de vagas na mesma?” Indagou José, sem muitas conclusões.
Parque Dom Pedro, telefone, metas, estresse, dívidas, livros, notas baixas, fome, caminhadas, Parque Dom Pedro, telefone, metas… assim era a vida de José, até ele ser pego em seu trabalho, por um dos supervisores, questionando com seus amigos as precárias condições de trabalho que tinham ali, o quanto eram explorados e a necessidade de se contraporem aquilo.
Com todas essas dificuldades, José foi reprovado em três matérias, o que implicou na perda da sua bolsa de estudo. Agora, compondo o enorme índice de jovens desempregados e fazendo parte dos 15% de bolsistas do Prouni que não concluem os estudos, sentiu na pele a contradição. Ao invés de uma universidade que produza conhecimento Para Todos e que acolhe à Todos, se viu diante uma universidade Para alguns e com alguns. Sem emprego, sem educação, sem dignidade, sem respeito. E agora, José?