Brasil – injusto e violento
Militarização não trará solução para um problema que é social
Esse artigo sobre segurança pública foi escrito antes do terrível assassinato de Marielle Franco, que só reforça como o sistema em que vivemos tem como um de seus pilares a violência. Precisamos nos armar politicamente para essa luta. Obter justiça para Marielle vai além da condenação dos assassinos que puxaram o gatilho. A justiça vai ser conquistada através da nossa luta contra esse sistema nefasto. Essa foi também a luta de Marielle.
Após a tentativa fracassada de votar a reforma da previdência e com a popularidade ainda ao redor de 6%, Temer tenta garantir um fim de mandato e um papel nas eleições que não seja irrelevante por meio do tema da segurança pública.
A intervenção federal no Rio de Janeiro, colocando a segurança pública nas mãos do general Walter Souza Braga Netto, pode trazer alguns efeitos no curto prazo, em bons tempos para as eleições, mas não vai ocasionar soluções duradouras. É um jogo arriscado. A intervenção deixa ainda mais evidente a falência da gestão da última década do MBD no Rio de Janeiro. O uso das Forças Armadas também não é novidade e não tem trazido um efeito mais do que temporário, tem alto custo e deixa um rastro de abusos contra a população das favelas. As imagens de soldados vasculhando mochilas de crianças e moradores sendo fotografados para poder sair de suas comunidades são chocantes.
A questão da segurança pública é grave no país, atingindo especialmente a população mais pobre, jovem e negra, mas a política de segurança pública brasileira se fundamenta no princípio de garantir segurança para ricos e reprimir violentamente pobres. A esquerda socialista precisa dar resposta a esses temas, que terão um peso importante nas eleições. Enquanto a direita tem dificuldade de ganhar apoio sobre as privatizações, reforma da previdência, cresce o apoio para direitos de mulheres, LGBTs, cotas para populações negra e indígenas, etc..
Nessa situação, no que tange à segurança pública, posições mais conservadoras tendem a ter mais espaço. Esse é um elemento que corrobora com o aumento de apoio ao Bolsonaro nas pesquisas e não é à toa que Temer tenta se credenciar com essa pauta. Segundo uma pesquisa encomendada pelo MDB, a segurança pública é uma das principais preocupações da população e a decisão de fazer a intervenção federal veio após uma reunião de Temer com seus marqueteiros.
Por isso temos que mostrar como a política de repressão pública é um fracasso e apresentar uma alternativa.
O Brasil é uma sociedade que se construiu em bases a violência sistemática para garantir o regime de uma pequena elite. Desde o genocídio dos povos indígenas, a escravização do povo negro, golpes militares, aos grupos de extermínio, assassinatos de sem-terras, repressão de grevistas, movimentos e ativistas, para não falar da guerra aos pobres, travestida de “guerra às drogas”, que mata milhares de jovens negros e pobres nas periferias de hoje.
Esse histórico de violência está ligado a uma desigualdade social gritante que hoje chega a novos níveis. Como é possível paz social quando vivemos em uma sociedade em que os 5 homens mais ricos do Brasil têm uma riqueza que equivale a metade da população do país, que vive abaixo ou próximo o nível de miséria?
O mapa da violência
Os dados do último “Atlas da violência” do Ipea mostram que a violência tem aumentado na última década, mesmo durante os anos de crescimento dos governos do PT. Isso indica como os limitados programas sociais de Lula e Dilma eram insuficientes para alterar essa realidade social. Em 2015 (o último ano levado em conta pelo Atlas de 2017), foram 59 mil homicídios no Brasil, comparado com 48 mil em 2005. Isso equivale a uma taxa de homicídio de 28,9 por 100 mil habitantes.
As vítimas são cada vez mais jovens. O pico da taxa de homicídio agora é 21 anos, comparado com 25 anos nos anos 80. E cada vez mais são negros e negras as vítimas. Enquanto a taxa de homicídios de negros e negras cresceu 18,2% entre os anos 2005 e 2015, ela diminuiu 12,2% para o resto da população. 71 em cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil são negras.
Mas por de trás desses dados gerais há uma migração do centro da violência do Sudeste, que era a região com mais violência nos anos 90, para o Nordeste e Norte. Enquanto a taxa de mortalidade no estado de São Paulo caiu 44,3% entre 2005 e 2015, ela subiu 232% no Rio Grande do Norte (mais que triplicou). São seis estados que viram a taxa de homicídio mais que duplicar durante esse período, todos no Nordeste e Norte (Rio Grande do Norte, Sergipe, Maranhão, Tocantins, Ceará e Amazonas).
Os dados dos últimos anos continuam alarmantes. No Rio Grande do Norte, o número de homicídios atingiu o nível recorde de 2.405 em 2017, um crescimento com 20,5% em só um ano. No Ceará a situação é ainda mais grave: o número de homicídios cresceu 50,7% em 2017 (de 3.407 para 5.134). Só em Fortaleza o número de homicídios praticamente duplicou (de 1.007 para 1978). E 2018 já começou com duas chacinas com 24 vítimas em Fortaleza.
O fato da intervenção federal ser no Rio de Janeiro tem muito mais a ver com a repercussão nacional, do que com a avaliação de que a situação neste estado seria mais grave, como mostram esses dados. Também se utilizou a violência durante o carnaval carioca como pretexto, apesar do número de incidentes durante o carnaval desse ano ser praticamente o mesmo que o ano passado, e substancialmente abaixo dos níveis de 2015 e 2016.
Porém, isso não significa que a situação não seja grave no Rio. O número de roubos de rua cresceu de 58,8 mil em 2012 para 125,7 mil em 2017; e o de veículos cresceu no mesmo período de 22,1 mil em 2012 para 54,4 mil. No mesmo período vimos um aumento de mortes causadas por policiais voltarem para o nível de uma década atrás, crescendo de 419 em 2012 para 1.124 em 2017. Enquanto a taxa de mortalidade tinha caído de 48,2 por mil habitantes em 2005 (em 1994 chegou a 64,8) para 30,6 em 2015, ela voltou a crescer para 40 em 2017. A crise profunda no Rio de Janeiro, que levou o desemprego a duplicar entre 2015 e 2017, é um fator, mas não conta toda a história. A gestão do MDB no Rio de Janeiro foi marcada por corrupção e desmonte de setor público, que também atingiu as polícias.
Enquanto se apostava em ações midiáticas e repressivas, como as ocupações do Complexo do Alemão e da Maré pelo exército nos anos eleitorais de 2010 e 2014, não se investia em saúde e educação, nem na PM. Se estima que metade dos veículos da PM estão parados, sem combustível e reparos. Faltam equipamentos de segurança, inclusive munição, e os/as policiais também sofreram com atrasos de pagamento nos últimos anos. Isso quando a PM não está diretamente envolvida no crime, com o conluio partindo do alto escalão, além do surgimento das milícias.
Nesse contexto, a política das UPPs era só mais um projeto que não tinha nenhum conteúdo social que poderia realmente avançar na direção de diminuir a criminalidade. O que mais faltou foi investimento em saúde, educação, moradia, transporte e emprego, especialmente para a população jovem. 42 UPPs foram instaladas entre 2008 e 2015, desde a primeira inaugurada em Santa Marta. Passado o primeiro momento em que o tráfico de drogas recuou diante das UPPs e o uso do exército, os níveis de violência voltaram a subir. Em 2011 houve 13 confrontos em áreas de UPP e em 2016 foram 1.555!
Encarceramento em massa
O centro da política de segurança nas últimas décadas no Brasil tem seguido a mesma fórmula falida dos EUA: “guerra às drogas” e encarceramento em massa. O Brasil tem agora a terceira maior população carcerária do mundo, ultrapassando a Rússia em 2017. Em 1990 eram 90 mil pessoas presas no país, em 2000 era 233 mil, em 2010 era 496 mil e em 2017 chegou a 726 mil!
São prisões superlotadas, a taxa média de ocupação é de 197%, e as condições degradantes à que pessoas presas estão submetidas só reforçam os ciclos de violência. A taxa de reincidência é de 70%. A maioria entra por pequenos delitos e lá passam a conviver com o crime organizado, que de alguma forma tem algo a “oferecer” para quem não tem perspectiva de futuro. 26% dos homens estão na prisão por tráfico de drogas, muitas vezes por pequenas quantidades. Entre as mulheres, que são 5% da população carcerária, são 62%!
Cerca de 40% das pessoas presas sequer foram julgadas. Estão em prisão preventiva aguardando julgamento, algo que na maioria dos casos é injustificável, mas prevalece porque são pobres. Só recentemente o STF decidiu que mulheres grávidas ou com crianças pequenas podem cumprir prisão preventiva em seu domicílio, algo que é automático se você é homem rico, tem um bom advogado ou conhece Gilmar Mendes.
O fato é que esse encarceramento em massa em nada impediu a atuação do tráfico organizado. Pelo contrário, o PCC e o Comando Vermelho se organizam muito bem na prisão (ambos nasceram nas prisões), onde encontram novos recrutas e conseguem se espalhar nacionalmente.
Os governos do PT não mudaram em nada essa política. O uso do exército, encarceramento em massa e guerra às drogas permaneceram durante os governos petistas. Uma das últimas medidas de Dilma antes do golpe parlamentar foi a aprovação da Lei Antiterrorismo, que fornece novas ferramentas para esse estado de exceção permanente que prevalece.
Uso do exército
O uso de exército para reforçar as polícias não é algo novo, desde a nova constituição de 1988. Começou com a conferência da ONU sobre o meio ambiente no Rio de Janeiro em 1992 e as Forças Armadas foram usadas cerca de 30 vezes desde então. O “novo” é a intervenção federal, na qual um general do exército assume o controle sobre todo o aparato de segurança pública, incluindo a PM, Polícia Civil e administração penitenciária, com direito de demitir, transferir e admitir funcionários, requisitar recursos etc. O interventor, Braga Netto, responde diretamente ao presidente Temer.
O uso de militares só reforça a imagem da guerra aos pobres. Favelas são tratadas como territórios inimigos a serem ocupados. Se discute o uso de mandatos de busca e apreensão coletivos, que não são voltados para endereços específicos, mas sim para ruas inteiras ou bairros, onde o exército pode entrar em cada casa, uma evidente violação aos Direitos Humanos. São intervenções caras e sem eficácia comprovada. A ocupação da Maré em 2014, aprovada por Dilma sob a Garantia da Lei e da Ordem, custou 600 milhões de reais.
Com o acúmulo de atrocidades cometidas pelo exército, a cúpula das Forças Armadas se torna mais reticente a se prestar esse papel e exige blindagem. Em outubro de 2017 Temer sancionou a lei que determina que soldados e oficiais tenham direito a julgamento em tribunais militares, por ocorrências durante as operações. Isso já teve efeito negativo. No caso de 8 pessoas mortas (baleadas pelas costas) durante uma ação da Polícia Civil em conjunto com o Exército no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo, em novembro do ano passado, a polícia não pode questionar os soldados envolvidos e o caso não anda. Em uma reunião com o Conselho da República, no dia 19 de fevereiro, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que é necessário dar aos militares “garantia para agir sem o risco de ressurgir uma nova Comissão da Verdade” – quer dizer, nada de questionar crimes cometidos por aqueles que supostamente estariam combatendo o crime!
A agenda da direita
A direita vai querer focar o debate na questão da segurança pública nesse ano eleitoral. Além da intervenção federal, Temer anunciou que vai criar um Ministério da Segurança Pública (abolindo o Ministério de Direitos Humanos). Três propostas devem entrar na pauta do Congresso: a criação de um Sistema Único de Segurança, o relaxamento do Estatuto do Desarmamento defendido pela bancada da bala e a proposta de Alexandre de Moraes, agora do STF, que endurece medidas contra o tráfico de armas e drogas.
Além disso, deverá aumentar novamente a pressão para colocar em votação a redução da maioridade penal. A realidade é que os jovens têm diminuído sua participação no crime nos últimos tempos, mas são as maiores vítimas da violência. 75% das pessoas presas não passaram do ensino fundamental no país. Entre os/as adolescentes que cumprem medidas no Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro, 95% não completaram o ensino médio. Precisamos de mais escolas (e empregos, saúde, lazer cultura…), e menos prisões.
Temos que nos preparar para esse debate, mostrando a falência da política de aumento da repressão sobre pessoas pobres, enquanto corruptos e ricos continuam impunes. As medidas que realmente são eficazes contra o crime passam longe da pirotecnia dos governos atuais.
Segurança pública desmilitarizada e sob controle popular
Segurança pública desmilitarizada e sob controle popular
- Desmilitarizar a polícia e implementar um controle democrático por parte da sociedade e movimentos. Formação de policiais que discuta opressões e Direitos Humanos.
- Conselhos de segurança populares nas comunidades, com representantes de moradores e de movimentos negros/negras, LGBT, mulheres, direitos humanos, sindicais, estudantis etc., com direito de fiscalizar a atuação da polícia.
- Direito pleno de sindicalização de policiais e agentes de segurança. Fim da política de privatização da segurança pública, estatizando e incorporando as empresas privadas ao serviço público com controle dos/as trabalhadores/as.
- Reforma estrutural de todo o sistema judicial e penal, sob o controle dos/as trabalhadores/as, visando a diminuição da população carcerária, com penas alternativas e políticas de educação e reincorporarão na sociedade.
Pelo fim da guerra aos pobres
- Pelo fim da “guerra às drogas”. Usuários precisam de acesso a tratamento e saúde pública, além de empregos, educação e moradia – não de prisão. Hoje o tráfico não é combatido por cima, só por baixo.
- O desmantelamento das organizações criminosas que operam no sistema financeiro é condição fundamental para sufocar a violência relacionada ao tráfico de drogas, roubo de cargas, tráfico de armas, sequestros, etc.
Melhores condições de vida para combater a violência e exclusão social
- Salário mínimo do DIEESE e garantia de direitos trabalhistas a todos/as os/as trabalhadores/as. Reajuste salarial de acordo com a inflação. Redução da jornada de trabalho sem redução de salários.
- Investimentos maciços na construção de moradias populares para gerar empregos e eliminar a falta de habitação.
- Investimentos públicos em centros de cultura e lazer nas periferias com controle da própria comunidade.
- Garantia de acesso a postos de saúde, creches, escolas, todos públicos, gratuitos e controlados pela comunidade organizada nas periferias.
- Acesso e permanência garantidos à universidade pública para todas as pessoas.
Derrotar as políticas neoliberais de Temer e os governos estaduais e municipais que geram violência e abrem caminho para o crime organizado
- Punição e confisco dos bens de todos os corruptos e corruptores! Quebra do sigilo bancário e fiscal de todas as autoridades públicas. Não confiamos no judiciário: acesso por uma comissão popular de inquérito com representantes dos movimentos populares que tenha acesso aos documentos da Operação Lava Jato e outras.
- Não pagamento das dívidas interna e externa aos grandes capitalistas para garantir investimentos sociais e em segurança pública.
- Reversão das contrarreformas de Temer, como a reforma trabalhista, liberação das terceirizações e a PEC que impõe um teto nos gastos públicos. Não à reforma da previdência!
- Controle estrito do fluxo de capitais e estatização com controle dos/as trabalhadores/as dos bancos e do conjunto do sistema financeiro para bloquear as ações de lavagem de dinheiro e implementar um plano de desenvolvimento econômico e social.
- Integração latino-americana democrática e socialista para o combate ao crime organizado, garantindo os direitos nacionais e indígenas e fomentando o desenvolvimento ecologicamente sustentado.