França de 1968 – Mês da Revolução – Lições da Greve Geral
Estudantes tomam as ruas
O modo como os eventos se desenvolveram em 1968 parecia a primeira vista confirmar as pretensões dos estudantes de todo o mundo de que eles poderiam “detonar” a revolução. Sem dúvida, os governos de vários países estavam começando a tremer ante tal perspectiva! O mundo estava experimentando uma onda sem precedentes de intranqüilidade estudantil – Polônia, Itália, Espanha, Alemanha, Grã-Bretanha e América. Algumas destas lutas alcançaram um nível superior ao daquelas na França.
Na Espanha, os estudantes combateram o ditador Franco. Nos Estados Unidos, eles estavam na proa do movimento contra a Guerra do Vietnã e dos movimentos da Consciência Negra e direitos civis no Sul. Na Irlanda do Norte, os estudantes estavam envolvidos numa onda de luta contra a discriminação anticatólica. Intelectuais, estudantes e setores dos trabalhadores na Tchecoslováquia estavam sendo arrastados para uma profunda fermentação política conhecida como a ‘Primavera de Praga’.
Grandes batalhas explodiram em todas as grandes cidades universitárias da Alemanha. Um atentado foi até mesmo cometido contra a vida do líder estudantil Rudi Dutschke. Na Grã-Bretanha e em outros lugares, os estudantes estavam em marcha às dezenas de milhares contra a guerra americana no Vietnã. Embora as lutas estudantis fossem sintomáticas de profundos conflitos sociais, em lugar algum a não ser a França elas desencadearam uma greve geral de trabalhadores, menos ainda uma que poderia acabar com o governo do capital.
Qual é a explicação? Ela está não em qualquer método superior adotado pelos estudantes franceses, mas na reunião do todas as pré-condições políticas e sociais para a revolução – o combustível material. O bonapartismo de de Gaulle agiu como um ‘detonador’ adicional e agravante. Os estudantes franceses estiveram envolvidos em grandes movimentos contra a guerra na Argélia no começo dos anos 60. Eles demonstraram tanta tenacidade quanto qualquer outro no apoio à luta do Vietnã pela independência. Isso foi uma questão particularmente potente porque reviveu as memórias da inglória tentativa francesa de manter sua antiga colônia da Indochina. Foi depois da catastrófica derrota francesa em Dien Bien Phu que o imperialismo dos EUA assumiu a dominação do Vietnã do Sul.
No começo de 1968 houve protestos contra um sistema educacional restritivo e regras arcaicas, que estouraram em choques abertos nos campi. Com a famosa sutileza de uma burocracia assustada, as autoridades pediram auxilio às forças do estado. Em várias ocasiões, a policia ‘debelou’ os tumultos. No inicio de maio, alguns estudantes de Nanterre, incluindo Daniel Cohn Bendit, estavam para serem julgados nos tribunais da universidade por ‘comportamento perturbador’. Uma batalha entre estudantes e fascistas se aproximava. Em 2 de maio, Roche, o diretor, fechou a Universidade de Nanterre.
No dia seguinte, os estudantes de Nanterre se reuniram pacificamente com os da Sorbonne, e foram violentamente atacados pela odiada tropa de choque – o CRS – e centenas de estudantes foram presos. Professores na Sorbonne e no Censier Annexe foram suspensos. A raiva se elevou e o Sindicato dos Professores Universitários (SneSUP) chamou uma greve. Esta foi prontamente declarada ilegal pelo Ministro da Educação, Alain Peyrefitte.
No domingo, 5 de maio, os estudantes presos nas demonstrações do dia anterior foram sumariamente condenados à prisão e multados. Todo o inferno se libertou! As manifestações foram proibidas e as greves universitárias se espalharam para as escolas secundárias. Cada aplicação da mão de ferro levantava mais raiva e determinação por parte dos estudantes.
Na segunda, 6 de maio, uma desafiadora manifestação de 60 mil pessoas no Quartier Latin em Paris foi atacada pela tropa de choque com uma brutalidade que levantou uma simpatia generalizada pelos estudantes entre a população de Paris. Levantou, também, a indignação dos trabalhadores em todo lugar à medida que as noticias das atrocidades os alcançavam pelo rádio. Para se protegerem, os estudantes começaram a erguer barricadas com qualquer coisa à mão. Foi a primeira vez que barricadas apareceram nas ruas de Paris desde 1944, quando os trabalhadores se rebelaram contra o exército alemão antes das forças Aliadas alcançarem a capital.
No fim de uma noite de sangrentas batalhas, 739 feridos foram levados para o hospital. Várias centenas mais foram cuidados nas casas dos parisienses. A classe média estava assombrada e horrorizada. Nos dias que se seguiram, numerosas reportagens de testemunhas oculares apareceram nos jornais franceses. Um doutor escreveu “com toda a amargura da minha impotência” ao Le Monde o que ele acabara de ter visto na sua janela:
“Eu vi, saindo de um café, jovens estrangeiros curvados e dobrados, por cinco policiais para cada um, batendo neles violentamente na face sempre que possível, ou então nas canelas. Os jovens tentaram se proteger com livros, então os livros voaram. Os golpes choveram até que eles foram jogados no furgão policial há trinta metros de distância. Quão longe parecia esta curta distancia! Os moradores deste quarteirão burguês estavam gritando sua indignação.
“Um jovem negro, que estava andando normalmente quando foi posto no ‘Cesto de Salada’ (furgão policial) e surgiu quinze minutos depois com sua face coberta de sangue. Ele cambaleou e caiu. Eles o deitaram numa maca e o tiraram de lá. Eu imaginei que a cor de sua pele justificou o fato dele ter sido ‘cuidado’ dentro do furgão.
“Muito em breve, nas batalhas com a polícia, os estudantes tiveram sucesso em fazê-los recuar – furgões e tudo. Algumas garrafas foram arremessadas de vários andares de altura nas forças da lei e da ordem. A simpatia da população ia visivelmente para os estudantes, que continuaram donos do terreno. Amanhã haverá a denúncia policial de ‘estrangeiros’ e os verdadeiros manifestantes terão esmagado os policiais e eu digo isso com satisfação… eu admito!”
Em várias ocasiões, quando a policia foi forçada a recuar aplausos desataram dos balcões. Nenhuma hostilidade foi ostentada em relação aos manifestantes – pelo contrário, rádios, comida e abrigo foram fornecidos. Uma pesquisa indicou que 80% da população de Paris estava com os estudantes. O governo avaliou mal e confiou que era um minúsculo grupo isolado de agitadores. Peyrefitte falou de ‘um punhado de arruaceiros’. Escandalosamente, os líderes do Partido “Comunista” ecoaram estes sentimentos, sugerindo que o movimento dos estudantes era trabalho de grupelhos ou ‘grupúsculos’ – trotskistas, anarquistas –, até mesmo agentes da OAS e da CIA!
Jovens Trabalhadores se unem
Os eventos de 6 de maio levaram a dias de manifestações, batalhas de rua e o levantamento de barricadas. À medida que o número de estudantes crescia e jovens trabalhadores se uniam a eles nas barricadas, eles zombavam do governo e dos lideres do Partido Comunista com gritos de “nós somos um grupúsculo”. Em suas crescentes manifestações os gritos aumentavam: “Solidariedade dos estudantes e trabalhadores”’, “Libertem nossos camaradas!”, “Policia fora do Quartier Latin!” e “Re-abram as universidades!”. Depois da revolução de 1848, o Prefeito da Policia, Haussmann, ordenou o re-desenhamento de Paris com amplos bulevares para impedir que a cidade mais uma vez fosse bloqueada pelas barricadas. As mesmas pedras dos paralelepípedos com que os bulevares foram feitos formaram os blocos de construção ideal para as barricadas de maio de 1968! Os trabalhadores emprestaram sua perícia e suas furadeiras para ajudar escavar os pavés (paralelepípedos) para uma construção mais rápida e efetiva das defesas.
Em 10 de maio, no que se tornou conhecido como ‘A Noite das Barricadas’ mais de 60 destas construções foram levantadas. A polícia recorreu a tudo, exceto atirar. Gás lacrimogêneo, bombas de fumaça e até mesmo gás CS foram usados. Os moradores, a pedido dos estudantes, jogaram água de suas casas para aliviar a irritação nos olhos e pele. O gás penetrou no Metrô subterrâneo, causando até mesmo aflição aos passageiros que viajavam por baixo do Quartier Latin!
Num incidente, 30 tiros de gás lacrimogêneo foram lançados num café. Desde os primeiros ataques da tropa de choque, os estudantes gritavam “CRS-SS”. Neste incidente, a CRS procurou vingança, ameaçando: ‘Vocês verão quem é SS!’ Uma estudante de filosofia do primeiro ano descreveu como ela foi forçada a voltar várias vezes para o banheiro do andar de baixo deste café. Várias outras mulheres estavam com ela, gritando e implorando, estendidas no chão! Ela foi dominada pelo gás e pela histeria. Meio inconsciente, ela ficou sem saber, até que foi levada para fora do café, que tinha perdido a vista de ambos os olhos!
Os resultados das batalhas da Rue Gay Lussac foram tão horríveis que os médicos exigiram publicamente que a policia fosse processada. Veículos da policia foram vistos se jogando nos manifestantes. Em uma ocasião, um pedestre foi carregado trinta metros no pára-choque da frente e o motorista disse que não o viu! Na noite de 10 de maio, quando a CRS tomou de assalto as barricadas, eles nem mesmo permitiram que a Cruz Vermelha entrasse e apanhasse os feridos. No dia anterior, Peyrefitte se recusou a permitir a abertura de Nanterre. A raiva generalizada contra a brutal resposta do governo aos protestos dos estudantes alcançou o ponto de ebulição. Os líderes das maiores federações(1) sindicais e dos partidos de esquerda foram obrigados a chamar uma greve geral de 24 horas na segunda, 13 de maio. O primeiro-ministro Pompidou anunciou a reabertura da Sorbonne e a retirada da policia. Mas era muito pouco e muito tarde! As comportas estavam abertas e não seriam firmemente fechadas até o mês de junho. A máxima de De Gaulle, ‘o estado nunca retrocede’, virou pó! Era o inicio do fim para ele.
A retirada parcial do governo não satisfez os estudantes, mas foi suficiente para encorajar milhões de trabalhadores a seguir o seu exemplo – entrar em greve e ocupar por suas próprias demandas. Os trabalhadores, especialmente os jovens, estavam incendiados pelo exemplo da ação – a coragem e o élan demonstrados pelos estudantes engajados na luta. Estes agiram inicialmente por queixas levantadas sobre o sistema educacional altamente centralizado, mas rapidamente começaram a questionar toda a estrutura da sociedade., agindo como um estopim para o movimento dos trabalhadores. Infelizmente, isto deu aos estudantes a ilusão de que eles eram uma força motora. Na realidade, as condições para o movimento dos trabalhadores já estavam preparadas.
1 Na França, Federações Sindicais correspondem às nossas centrais.