França de 1968 – Mês da Revolução – Lições da Greve Geral
As lições de Maio de 68
Aqueles cujo interesse é abafar a militância por parte dos trabalhadores e jovens pontuam a experiência de 1968 e declaram que é inútil lutar: você apenas pode terminar com a reação fortalecida! Eles citam os comentários de Marx de que a máquina estatal é “aperfeiçoada” pelas revoluções. Em alguma extensão, o capitalismo francês foi forçado a encontrar novos meios de manter seu domínio, afastando-se dos métodos militar-policiais. Mas ele foi severamente abalado pelos eventos de 1968 e nunca irá reconquistar sua confiança.
Os trabalhadores, de outro lado, podem tirar um enorme otimismo do que aconteceu. Durante os eventos, eles tiveram um vislumbre do futuro. “Parecia ter uma boa chance de funcionar”, para usar a frase de um jornalista americano quando ele viu o novo poder soviético estabelecido na Rússia em 1917. Escandalosamente, os líderes dos poderosos trabalhadores franceses negaram a estes a possibilidade de porem à prova um governo de conselhos operários: “Não perderemos nossas cabeças”, declarou Georges Séguy!
James Klugmann, escrevendo no Morning Star de 6 de junho, 1968, tentou fornecer alguma cobertura “teórica” para a traição do Partido Comunista Francês. Ele pomposamente declarou que “uma revolução é mais do que um grito de raiva”. Cita Lênin para insistir que como o poder estatal não foi transferido de uma classe para outra, não houve revolução na França! “O velho estado foi modelado e reequipado para servir o capitalismo”, declara. “É necessário substitui-lo por um estado equipado e estruturado para construir o socialismo”. Como? Bem, para isto você precisa de uma luta de massas e um partido revolucionário: “Na vida de um partido revolucionário há momentos de grande luta política decisiva, quando o povo trabalhador entra em ação e poucas semanas podem rapidamente mudar suas idéias, e há longos períodos de paciente preparação, educação e organização. Há a coragem da manifestação de massas e da barricada, e há a coragem da longa perseverança paciente de ganhar o povo para a compreensão da necessidade e do caráter de uma mudança revolucionária na sociedade. Ambas são necessárias para o partido revolucionário”. Mas qual destes períodos havia em maio de 1968 na França? Klugmann não dá respostas. Quando a revolução chega, é um crime tão grande confundir estes dois períodos quando confundir o primeiro mês de gravidez com o último!
Klugmann então continua para citar uma longa passagem da introdução de Engels à Lutas de Classes na França, de Karl Marx. Esta lida com a possibilidade dos social-democratas alemães ganharem uma maioria no Parlamento e não serem empurrados para a “luta de ruas” em termos desfavoráveis. Assim como Kautsky na virada do século, Klugmann omite da referência de Engels o fato que a luta de rua e as barricadas terão seu papel restabelecido novamente no futuro. Eles tentam transformar Engels num insosso e legalista liberal para argumentar contra qualquer atividade extra-parlamentar! É assim que os reformistas do Partido Comunista tentam justificar o abandono da via revolucionária pela parlamentar exatamente quando a vitória estava à vista.
No fim de maio de 1968 uma nova sociedade estava em processo de parto. Um partido revolucionário não teria que organizar uma insurreição violenta.A única “força” necessária nestas circunstancias era a de um fórceps aplicado no momento correto. A greve geral de 10 milhões de trabalhadores fez a maior parte do serviço de transferir o poder de uma classe para outra. Porque jogar fora tal oportunidade e começar do nada numa eleição geral com todo o poder do estado e da mídia de volta às mãos da classe capitalista?
O Partido Comunista da França, tendo advogado vorazmente o caminho eleitoral, não foi nem mesmo capaz de usar a própria eleição de uma maneira revolucionária para fazer campanha pela transformação socialista da sociedade!
Sectarismo
Surgiram à frente das lutas estudantis elementos que tinham visto a situação na França como revolucionária. Entre eles haviam blanquistas dos dias modernos que imaginavam que um grupo corajoso de lutadores revolucionários poderia substituir a atividade de massas da classe trabalhadora. Muitos, incluindo os maoístas e alguns que afirmavam serem trotsquistas, foram atraídos pela idéia romântica de adotar os métodos de guerrilha de Che Guevara e Fidel Castro nas cidades da Europa! Conseqüentemente, eles não construíram nenhuma base nas fábricas.
Nas batalhas de rua de maio, os jovens organizados em torno de Pierre Frank e Ernest Mandel na JCR exibiram considerável coragem e agilidade organizativa. Mas eles foram forçados a concluir o que Trotsky tinha explicado décadas antes, que “Mesmo a mais heróica intelectualidade não é nada sem as massas”. No entanto, quando saíram em busca da ajuda dos trabalhadores nas fábricas, eles foram com uma atitude arrogante, não com a humildade que Lênin e Trotsky sempre recomendaram. Eles denunciavam o Partido Comunista em cada oportunidade, sem explicar pacientemente as origens dos erros de sua direção.
Tais pessoas falharam em entender o papel das organizações de massa – o que os trabalhadores investiram para construí-las e a profunda lealdade que elas retêm. Eles olhavam para atalhos – alternativas fáceis para o processo de elevar a consciência de milhões de trabalhadores. Apresentavam a necessidade da revolução e de um partido revolucionário sem entender que estas questões estão indissoluvelmente ligadas à necessidade de transformar as organizações existentes da classe trabalhadora.
Quando chegou a campanha eleitoral, um agrupamento marxista teria ganhado enormemente dirigindo todo o seu efetivo para as fileiras dos trabalhadores comunistas que buscavam as idéias revolucionárias durante a greve. Poderia argumentar que eles exigissem que seus líderes fizessem campanha com um programa socialista completo, oferecido por Waldeck-Rochet no auge dos eventos. Poderia agir como um catalisador no processo de questionamento que já estava acontecendo e ajudar os trabalhadores, especialmente os jovens, a transformar o Partido Comunista numa força revolucionária de massas. A abordagem destes semi-trotsquistas surgiu de uma perspectiva política incorreta e não-marxista. Ocasionalmente eles estavam corretos, como ao lançar, durante os eventos, um programa para interligar os comitês de ação e usa-los como órgãos para estabelecer um governo de genuínos representantes dos trabalhadores. Mas eles desperdiçaram qualquer capital que tivessem construído e perderam uma oportunidade única de alcançar camadas mais amplas de trabalhadores com suas idéias quando decidiram chamar os trabalhadores a “votar em branco” na eleição geral.
Lênin geralmente recomendou o boicote às eleições parlamentares apenas se uma forma alternativa de governo operário já existisse, os sovietes. A menos que o movimento operário já tivesse a força e influência para mobilizar ativamente uma esmagadora maioria contra a participação nas eleições, iria fracassar. Estes sectários não reconheceram que o momento para a transferência revolucionária do poder passara e que nenhuma alternativa de massas ao parlamento existia agora.
Em junho, como parte da repressão de de Gaulle, a JCR e o PCI foram banidos junto com dez outras organizações e jornais. Seus líderes se esconderam e alguns foram brevemente presos. Eles começaram de novo sob novos nomes, mas ainda eram incapazes de avaliar o período em que estavam. Imaginavam que as centenas de comitês criados durante a greve poderiam ser mantidos indefinidamente e formar a base de alguma forma de controle operário na indústria e na sociedade. Mas comitês deste tipo, que foram criados durante o curso de grandes batalhas de classe, não podem sobreviver às condições que os criaram por qualquer período prolongado de tempo.
Na época da Grande Greve na França havia muita discussão na Grã-Bretanha e outros lugares sobre questões do controle e participação operários na indústria. Tony Benn(9) estava defendendo mais democracia operária como Ministro da Tecnologia da época. A questão foi ainda mais calorosamente debatida sob o impacto dos próprios eventos franceses.
Em tempos “normais”, elementos de controle podem ser exercidos pelos operários na indústria capitalista, através de órgãos como os comitês de representantes por locais de trabalho, mas apenas se numa extensão muito limitada. Seções de partidos operários nas fábricas e assembléias de massa em cada local de trabalho na época de uma eleição podem jogar um importante papel. Na França, discussões em todas as fábricas e escritórios que foram ocupados durante a greve sobre as maiores questões em jogo na eleição teriam ajudado enormemente os candidatos dos partidos dos trabalhadores. Mas o Partido Comunista tentou converter os comitês de ação em comitês eleitorais para a Frente Popular, sem qualquer campanha sistemática sobre políticas socialistas. Ele virou suas costas a milhões de trabalhadores ainda em greve, deixando-os se arranjarem, e se lançou de cabeça na campanha eleitoral. Com a possibilidade de mudança política através da greve geral rapidamente declinando, negociações se abriram em todo lugar e os patrões voltaram a ganhar confiança. Não obstante, eles foram forçados a usar tanto a cenoura quanto o porrete para ter a indústria francesa restaurada.
Muitos trabalhadores não estavam preparados para considerar um retorno ao trabalho sem garantias sólidas sobre salários, condições e horas. Muitos tiveram a oportunidade de procurar garantias de que direitos sindicais plenos seriam exercidos de agora em diante e também que ninguém seria vitimizado pelas atividades durante a greve. Onde os trabalhadores estavam mais entrincheirados, os patrões foram forçados a oferecer ainda mais do que antes. Em alguns casos, eles ofereceram o pagamento integral pelos dias perdidos durante a ação grevista!
Os eletricitários receberam uma proposta de 20% e 40 horas semanais, mais ainda não queriam fechar um acordo com a gerência. Trabalhadores de ônibus e metrô votaram para continuar a greve. O segundo maior grupo de trabalhadores no país, 1.400.000 trabalhadores de lojas, esperaram alguns dias para ver como as coisas estavam indo antes de tomarem uma decisão. Mineiros no norte da França, numa votação secreta, decidiram não aceitar uma oferta de 10%.
Vendo a resolução de sua força de trabalho, várias companhias decidiram recorrer à violência e intimidação. Inevitavelmente, novas explosões foram provocadas – novas manifestações e greves. Mil homens da tropa de choque foram chamados para a planta da Renault em Flins, onde os operários se recusavam a fazer uma votação secreta. Grandes batalhas e manifestações ocorreram. Enquanto a CRS perseguia manifestantes pelos campos golpeando com seus porretes, um secundarista mergulhou no Sena para escapar da polícia e se afogou. Também em Sochaux, a tropa de choque foi chamada pela gerência e dois metalúrgicos foram mortos em violentas escaramuças.
A resposta em Paris foi o retorno à luta de barricadas. Cinco postos policiais foram atacados. Gritos de “Eles mataram nossos camaradas” subiram ao ar. Na noite de 10 de junho algumas das piores violências irromperam em ambos os lados do Sena. Não menos que 72 barricadas foram erguidas. Carros e viaturas policiais foram queimados e 1.500 prisões foram feitas.
A CRS foi enviada para retomar outros locais de trabalho – correios, estações ferroviárias e fábricas. Foi enviada para esvaziar o Teatro Odéon em 14 de junho e a Sorbonne em 16 de junho. Apesar de tudo, os operários da Renault ainda resistiram a retornar ao trabalho até 17 de junho. Os da Citroën em todas as 8 fábricas retornaram poucos dias depois e os da Peugeot ficaram até 24 de junho.
Fascistas começaram investidas e ataques em edifícios das organizações operárias. Funcionários eleitorais foram atacados por bandidos e um jovem comunista foi morto enquanto fazia campanha. Centenas de estudantes estrangeiros e imigrantes foram deportados como conseqüência da grande greve. Muitos militantes das fábricas foram vitimizados – não menos que 925 operários foram demitidos da Citroën após a eleição.
Jornalistas da rádio e televisão fizeram uma completa paralisação do trabalho, muito tarde dentro de todo o processo. Estavam lutando uma batalha impossível para tentar manter esta mídia à serviço de toda a classe trabalhadora. Quando de Gaulle reafirmou seu controle, técnicos do exército foram enviados para assegurar que as transmissões estivessem em total capacidade operacional. Depois, 66 dos jornalistas foram demitidos e outros tiveram seus programas fechados. Num ato de solidariedade internacional, jornalistas de rádio belgas coletaram fundos para seus colegas demitidos.
A fraqueza pelo isolamento e falta de informação tornou várias derrotas inevitáveis. Uma certa quantidade de desmoralização se manifestou. Tudo isto foi totalmente a responsabilidade das federações sindicais. Mais uma vez, os “dirigentes” não deram direção. Defendiam negociações separadas por planta e não fizeram disposições para encorajar os trabalhadores a marchar de volta triunfantemente para o trabalho normal.
Tendo exercitado seus músculos e respirado o ar da montanha, os trabalhadores não renunciariam à posição que conquistaram levianamente. Mas, sendo derrotados em termos de “quem reina na sociedade”, não havia alternativas para eles a não ser eventualmente devolver as fábricas e aceitar acordos sobre salários e condições.
O gigante do trabalho francês se ergueu em maio de 68. Ele quebrou cada grilhão que o prendia por pura força muscular. Mas para matar o inimigo, o Capital, uma espada afiada com um fio amolado era necessária – um partido revolucionário com uma direção clara, decisiva e incisiva.
Despojado de tal arma, este gigante seria subjugado mais uma vez, mas não sem uma luta hercúlea. O inimigo agiu para usar todas as armas à sua disposição, incluindo as forças do estado e organizações extra-parlamentares como a Ocidente(10). Pior de tudo foi o papel jogado pelas próprias organizações operárias ao ajudar os patrões a apertar as cordas e fixar as estacas. Muitos setores dos trabalhadores espernearam corajosamente contra as tentativas de fixar os grilhões. Uma semana após a eleição ter sido chamada, mais de 5 milhões ainda estavam em greve. Duas semanas depois, quase dois milhões. Mesmo em julho, alguns setores ainda se mantinham.
The Economist comentou que seja quem ganhasse a eleição enfrentaria uma grave crise econômica e seria forçado a permitir a inflação para retomar os ganhos salariais dos trabalhadores. Em 30 de maio, o Banque de France fazia apelos contra o apoio para o franco. Ele queria que seu valor caísse para aumentar a competitividade dos bens franceses no mercado mundial, o que por sua vez aumentaria os preços na frente doméstica. O franco alcançou seu mais baixo nível desde 1958. Projeções de um déficit de $400 milhões foram reconhecidos como uma subestimação. The Economist reconheceu que “Nenhuma redistribuição concebível da renda nacional poderia satisfazer as demandas que foram concedidas mesmo se largas somas fossem desviadas para o consumo ao invés de para o investimento, o que significaria que o crescimento da riqueza do passado chegaria a um fim”. O governo de Bonn e a Comissão da CEE (Comunidade Econômica Européia, antecessora da União Européia) em Bruxelas estavam preparados para fazer subsídios à França, limitando suas importações e elevando suas exportações no interesse de salvá-la de outra convulsão. O Fundo Monetário Internacional (FMI) disponibilizou um empréstimo de 3,6 bilhões de francos. Pompidou ressaltou que cada semana da greve perdeu 2% da produção anual; cada semana da greve também significou uma perda de 2% no rendimento anual de cada trabalhador, mas isto parecia um pequeno preço a pagar por um novo futuro!
Um milhão de trabalhadores ainda estavam em greve quando o 1º turno da eleição ocorreu no fim da terceira semana de junho. Os estudantes do Lycée não retornaram à escola mesmo em seu inicio normal de setembro. Mas a CGT até assinou um acordo aceitando a “restauração” do trabalho para permitir à indústria francesa “recuperar-se”. O aumento anual na produtividade elevou-se de 7% para 12%, mas os preços também dispararam. A greve geral foi uma vitória em termos de reformas massivas, mas os aumentos salariais e benefícios extras inevitavelmente foram minados pela inflação. Muitos acordos nos locais de trabalho foram rompidos pelas vingativas diretorias.
Do ponto de vista capitalista, as concessões tinham que ser tomadas de volta. Do ponto de vista dos trabalhadores, uma luta no plano político seria necessária.
Giro aos partidos tradicionais
Em um mês de 1968 os trabalhadores aprenderam mais do que décadas de experiência anterior. Experimentaram um rápido despertar de todo tipo de ambições no desenvolvimento de seus talentos e habilidades. Sofreram um rápido processo de politização e radicalização. Um interesse muito maior na política surgiu. Procurando por um fórum para a discussão política, trabalhadores e jovens voltaram-se para suas organizações tradicionais. Os trabalhadores irão testar a direção de novo e de novo, com uma lealdade que demonstra um alto nível de resistência.
Os trabalhadores voltaram-se para os sindicatos e o Partido Comunista. Durante os eventos eles aprenderam a importância da organização. Estas organizações cujos líderes estiveram na dianteira nos eventos tinham profundas raízes na classe trabalhadora. Os trabalhadores voltaram a eles apesar das tentativas da direção de limitar sua iniciativa e reter o aparato sob seu controle. Não havia um partido marxista de massas alternativo. As organizações operárias estavam ainda intactas e cresceram rapidamente nas semanas de maio e começo de junho. Dada a correlação de forças, a burguesia não podia se voltar para reação militar bonapartista até depois de uma série de derrotas decisivas para os trabalhadores. Não era uma questão do regime gaullista se mover para o “fascismo”, nas circunstâncias, como os comunistas e os sectários tentavam sugerir. De qualquer modo, na situação onde o movimento grevista estava retrocedendo e de Gaulle estava tentando restaurar o status quo através de um giro rumo às eleições, não estava colocado o uso de métodos contra-revolucionários. Embora sofrendo uma derrota parcial, os trabalhadores e suas organizações ainda eram uma força poderosa.
O Partido Comunista cresceu em 55 mil membros em 1968. Em apenas um mês, em maio, 15 mil novos membros se afiliaram. Oitenta novas células foram criadas em Paris antes do fim de maio. L’Humanité relatou “dezenas” de milhares de novos membros para a CGT. O Morning Star contou 500 mil no curso daquele ano. Os trabalhadores avançados entraram no Partido Comunista vendo nele um partido da revolução e não tendo entendido totalmente seu papel na traição de seus interesses. Mas o aumento na militância do Partido Comunista não era nada comparado com a recompensa que estava ao seu alcance. Não seriam 50 mil novos membros, mas milhões que teriam inundado o Partido Comunista. Durante o ano da Revolução Russa, o Partido Bolchevique aumentou seu tamanho de 8 mil após a Revolução de Fevereiro para 240 mil em outubro – um aumento em 30 vezes. De outro lado, houve consideráveis expulsões dos membros do Partido Comunista e da CGT que criticaram a direção. Mais convulsões no partido inevitavelmente se seguiriam.
A CFDT dobrou sua militância – a recompensa por estar à esquerda da federação sindical comunista no curso dos eventos. Ela respondeu mais ao sentimento entre os grevistas e apresentou os slogans mais radicais. Eleições de fábrica na Renault Cleon e na Michelin significativamente mostraram um giro acentuado da CGT para a CFDT. Foram estas camadas que iriam engordar o novo Partido Socialista quando ele foi criado em 1971.
Para os trabalhadores da França, os eventos de maio trouxeram uma vitória e uma derrota; foram uma vitória parcial e uma derrota parcial. Porque os trabalhadores mantiveram sua força e demonstraram sua determinação, grandes reformas foram arrancadas dos patrões e de seu governo, dando a idéia do que poderia ser ganho através da ação de massas. Os capitalistas a curto prazo tiveram que prestar significativas concessões econômicas. Mas o poder tinha estado nas mãos dos trabalhadores. Agora ele estava de volta nas mãos dos velhos governantes.
Eles tiveram que esperar ainda outros 30 anos depois da Grande Greve antes da vitória dos partidos Socialista e Comunista nas eleições presidenciais e parlamentares. Após o golpe da derrota de 68, fora do parlamento e então na eleição seguinte, os trabalhadores se sentiam abatidos. As dúvidas retornaram. Talvez eles tenham esperado muito? Seus sonhos não seriam utópicos?
Os trabalhadores não são blocos de madeira, mas seres humanos, sujeitos à sentimentos de júbilo e desapontamento. Todos os grandes revolucionários marxistas entenderam o papel das complexas mudanças psicológicas nos sentimentos de milhões de trabalhadores nos fluxos e refluxos dos eventos históricos. Mostraram grande sensibilidade a esta questão. Estas considerações estão além da compreensão dos que se baseiam em projetos simplistas e caricaturas das táticas e estratégias marxistas. Aqueles que erradamente se dizem comunistas e trotskistas são igualmente arrogantes e cínicos para com os trabalhadores que aspiram representar.
Em 1968, as esperanças de milhões ascenderam – bem além de suas expectativas normais de vida, além das questões diárias de pão e manteiga. Os trabalhadores franceses de 1968 tinham uma experiência muito maior e nível de técnica e cultura mais elevados à sua disposição do que os trabalhadores que fizeram a revolução na Rússia em 1917. Suas conquistas teriam sido numa escala ainda maior. Sua própria imaginação e talentos criativos teriam começado a florescer num grau ainda desconhecido na história. Nos anos seguintes à 1968, os partidos comunista e socialista deveriam ter apresentado um desafio unido aos partidos do capitalismo com um convincente e audacioso programa socialista. Um processo de aquisições e fusões reduziu as famílias de monopólios francesas a um número ainda menor. Nacionalização dos setores chave e um programa de controle e gestão democrática dos trabalhadores teriam dado uma nova inspiração à classe trabalhadora. Os líderes também falharam neste ponto.
Incapazes de assegurar a vitória nas eleições de 1973 e 1978, eles foram responsáveis por mais desapontamentos e miséria a serem suportadas pela longamente sofrida classe trabalhadora da França. Quando a vitória finalmente chegou para os partidos operários em 1981, com massivos 55% dos votos, isto foi saudado com danças nas ruas. No inicio, um grande programa de reformas foi implementado mas, falhando em romper com o capitalismo, o governo de Mitterand voltou atrás. Drásticas contra-reformas anti-classe trabalhadora desacreditaram o “socialismo” mais uma vez. Mitterand até incluiu em seu gabinete figuras odiadas desde as jornadas de maio, como Grimaud, Prefeito da Policia, e Pierre Dreyfus, Diretor Executivo da Renault!
Novos “Maio de 1968” estão apenas sob a superfície na sociedade francesa. Na época da recessão na França em 1973 uma ocupação com continuidade na produção na fábrica de relógios Lip em Besancon tornou-se uma cause célèbre; Trabalhadores de todo lugar queriam ver os detentores do poder recuarem, e manter a fábrica aberta. Quando, durante o fechamento, no feriado nacional francês, a tropa de choque foi enviada para evacuar a fábrica, foi como se um alarme tivesse sido soado, e trabalhadores de vários lugares acordaram de seu repouso. Todas as grandes seções de trabalhadores envolvidos na greve geral de 1968 começaram a se mover em ação, como se sob a mesma ordem. Protestos estalaram mesmo nos campos de férias e trabalhadores viajaram para o retiro de interior dos ministros para alerta-los de que a França estava em perigo da iminência de uma paralisação!
Em 1986, jovens nas escolas, colégios e universidades da França saíram às ruas contra os cortes na educação. Desta vez a mera ameaça dos sindicatos chamarem uma ação de greve geral levou a um recuo humilhante por parte do recém-eleito governo de direita de Chirac. Um dos líderes sindicais de fato pediu privadamente a Chirac para se lembrar de 1968! Eventos similares na Espanha em 1986 e inicio de 1987 mostraram como os jovens, mobilizando-se atrás de um programa de demandas pensando nos trabalhadores, podem conseguir sua ativa participação e também que lutem a seu próprio favor. A história de ambos países provou e provará mais uma vez que os trabalhadores europeus têm um tremendo desejo de lutar contra todas as probabilidades – lutar para controlar seu próprio destino.
Hoje, o peso da classe trabalhadora na sociedade francesa é ainda maior do que era mesmo em 1968. As condições de vida, na verdade, são mais explosivas. Um processo de desindustrialização tem visto o número de desempregados alcançar cinco vezes o número de 1968 e tem deixado desertos sociais em muitas partes da França. Existe uma crise especial para os trabalhadores imigrantes e evadidos escolares. Mais combustível, em termos de raiva e descontentamento, tem sido acumulado e os trabalhadores e jovens ganharam lições da experiência recente, no plano sindical e político. Quase qualquer incidente pode iniciar uma nova explosão. Movimentos similares à 1968 sem dúvida ocorrerão e, no atual contexto mundial, terão um significado ainda mais momentoso. Agora, as economias do mundo estão ainda mais em crise, não há nenhum país onde enormes contradições e situações explosivas não estejam se desenvolvendo. A Grã-Bretanha, de fato, longe de ser uma exceção, pode estar mais perto de uma explosão no próximo período. Um novo “1968” inevitavelmente teria enormes repercussões internacionais. Ele se espalharia como uma pradaria em fogo.
Uma coisa, acima de tudo, foi provada pelos eventos franceses – que as novas gerações se dedicarão às novas lutas com entusiasmo e energia. A classe trabalhadora da França, os jovens em particular, que têm grandes tradições revolucionárias, se moverão mais uma vez para poderosas lutas para transformar a sociedade em que vivem. Se moverão para transformar e re-transformar suas organizações em poderosas armas para a mudança. As forças para um partido revolucionário de massas virão de dentro das velhas organizações do proletariado – o Partido Comunista e o Partido Socialista (que agora tem o maior apoio eleitoral). Sem o desenvolvimento de um partido de massas com um programa e liderança marxistas, a revolução francesa será tumultuosa, longa e prolongada.
Um período abriu-se em 1968, similar ao período de fluxos e refluxos na revolução espanhola entre 1931 e 1937, embora ainda mais extenso. “A revolução tem uma longa respiração”, como Franz Mehring ressaltou. O melhor meio para os trabalhadores e jovens preparem-se para o futuro é retirar todas as lições possíveis da história das lutas anteriores. Na estufa de lutas de massa de natureza revolucionária, as forças do marxismo podem crescer muito rapidamente. Com as idéias e programas corretos, elas serão capazes de avançar com confiança. Será um privilégio experimentar e participar ativamente no próximo “1968”. A revolução francesa teve o seu ensaio geral. Durante a revolução russa, a marxista alemã Rosa Luxemburgo falou do sentimento “do vento rugir pelas orelhas”. Ela também escreveu: “Estamos vivendo em tempos onde tudo o que acontece vale a pena ser enfrentado”. Isto será tão verdadeiro para os últimos anos do século 20, como foram para os primeiros.
Na França, haverá um genuíno drama que irá não apenas transformar a sociedade francesa, mas que irá completar a revolução começada em maio de 1968. Mas ela irá satisfazer as aspirações dos trabalhadores franceses, frustradas por dois séculos. Abrirá um novo capítulo na história mundial que poderá levar diretamente ao estabelecimento de uma sociedade harmoniosa numa escala mundial.
Quando a velha toupeira da revolução francesa emergir mais uma vez, e a vitória for assegurada, como Marx escreveu no Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, “A Europa irá pular de sua cadeira e excitadamente exclamar: ‘Belo trabalho, velha toupeira!’”.
Clare Doyle, abril de 1988
9 Figura importante da esquerda do Partido Trabalhista britânico.
10 Grupo violento da extrema direita semi-fascista.