Irlanda: Jobstown é inocente! Lutar não é crime!

[dropcap]O[/dropcap] julgamento contra os ativistas de Jobstown no dia 24 de abril será o principal julgamento político na Irlanda das últimas décadas. O julgamento é um ataque político contra a nova crescente esquerda do país e um ataque direto ao direito de protestar.

O pano de fundo é a tentativa do governo de implementar uma taxa de água, como parte da política de austeridade. A taxa de água enfrentou grande resistência da população, com marchas, piquetes contra tentativas de instalar hidrômetros. O Partido Socialista, como parte da Aliança Anti-Austeridade (AAA, esse ano mudou de nome para solidariedade), lançou um campanha para boicotar a taxa, como tática para massificar a campanha e derrotar a taxa.

A luta contra a taxa da água levou a eleição de Paul Murphy do Partido Socialista (seção irlandesa do CIT) ao parlamento irlandês em outubro de 2014, através de uma eleição complementar. Logo antes da eleição houve uma gigante manifestação contra a taxa em Dublin, que ajudou impulsionar sua eleição.

Em um bairro de trabalhadores, Jobstown (que pertence à base eleitoral do mandato de Paul Murphy), houve em novembro de 2014 um protesto espontâneo contra a presença da vice-premier, Joan Burton, do partido trabalhista em um evento. Havia uma grande raiva, não só pela taxa da água, mas também contra o partido, visto como traidor ao participar no governo de Fine Gael, tradicional partido de direita, e por ajudar a implementar a política de austeridade. Como ministra da “Proteção Social”, Joan Burton estava diretamente responsável pelo corte no equivalente ao Bolsa Família e por isso o protesto era predominante de mulheres.

Paul Murphy e três vereadores do Partido Socialista de Dublin, Mick Murphy, Brian Leech and Kieran Mahon, se juntaram ao protesto em Jobstown. O protesto foi barulhento, mas pacífico. A polícia interviu brutalmente. Paul Murphy foi agredido pela polícia que arrancou sua camisa. O protesto tomou forma de um protesto sentado que bloqueou a saída do carro de Joan Burton. Depois os manifestantes acompanharam lentamente a saída do carro. No total, demorou 2,5 horas para o carro de Joan Burton sair.

Após o protesto, houve uma enorme campanha de calúnia contra os ativistas por parte da mídia, mirando especialmente o Paul Murphy e a AAA, alegando esses serem organizadores de um protesto violento. O papel da mídia não foi por acaso. O dono do maior grupo de mídia do país, Denis O’Brien, não só apoia o Fine Gael, como também é dono da empresa, GMC/Sierra, que ganhou o contrato do governo para instalar os hidrômetros! Um deputado do Fine Gael chegou a comparar a AAA com o Estado Islâmico!

[pullquote-right]A ira da classe dominante não ficou menor pelo fato de que a campanha de boicote levou a maioria da população a não pagar a taxa e o governo teve que suspender ela após as eleições 2016, quando cerca de 70% já não estava pagando a taxa.[/pullquote-right]

A ira da classe dominante não ficou menor pelo fato de que a campanha de boicote levou a maioria da população a não pagar a taxa e o governo teve que suspender ela após as eleições 2016, quando cerca de 70% já não estava pagando a taxa. A luta contra a taxa ajudou a impulsionar a eleição de seis deputados nas eleições de 2016 para a frente de esquerda entre o AAA o People Before Profit, incluindo a reeleição de Paul Murphy.

A resposta do estado tem sido lançar mão de uma perseguição a ativistas, especialmente, os ligados à ação de Jobstown. Em fevereiro de 2015, a polícia invadiu a casa de quase 30 ativistas, os levando para serem interrogados. Um, de 16 anos, foi abordado de madrugada por 9 policiais. Os interrogatórios levaram até 8 horas.

A acusação contra os ativistas é de “cárcere privado”, que tem como pena máxima a prisão perpétua. O jovem (que tinha 15 anos quando houve o protesto), foi condenado em setembro de 2016 em uma corte juvenil. O julgamento foi uma farsa. As evidências apresentadas se resumiram no fato de que ele tinha ficado sentado, e incentivado outros a sentar, e que ele tinha dito para a Jaon Burton “fale conosco”. Sua pena foi condicional, mas serve a um propósito sinistro de estabelecer que um protesto pacífico pode ser considerado “cárcere privada”.

No dia 24 de abril irá começar o primeiro julgamento dos outros 17 acusados, incluindo Paul Murphy. Se ele for condenado a mais de seis meses de prisão, ele perde o mandato e se torna inelegível por 10 anos.

Essa é uma tentativa descarada de criminalizar a esquerda e os protestos. Se passar as condenações, isso abre espalo para criminalizar qualquer tipo de piquete de greve, bloqueio de estrada e outros tipos de ações de desobediência civil.

A classe dominante tem razão em temer. A esquerda, por meio da aliança entre AAA (agora Solidariedade) e PBP tem cerca de 10% nas pesquisas, o dobro do partido trabalhista.

Há um espaço para a esquerda. Em 2015, o casamento LGBT igualitário passou no referendo com 62% a 38%. Nos bairros de trabalhadores, onde a resistência contra a taxa de água era maior, o voto pelo “sim” foi maior ainda. Isso mostra uma mudança importante em um país com uma influência tradicionalmente forte de uma igreja católica conservadora. Agora o Partido Socialista e a ROSA (pelos direitos Reprodutivos, contra Opressão, Sexismo e Austeridade), junto com o Solidariedade e o resto da esquerda está lutando pelo direito ao aborto.

Não podemos deixar passar essa criminalização dos movimentos sociais e da esquerda. No dia 23 de março haverá propostos pelo mundo inteiro. A campanha já conta com apoio de inúmeros movimentos e figuras como Noam Chomsky e Angela Davis. Apoie você também a campanha internacional exigindo a retirada das acusações contra os ativistas de Jobstown!

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