Greve de estudantes dá primeira resposta em massa nas ruas para o novo governo do PP
Semana passada nós publicamos um relato inicial da histórica greve geral dos estudantes espanhóis em 26 de outubro, chamada e organizada pelo Sindicado dos Estudantes (SE). Aqui nós publicamos uma entrevista com Ana Garcia, a secretária geral do SE, a qual nos dá mais detalhes dessa luta. A greve, organizada contra a austeridade na educação e os novos exames de “revalidação”, que o governo está impondo aos estudantes (mais informações aqui), será seguida por outra em 24 de novembro. Ana também é membro da Izquierda Revolucionaria, uma organização marxista na Espanha com a qual o Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT), e sua sessão espanhola, Socialismo Revolucionário, está em processo de estabelecimento de conexões políticas, de colaboração e solidariedade.
Parabéns pelo seu histórico sucesso em 26 de outubro! Você pode nos dar impressões sobre as dimensões do movimento?
Nós achamos que a força da greve combina com a seriedade e a brutalidade do ataque do governo sobre a educação pública. Entre estudantes secundaristas, a participação na greve foi de 90%. Entre estudantes dos anos finais do ensino médio, os quais são os que mais perdem a curto prazo com os ataques do governo, a participação foi ainda maior.
As manifestações matutinas foram fenomenais. Não somente as enormes marchas nas cidades maiores, Madrid e Barcelona (onde 50.000 e 60.000 marcharam, respectivamente), mas as mais de 70 marchas que ocorreram em todo o estado Espanhol, em cidades e vilas ambas grandes e pequenas. A força das manifestações e a participação na greve foi sólida e consistente em toda a região e parte do estado.
Em Bilbao, a maior cidade do País Basco, mais de 10.000 marcharam, na maior manifestação juvenil de qualquer tipo em muitos anos. Na Catalunha, enquanto a manifestação em Barcelona foi histórica, milhares também marcharam nas menores cidades. A enorme força das mobilizações no País Basco, Catalunha e Galicia, apesar da oposição de muitas das organizações estudantis nacionalistas, é especialmente significativo.
Por todo o resto do estado, da Galicia a Andalucia, de Murcia às Ilhas Canárias, essas foram as maiores manifestações vistas em anos, em geral desde as massivas “marchas por dignidade”, em março de 2014.
Em Madrid, onde o sindicato dos professores se uniu a nós na greve, mais de 60% dos professores não foram trabalhar, o que mostra o enorme potencial para movimentos de greve generalizados. Uma greve geral de toda a educação está firmemente em pauta. Vamos lutar com todas as nossas forças para trazer uma em 24 de novembro, e trabalhar energeticamente para este objetivo.
Na realidade, nossa greve simboliza a abertura de uma nova fase da luta de classes na Espanha. Um novo e explosivo cenário tem emergido seguindo um período onde as esperanças e expectativas foram concentradas sobre o plano eleitoral. A crise que tem explodido no PSOE e em uma menor extensão, Podemos, também são o testemunho disso. Nossa greve coincidiu com a histórica traição da liderança do PSOE, a qual entregou o poder ao partido de direita, PP.
Nós estamos orgulhosos por ter dado a primeira resposta em massa a essa traição, e servido como um aviso ao novo governo do Rajoy sobre o futuro que ele enfrenta, confrontado com os trabalhadores e a juventude na luta.
Você pode nos contar sobre a preparação da greve? Por que os professores se juntaram à greve somente em Madrid?
O mais recente ataque do governo à educação foi anunciado de maneira covarde, durante o período das férias de verão, a fim de tentar e tomar o movimento de surpresa e tomar vantagem da “passividade” do período de férias.
Nós (o Sindicato dos estudantes) imediatamente entendemos a magnitude desses ataques e a necessidade de uma resposta militante. Urgentemente nós colocamos uma proposta em discussão para a “Plataforma em Defesa da Educação Pública”, a qual é uma plataforma composta por sindicatos de professores, organizações de pais e estudantes que surgiram a partir do movimento de massa Marea Verde (Green tide) contra cortes na educação em 2012 – propondo uma greve geral no setor da educação.
A resposta dos líderes dos principais sindicatos de professores – CCOO, UGT e STEs – foi concordar conosco sobre a seriedade desses ataques e o perigo que eles representam. Contudo, eles recusaram chamar uma greve. Infelizmente, isso está de acordo com a linha dominante no movimento sindical em geral no momento. Apesar do discurso contra a austeridade, a maioria dos líderes sindicais, na prática, defendem uma política de paz social e desmobilização, o qual é o fator que mais beneficia a burguesia na situação atual.
Contudo, a organização de pais de toda a Espanha, CEAPA, teve uma abordagem diferente. Eles concordaram com nossa chamada para uma greve geral da educação e se juntaram à nossa chamada de greve para o sindicato dos professores se juntarem à greve. O suporte deles foi sem dúvida um importante fator no sucesso da greve.
Como sempre tem sido nos últimos anos, a recusa dos líderes sindicais em travar uma luta séria provocou um descontentamento generalizado. Como era nosso desejo, nossa greve se tornou um ponto de referência para aqueles ativistas do movimento sindical – não somente na educação – lutando por uma política mais militante. No fim, sob pressão generalizada, todos os professores de Madrid e sindicatos de educação chamaram uma greve. Em Andalucia, um dos maiores sindicatos de professores seguiu o exemplo. Muitos outros sindicatos declararam seu apoio, embora tenham encurtado a greve.
É claro, a mais importante preparação para a greve foi realizada pelos próprios estudantes. Para iniciar, nós organizamos a distribuição de centenas de milhares de folhetos informativos e posters, explicando o que estava em jogo na luta, e apresentando nossa proposta de greve. Com base nisso, nós organizamos assembleias e comitês de greve em centenas de escola.
Dezenas de milhares de estudantes participaram de centenas de assembleias que nós organizamos nas semanas anteriores à greve, e discutiram e votaram em massa para participar. Nós intervimos diretamente em aproximadamente 600 escolas rumo à greve. Durante o processo nós filiamos milhares de novos ativistas para a SE.
No dia após a greve, Rajoy anunciou uma suposta mudança nas revalidações. O que elas significam na realidade?
Na realidade, absolutamente nada. As declarações dele foram uma tentativa consciente de confundir e desmobilizar o movimento. O que ele atualmente disse foi que as revalidações poderiam entrar em vigor neste ano, mas não tem nenhuma “consequência legal”. Contudo, isso já estava planejado. O objetivo é trazer as revalidações e estabelecê-las como fato antes de dar a elas consequências legais e acadêmicas no próximo ano.
Nossa resposta é clara: nós demandamos a retirada imediata desse ataque ou os estudantes irão novamente esvaziar as salas de aula e preencher as ruas em 24 de novembro.
A campanha internacional de solidariedade e apoio do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores teve algum impacto na greve?
Teve um enorme impacto, especialmente no ânimo daqueles que lutavam para construir a greve. Ficamos maravilhados com a quantidade de mensagens de apoio e solidariedade, os vídeos, fotos e cartas que foram constantemente chegando de figuras públicas, sindicalistas, classe trabalhadora e de jovens militantes de todo o mundo.
Receber suporte e solidariedade de mais de 25 países tem um enorme impacto, e destaca o caráter internacional da nossa luta. Cortes e privatização na educação tem sido uma estratégia central do capitalismo ao redor do mundo, e os movimentos estudantis e de juventude que vemos são um reflexo disso. Ver jovens naqueles países, como China, Grã-Bretanha, Grécia, Itália, Quebec, onde os movimentos estudantis de massa nos inspiraram nos últimos anos, se mobilizar em solidariedade com nossa luta, foi uma experiência fantástica.
O caso de Hong Kong, onde o Consul atacou os membros da Ação Socialista (CWI in Hong Kong) que organizaram um protesto solidário, teve um impacto particular. Isso apareceu na TV nacional e nos principais jornais capitalistas, El Pais e El Mundo.
No dia da greve, uma representante do Socialist Students (Estudantes Socialistas) na Inglaterra e Wales, Claire Laker Mansfield, esteve presente em Madrid e dirigiu-se à manifestação. A lista de cidades e países ao redor do mundo que foram se juntando a nós no protesto naquele dia teve um impacto eletrizante na marcha.
Nós gostaríamos de agradecer o CIT e a todo mundo que participou desta campanha.
Você pode nos contar mais sobre o SE e sua história e papel?
SE é uma organização estudantil e de juventude, organizando estudantes em todos os níveis. Nós nos definimos como combativos, anticapitalistas e revolucionários. Não nos vemos como uma mera organização estudantil (o que, com certeza, nós somos), mas como uma organização de luta de classes estudantil, somos aqueles que realmente têm que lutar pelo direito do acesso à educação. Portanto, sempre vimos nossa luta ligada à classe trabalhadora contra o capitalismo.
SE foi fundada na década de 80 por membros da organização “Nuevo Claridad” (que depois se tornou El Militante e agora é Izquierda Revolucionaria). O SE nasceu no calor do movimento de massas da juventude contra as políticas do primeiro governo “socialista” conduzido por Felipe Gonzalez, em 1986. Este foi um governo em que as grandes esperanças existiram entre a classe trabalhadora e a juventude, mas que apesar disso implementou uma política antitrabalhador.
Foi um movimento de massas consistente de greves e ocupações em oposição à política educacional de Gonzalez. Isso teve importantes ganhos, incluindo a implementação da educação secundária gratuita, a construção de centenas de escolas públicas ao redor do país e o direito legal de greve para os estudantes. Muitas dessas conquistas permanecem funcionando e nós estamos lutando para defendê-las hoje.
O SE tem sido mantido como uma vibrante bandeira de luta e organização juvenil desde essa data.
Nós já estamos trabalhando para o sucesso da nossa próxima greve em 24 de novembro, construindo e conscientizando sobre isso. Nós precisamos consolidar o importante crescimento que estamos vendo durante a greve e trabalhar através de milhares novos ativistas para construir uma greve ainda maior e mais poderosa.
Não podemos garantir sucesso, ou superar o nível da nossa recente greve. Contudo, nós acreditamos que 26 de outubro, bem como a manifestação de massas que houve fora do parlamento contra a formação do novo governo, mostrou o desejo da massa de lutar contra esse novo governo que existe, especialmente, entre a classe trabalhadora juvenil.
Nós continuaremos lutando por uma massiva greve geral no campo da educação em 24 de novembro e também para contagiantes ações de protesto e greve de militantes se espalharem por todo o movimento dos trabalhadores e da esquerda no próximo período. A crise no PSOE e um giro à esquerda no discurso do líder do Podemos, Pablo Iglesias, ambos são elementos que expressam e somam à profunda radicalização e polarização nessa nova situação.
Este novo governo ilegítimo e corrupto terá a difícil tarefa em empurrar as medidas de austeridade demandadas pelo capitalismo, e a União Européia. Ele enfrentará uma classe trabalhadora em movimento com tendência para a esquerda que irá resistir ferozmente. A esquerda e o movimento dos trabalhadores devem se preparar urgentemente para um novo período de luta nas ruas e nos locais de trabalho. Eu sou membro da Izquierda Revolucionaria (Esquerda Revolucionária) porque eu acredito que, com o objetivo de acabar vitoriosamente com a austeridade, o movimento precisa estar munido com um programa e perspectiva socialista e revolucionária.
A experiência da crise até agora tem exposto a falência do cretinismo parlamentar e os apelos ingênuos de “compromisso” com a classe dominante. Na educação, como em todos os outros setores, nossos direitos somente podem ser realmente satisfeitos com uma parada total das políticas capitalistas. Somente políticas socialistas, como propriedade pública e controle democrático da riqueza e recursos podem garantir educação pública de qualidade para a classe trabalhadora.
Os movimentos de massa do próximo período colocam de volta em pauta a perspectiva de uma mudança revolucionária, que é o único caminho que pode oferecer um futuro decente para a nossa geração.