Grécia: Resposta da classe trabalhadora aos patrões!
No referendo de domingo na Grécia, a classe trabalhadora deu uma resposta poderosa às chantagens da Troika para que aceitassem mais austeridade. O referendo terminou com 61,5% de votos para o “não” às demandas da União Europeia e apenas 38,5% para o “sim”.
O voto pelo “sim” foi incentivado pela classe burguesa da Grécia, a mídia, a União Europeia e as classes dominantes de todo o mundo. Mas o “não” ganhou de lavada!
Os resultados finais mostram que, em todas as regiões do país, a grande maioria dos eleitores escolheram o “não”. De acordo com vários institutos de pesquisa, 85% dos jovens abaixo de 24 anos votaram “não”, 71% dos trabalhadores dos setores público e privado, 72% dos desempregados e 87,3% dos eleitores do Syriza, o partido do governo.
Além disso, 86,9% dos eleitores do KKE, o Partido Comunista Grego, também votaram no “não”. Isso tudo apesar da posição extremamente sectária do KKE, cuja liderança propôs boicotar o referendo. Uma fração significativa de pequenos empresários e outros elementos das classes médias também votaram no “não”.
A campanha pelo “sim” na mídia grega foi algo sem precedentes. Recebeu, sim, uma ajuda dos erros cometidos pelo governo do Syriza nas negociações com a Troika nas últimas semanas, que levaram ao fechamento dos bancos no país nos últimos dias. A mídia, a burguesia e a União Europeia aproveitaram essa situação para tentar amedrontar os trabalhadores, mas sem sucesso.
O primeiro-ministro Alexis Tsipras ganhou uma importante vitória com a imensa votação pelo “não”. Entretanto, a forma como Tsipras tem utilizado esse resultado, até agora, causa grande preocupação. A primeira medida do primeiro-ministro, após a divulgação dos resultados, foi pedir ao presidente Prokopis Pavlopoulos, do partido de direita Nova Democracia, pela convocação de um “Conselho Nacional” dos líderes de todos os partidos políticos (exceto os fascistas do Aurora Dourada) em nome da “Unidade Nacional”. Sua segunda medida foi pedir que Giannis Varoufakis, um dos principais nomes do governo, renunciasse do posto de Ministro das Finanças, com o objetivo de buscar acalmar os líderes da Troika. Essas atitudes não são o que as massas desejaram com o voto “não”, nem o que elas esperavam de Tsipras e do Syriza.
A Xekinima, seção do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores na Grécia, entendeu o significado histórico do referendo e fez uma imensa campanha pelo “não”. Nossos camaradas distribuíram mais de 100.000 panfletos em apenas cinco dias e venderam 2.700 cópias de uma edição especial do seu jornal, produzida especialmente para o referendo. A Xekinima também produziu dúzias de faixas e cartazes para as passeatas em favor do “não” e também conduziu uma grande campanha nas mídias sociais.
Abaixo, segue a tradução do editorial publicado na segunda-feira no site da Xekinima.
De um lado, trabalhadores, pobres, desempregados e a juventude. Do outro, a classe dominante da Grécia, junto da mídia burguesa e os representantes da Troika.
O lado do “sim” excedeu-se em todos os seus escrúpulos, reacionarismo, propaganda do medo, mentiras e cinismo. Eles intencionalmente quebraram todas as leis eleitorais da imprensa, declarando abertamente suas posições sem qualquer tentativa de imparcialidade na semana anterior ao referendo. As classes dominantes ao redor do mundo também juntaram esforços na tentativa de fazer os trabalhadores gregos votarem no “sim”.
Mas nós, os trabalhadores, os pobres e os desempregados, respondemos com uma mensagem fulminante: não temos medo de vocês nem vamos nos ajoelhar às suas demandas!
Um “não” de classe!
O “não” foi, sem dúvidas, um “não” classista. Um “não” dos trabalhadores, dos pobres e de setores das classes médias contra o “sim” dos ricos e capitalistas.
Foi um voto fulminante contra o “sim” do presidente Prokopis Pavlopoulos, contra os partidos de centro e direita, contra o “sim” dos ditos “especialistas” e tecnocratas.
Foi também um “não” contra o “sim” da mídia de direita e dos jornalistas que fazem o jogo dos capitalistas – como os jornalistas que foram flagrados chorando pelos cinegrafistas de um canal de TV da Áustria, desesperados com a possibilidade da Grécia sair da Zona do Euro. Entretanto, não vimos nenhum desses mesmos jornalistas chorando pelas vidas que foram destruídas na Grécia nos últimos anos de austeridade, nem pelas pessoas que trabalham de oito a dez horas por dia e só recebem o salário de três a cinco dessas horas, nem pelos aposentados que recebem míseros 300 ou 400 euros ao mês.
Um “não” internacionalista!
O “não” também foi um sinal de esperança para milhões de trabalhadores em toda a Europa que deram força para a luta na Grécia – e também se inspiram na nossa resistência. Muitos desses trabalhadores em outros países da Europa também estão em luta contra as suas classes dominantes. Nos três dias antes do referendo, ocorreram mais de 250 manifestações e atos em solidariedade ao povo grego por todo o continente. Simplesmente nunca houve antes uma mobilização dessas, na Grécia ou em qualquer outro lugar da Europa.
Mais uma vez, torna-se claro que existem duas Europas. Uma dos ricos, das multinacionais, dos bancos e da Troika. A outra é a dos trabalhadores, dos pobres, dos desempregados e da juventude.
O “não” dos gregos é uma grande mensagem de resistência para a Europa e para todo o mundo – assim como, nos últimos anos, a luta dos trabalhadores na Venezuela, Bolívia e outros países da América Latina também inspirou as lutas da esquerda internacionalmente. O voto no “não” é ligado a grandes acontecimentos políticos, como a radicalização da juventude e dos trabalhadores, que vêm acontecendo em diversos países nos últimos tempos, como na Espanha, na Irlanda e até mesmo nos Estados Unidos.
O “não” é uma vitória que abre novos processos e incentiva a continuidade das lutas dos trabalhadores na Europa e no mundo. O voto no “não” também auxiliará no processo de criação de novas ferramentas de luta.
Rechaço às concessões e ao “diálogo” com a Troika
A vitória do “não” também mostrou como é infundado o argumento de certos setores da esquerda reformista de que as políticas de “ruptura” com a Troika e a continuidade das ações de massas iriam “isolar” a esquerda mais radical do resto da sociedade. O referendo mostrou justamente o contrário.
O maior apoio que o Syriza já recebeu, seja antes ou depois de ter assumido o governo, foi durante o processo do referendo. Finalmente, abandonou as supostas “negociações” e enfrentou a Troika. Isso será lembrado por muito tempo.
Mas o governo do Syriza também precisa tomar lições dos resultados de domingo. Antes do referendo, o governo já havia feito concessões inaceitáveis à Troika. Por exemplo, o Syriza aceitou cortes orçamentários que totalizam mais de 8 bilhões de euros pelos próximos 18 meses, como condição para o recebimento de um novo pacote de “ajuda” da Troika.
Recuo após recuo, o governo do Syriza estava encurralado e, no último momento, percebeu que a verdadeira intenção da Troika e dos capitalistas era, simplesmente, humilhar o governo e causar sua queda. Apenas aí o Syriza buscou lançar a questão ao voto popular.
E, claro, os trabalhadores da Grécia defenderam o governo do Syriza nessa batalha. E de uma maneira que ninguém – nem os líderes da Troika, nem o governo grego – poderia ter imaginado.
Sem mais ilusões na Zona do Euro dos capitalistas!
Após essa vitória história, o governo do Syriza irá atender às expectativas do povo grego? Ou irá continuar a ter ilusões na suposta “ajuda” da Troika? Irá ficar ao lado daqueles que votaram no “não”, ou irá aceitar um novo pacote de austeridade (ainda que mais brando) para continuar na Zona do Euro?
A verdade é que não é possível, dentro dos limites do sistema capitalista e da Zona do Euro, o Syriza ser totalmente coerente com suas promessas.
Nos dias antes do referendo, os capitalistas gregos e europeus mostraram a todos seu caráter baixo, cínico, sem dó. Será que a liderança do Syriza realmente espera que esses capitalistas irão, de repente, mudar e se sensibilizar com a pobreza do povo grego?
Será que Tsipras acredita que, ao convocar um “Conselho Nacional” com os líderes dos partidos burgueses e ao demitir Varoufakis (de acordo com os desejos da Troika, mesmo após a vitória do “não”), conseguirá “amolecer” os capitalistas?
Não, os líderes da Troika não se darão por satisfeitos! Com tais atitudes, Tsipras só conseguirá confundir e decepcionar o povo grego que votou em massa no “não”. Esses trabalhadores e jovens votaram contra os credores e contra a austeridade – não a favor do euro, como a classe dominante e certos setores do Syriza defendem.
Se o governo grego buscar um novo acordo com a Troika, um novo acordo que satisfaça às demandas dos capitalistas, ele irá dar as costas aos desejos do povo grego. Eles não têm esse direito!
A Xekinima faz o apelo ao Syriza para que este seja consistente com suas promessas eleitorais, que quebre com as políticas de austeridade e inicie a adoção de um programa socialista.
Isso inclui a recusa em pagar as dívidas, controle de saída de capitais, nacionalização do comércio exterior, dos bancos e dos setores-chave da economia sob controle e gestão democrática dos trabalhadores. Pelo fim da austeridade, pelo pleno emprego com salário digno, além de educação, saúde e políticas sociais gratuitas e de qualidade.
A economia deve ser planejada para atender às necessidades do povo, não dos capitalistas. A reorganização da sociedade sob o socialismo tornaria possível o fim das crises econômicas, da pobreza, do desemprego e da emigração forçada.
Para atingir tais objetivos, é necessário construir ferramentas políticas independentes, tanto dentro quanto fora do Syriza. Partindo do exemplo das enormes manifestações pelo “não” nos últimos dias, é necessário continuar, aprofundar e expandir a luta da juventude e da classe trabalhadora, contra a Troika e em defesa de uma alternativa socialista. Isso passa pela construção de assembleias populares e comitês de luta nos bairros e locais de trabalho.
Esse é o nosso apelo aos trabalhadores e jovens de toda a Europa, contra a austeridade e pelo socialismo!