11 dias de motins pela França

A imagem cultivada pelo Establishment de “igualdade para todos” está em chamas

Os dias de motins pela França sacudiram profundamente o establishment francês e a elite política. Uma efusão de raiva incontrolável cruzou a França, até agora, por 11 dias seguidos, nos quais carros, delegacias, bancos foram incendiados em bairros pobres nas cidades.

Semana passada, Jacques Chirac, o Presidente francês, chamou a restauração da ordem pública. Porém, sua chamada, como outros apelos do establishment político, parece não ter tido nenhum efeito para acalmar. Desde 27 de outubro, 34 policiais foram feridos, quase 4.700 veículos foram destruídos e 1.200 pessoas foram presas.

Jovens mortos

A mídia francesa e internacional tem prestado bastante atenção nos desenvolvimentos na França. Infelizmente, a maioria desses órgãos, consciente ou inconscientemente, jogam o papel de obscurecer os fatos que iniciaram a explosão de violência.

Há evidências conclusivas de que a polícia é responsável diretamente pelas mortes dos dois adolescentes em Clichy-sous-Bois. A polícia perseguiu três adolescentes quando eles tentaram fugir de uma blitz policial de identificação, na noite de 27 de outubro. Num anseio desesperado para escapar da polícia, os três jovens, Muttin, Bouna and Zyed, pularam o muro de uma subestação de eletricidade. Dois deles, Bouna Traore e Zyed Benna, ficaram presos no gerador. Apenas Muttin saiu, mas sofrendo graves queimaduras de um lado do seu corpo. Depois mais à noite, quando ele e outras pessoas do local voltaram para a estação elétrica, eles acharam os outros dois jovens mortos.

Blitz policiais ocorrem diariamente nos bairros mais pobres na grandes cidades francesas, e são parte de um campanha constante de intimidação, geralmente acompanhada de racismo, pelas forças especiais da polícia, a CRS. Ali Meziane, um vereador em Clichy-sous-Bois, comentou recentemente sobre os dois jovens mortos, “Vocês devem responder a questão, por que a polícia os perseguiu, levando-os para o muro. E a polícia nunca contatou a [a companhia de eletricidade] para informá-los do que aconteceu”.

Na manhã depois da morte dos dois jovens, o ministro do interior da França, Nicolas Sarkozy, um rival do atual Primeiro Ministro Villepin na corrida para se tornar o candidato da direita para as eleições presidenciais de 2007, declarou que os adolescentes estavam correndo pois eles estavam envolvidos num roubo e que a polícia não poderia ser responsabilizada. Mesmo quando ficou claro que os três adolescentes não tinham nada a ver com o roubo, o Ministro do Interior recusou-se a recuar em seus comentários.

As mortes estouraram um dia de motins em Clichy, que foi seguida por vários dias de violência na área. Quando a CRS, a tropa de choque, foi para outra parte de Clichy, no domingo dia 30, eles iniciaram a violência nessa área anteriormente intocada pelos motins. A CRS lançou gás lacrimogêneo na direção de uma mesquita, quando religiosos estavam no local, e uma das bombas explodiu dentro da mesquita.

Pobreza, repressão e racismo

Durante a semana passada, os motins se espalharam pelas rebarbas de Paris para outras cidades, como Lille, Evreux, Rouen, Strasbourg, Rennes, Nantes, Toulouse, Marseille, Cannes e Nice. No total, 300 localidades foram atingidas por motins. Todas essas diferentes áreas têm bairros pobres como Clichy-sous-Bois. São os guetos dos dias atuais, onde metade dos habitantes tem menos de 20 anos, o desemprego está em cerca 40%, e com blitz de identificação e enfrentamento policial diários. Esses são lugares onde os mais pobres ‘sujeitos da República’ estão amontoados nos guetos e vítimas do desemprego, racismo, pobreza e dependência da assistência governamental e benefícios familiares. As autoridades tentam manter os residentes em ordem pelo forte contingente da polícia.

Enquanto grandes companhias na França, como em outros lugares na Europa, anunciaram lucros recordes nos últimos anos, a classe trabalhadora e os pobres da França pagaram por isso com uma maior ‘flexibilidade’ do trabalho, cortes nos serviços públicos e mais desemprego. O desemprego oficial fica acima de 10%, o desemprego entre jovens (abaixo de 25 anos) é de 23%, e para jovens nascidos na França com descendência árabe o quadro é de ao menos 27%.

Isso não surpreende um dos insurgentes em Aulnay-sous-Bois que disse recentemente a um jornalista: “Empregos? Há poucos no aeroporto e na fábrica da Citroën, mas não vale nem à pena tentar se seu nome é Mohammed ou Abdelaoui”.

As demandas dos manifestantes

Em geral, os jovens envolvidos nos motins não expressaram um conjunto de demandas políticas. Isso não significa que esses motins não têm caráter político. Desde o início das batalhas nas ruas, um dos sentimentos mais comuns presentes em todas as cidades afetadas é que o Ministro do Interior de direita, Nicolas Sarkozy, deveria renunciar imediatamente. Sarkozy é o representante mais verbal da direita neoliberal francesa. Ele gosta de se destacar com assuntos de “lei e ordem”. Seus comentários sobre os últimos dias incluíram chamar os manifestantes de ‘vagabundos’ e ‘escória’, culpando pela violência os “agentes provocadores”, e afirmando que os motins estão sendo organizados por “barões da droga”, ou “islâmicos radicais”. Dois dias antes dos motins começarem, em 25 de outubro, Sarkozy pediu para que “as vizinhanças onde se esconde o crime fossem limpas com lavadora de alta pressão” e descreveu os jovens que protestaram contra a sua visita ao subúrbio parisiense de Argenteuil como “gangrena” e “plebe”. Sarkozy tentou promover a imagem a junção de ‘uma juventude fora do controle’, ‘elementos criminosos’ e ‘islâmicos’ tomaram conta dos subúrbios pobres.

Alguns desses sentimentos ecoam na imprensa de direita na Europa, como na Inglaterra. Indo na onda da ‘guerra contra o terror’, a mídia usa o que está acontecendo na França para avançar nas suas tentativas infindáveis de inculcar preconceitos contra os muçulmanos e promover o racismo, sugerindo que o que ocorre na França está de certa maneira conectado aos terrorismo da Al Qeada.

Divisão de classe

Apesar de um elevado número de pessoas vivendo nas áreas pobres da França serem de descendência árabe, africana ou caribenha, isso não significa que esses eventos podem ser reduzidos a motins impulsionados por divisões étnicas ou religiosas. Na verdade, no conjunto, entre a juventude oprimida, há um grande sentimento de unidade contra a polícia e seus chefes políticos. Essa juventude reage contra o tratamento de cidadão de segunda categoria, sendo vítimas constantes do racismo estabelecido e cotidiano, e não vêem futuro para si.

A divisão entre os ‘que têm’ e os ‘que não têm’ na sociedade francesa é muito profunda. Quando Gérard Gaudron, o prefeito de direita de Aulnay-sous-Bois, organizou uma marcha local para pedir calma, ele conseguiu aumentar a divisão entre os habitantes das áreas mais influentes e aqueles que vivem nas regiões pobres, berrando a ‘Marseillaise’, o hino nacional francês, entre falas, no início da manifestação. Os habitantes das áreas pobres, entre eles muitos imigrantes ou pessoas descendentes de imigrantes, viram a ação do prefeito, corretamente, como um insulto. “Isso manda uma mensagem que todos os insurgentes são imigrantes”, disse Ben Amar, um morador local, adicionando, “Quem construiu o metrô, quem cavou o túnel do Canal da Mancha? Nós fizemos. Para nós, os imigrantes, os que são estranhos a nós são os que estão no governo.”

Um dos jovens que participou dos motins em Aulnay-sous-Bois, num bairro parisiense de Seine-Saint-Denis, expressou as mesmas opiniões aos jornalistas quando ele foi questionado de como se sentia sendo francês. “Eu sou parte do Mille-Mille [um conjunto habitacional em Aulnay] e Seine-Saint-Denis, mas eu não sou parte da França de Sarkozy, ou mesmo a França dos nossos prefeitos, os quais nunca vemos.”

Isso aponta, de um lado, para o aprofundamento das divisões de classe na sociedade francesa, enquanto, de outro lado, num grito de desespero, um sentimento de desamparo nas áreas mais depravadas, quando encaram os ataques neoliberais violentos e os cortes na educação, nas assistências sociais e nos serviços públicos.

O governo Chirac está determinado a não ceder à pressão das recentes ações sindicais dos trabalhadores, incluindo greves, e sim alavancar seu programa de cortes nos gastos do governo, privatizando serviços públicos, e promovendo ‘flexibilidade’ no mercado de trabalho.

É claro que motins, queimar carros e destruir o que sobrou da infraestrutura local não é a solução. Habitantes das áreas pobres são as primeiras vítimas do sistema capitalista e das políticas do governo e não devem sofrer ainda mais. O mesmo vale para os motoristas de ônibus e os trabalhadores no serviço de emergência, incluindo pessoal de resgate e bombeiros, atingidos pelos motins.

Não é queimando carros, lojas ou bancos que Sarkozy e as políticas do governo serão freadas. Motins são atos de desespero e destruição que atingem principalmente as áreas da classe trabalhadora e não são uma luta efetiva contra Sarkozy e o neoliberalismo. Pelo contrário, os motins são usados por Sarkozy e pelo governo para aumentar a repressão, incluindo o toque de recolher em algumas áreas, e a tentativa de introduzir uma legislação mais repressiva.

Os trabalhadores e a juventude precisam de uma resposta coletiva e politicamente organizada às políticas de Sarkozy, à repressão política e à discriminação, e aos principais partidos políticos, em âmbito nacional e local. O UMP (o partido do presidente Chirac) liderou o governo de coalizão que aplica a pior destruição social desde o pós-guerra. Os ataques às condições de trabalho, ao padrão de vida e ao estado de bem-estar social começaram com o governo ‘Gauche Plurielle’ (esquerda pluralista) do PS (Partido Socialista), do PCF (Partido Comunista) e dos Verdes. Para acabar com essa destruição, os trabalhadores precisam confiar na sua força coletiva e em sua organização independente.

Os trabalhadores franceses organizaram batalhas tremendas para barrar essa ofensiva brutal dos patrões. No entanto está claro que essa batalha não pode ser vencida na frente sindical apenas. É também necessária uma resposta política; a formação de um partido combatente da classe trabalhadora, que defenda os interesses dos pobres contra o capitalismo, e que lute por uma sociedade democrática e socialista.

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