Portugal: A Greve Geral foi um aviso do que está por vir

No passado dia 24 de novembro de 2011 deu-se a primeira Greve Geral convocada pelas centrais sindicais, sindicatos independentes, com o apoio Plataforma 15 de Outubro (15-O) e muitos outros movimentos sociais, após o acordo com a Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia).

Esta greve foi importante em vários sentidos. Antes de tudo por ter acontecido fruto da vontade inequívoca dos trabalhadores (demonstrado através dos sindicatos) como também de muitos outros ativistas (através de outros movimentos sociais, com especial realce para a manifestação internacional de 15 de Outubro) de lutar contra as políticas da Troika levadas a cabo pelo governo do Partido Social Democrata/Partido Popular com o aval do Partido Socialista. As medidas draconianas que muitas vezes até vão para além do acordado com a Troika, fizeram-se sentir em 2011, demonstrando o carácter predatório do sistema capitalista nas mãos de banqueiros e especuladores, que insistem em políticas recessivas que significam apenas mais austeridade para quem é dependente do trabalho.

O aumento do Imposto do Valor Acrescentado(todos os produtos vendidos tem esse imposto) em serviços básicos como a luz e o gás, aumento das taxas moderadoras, o aumento generalizado do preço dos transportes, são alguns exemplos. Mas o pior ainda está para vir, o ano de 2012 será de uma violência tal para a economia das famílias e dos pequenos comerciantes/agricultores que as instituições tradicionais de caridade já avisaram que não têm, e não terão, condições de auxiliar face os crescentes pedidos de ajuda. O corte do subsídio de Natal e de férias é a medida mais odiada por parte da população. Mas haverão outras, como a imposição de meia hora por dia de trabalho não remunerado (17 dias por ano), ou seja, 17 dias de trabalho escravo.

A luta, tal como vemos na Grécia, irá intensificar-se, a perda de qualidade de vida sobre as famílias é cada vez mais tangível. O salário médio em Portugal não acompanha a inflação, o aumento de impostos e taxas por parte do Governo. Mesmo as famílias e empresas que se socorriam de empréstimos bancários para pagar dívidas antigas encontram cada vez mais dificuldade para o fazer, uma vez que a banca restringe o acesso ao crédito. O sistema capitalista mostra a sua verdadeira face após a ilusão de crédito fácil e injeção de fundos europeus durante a década de 1990 que estima-se ter estado na casa dos 8 milhões de euros/dia.

A greve geral foi inovadora em dois sentidos, por um lado, foi a primeira a ser convocada em conjunto com uma manifestação a ser realizada no mesmo dia. Dezenas de milhares de manifestantes das mais diversas orientações (trabalhadores, estudantes e outros ativistas) compareceram ao chamado.

Importante também foi o fato da adesão à Greve Geral ter sido a maior da recente história de Portugal (depois da Revolução dos Cravos 1974, onde ocorreu a queda de Caetano ditador fascista depois do ditador Salazar) e que pela 1ª vez foram convocadas manifestações conjuntas entre movimento sindical e o movimento social, provando que os exemplos de outros países como a Grécia (onde as greves gerais são sempre acompanhadas por longas manifestações) chegaram a Portugal, confirmando que há condições para se realizarem protestos de massas nas ruas em dias de greve geral.

Nós do Socialismo Revolucionário (Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores-CIT em Portugal) consideramos esses pontos como cruciais na evolução da luta popular em Portugal. A proposta de manifestações unificadas com o movimento social em dias de greve geral, defendida por nós no interior do movimento sindical durante anos provou-se como correta, demonstrando de forma clara o envolvimento de muitos setores da sociedade neste protesto, bem como, que haverá uma escalada na luta, e que esta deverá ser feita nas ruas de forma ativa e militante.

O papel do movimento dos “indignados” é crucial, no sentido que ao mesmo tempo que temos uma nova geração de pessoas que começam a envolver-se na luta, há também o componente de união, participar na greve e na manifestação mostra aos sindicatos que a população está com os trabalhadores e que a cooperação entre todos os setores da classe trabalhadora é necessária se quisermos realmente romper com o sistema capitalista.

Por exemplo, a participação de trabalhadores que não eram da Companhia de ônibus pública (Carris) nos piquetes de greve desta empresa em Lisboa tem uma componente de união de classe que obviamente terá efeitos no futuro próximo. Nos Correios (CTT) foi visível uma evolução na luta dos trabalhadores, pois em 2010 o piquete era essencialmente composto por ativistas sindicais e por nós do CIT, e isso teve um efeito positivo na consciência em 2011, onde muitos trabalhadores estiveram presentes a defender o seu piquete, havendo uma mobilização de base clara. No setor da limpeza municipal apenas 11 dos 118 camiões foram postos em circulação durante a greve geral. A adesão dos bombeiros foi de 94% ainda na sequência da concentração realizada meses antes, e na qual estivemos presentes, denunciando os cortes e falta de condições de operacionalidade dos serviços.

O relatório de greve da central sindical Confederação Geral dos Trabalhadores CGTP Portugueses é extenso e demonstra os efeitos no setor público e privado. O Governo por seu lado diz que a greve teve uma participação de 3,8%, fato esse, que a própria União Geral Trabalhadores(central sindical da direita), normalmente mais conservadora vem desmentir de forma clara, ao considerar esses dados como “irreais”.

Por outro lado, esses acontecimentos devem ser analisados numa perspectiva crítica, o tempo decorrido entre o início da manifestação da CGTP e dos indignados foi excessivo, o que levou a um afastamento entre as duas manifestações, quando o desejável seria a união das duas em um só bloco. Apesar da manifestação das centrais sindicais ter desmobilizado pouco depois da chegada do movimento social a S. Bento, muitos trabalhadores permaneceram no local, é esse o tipo de articulação e pontes que devem ser incentivadas para a escalada das lutas e a criação de uma alternativa genuína dos trabalhadores.

Nos piquetes de Greve em que nós do Socialismo Revolucionário-CIT estivemos presentes (Serviço de limpeza municipal, Carris, CTT e a companhia de Rádio e Televisão Portuguesa pública) podemos observar que alguns tiveram melhores resultados que outros. De qualquer forma a presença de trabalhadores e simpatizantes nos piquetes de Greve ficou aquém do desejável e necessário. Para tal cremos ser imperativo um maior envolvimento de base dos sindicatos na elaboração da greve, bem como uma cooperação crescente com grupos e indivíduos que não façam parte das empresas de forma a atrair desempregados, trabalhadores precarizados, estudantes, reformados que queiram contribuir na luta. Acima de tudo faltam propostas e práticas socialistas que dinamizem o efeito da greve, e que ao mesmo tempo confiram um sentido de continuidade à mesma.

Na concentração em frente à Assembléia da República, nós do SR-CIT, fomos o único movimento de esquerda a ter uma banca com divulgação de nosso material (jornal e panfletos), esta foi também uma inovação face à greve de 2010, mas também foi importante na divulgação dos textos do CIT e no estabelecimento de novos contatos.

Enquanto isso, nos meios de comunicação o destaque foi dado aos desacatos nas ruas entre alguns manifestantes (claramente minoritátios) e a polícia, a atuação da polícia de choque e também à paisana parece ser vista como normal pela hierarquia da Policia Segurança Pública, uma vez que estes foram de longe os principais meios de repressão utilizados, tanto nos piquetes como na manifestação em si. A queda da cerca que protege as escadarias da Assembléia da República foi ao mesmo tempo um sinal da vontade dos manifestantes em tomar para si as escadarias para realização da Assembléia Popular, mas ao mesmo tempo demonstrou a desorganização existente entre os muitos e pequenos grupos presentes, a presença de agentes policiais não identificados que provocaram o início dos desacatos só aumentou a confusão.

O downgrade da banca nacional para a classificação de “lixo” e a divulgação do pagamento de juros no valor de 34.400 mil milhões (num total emprestado de 78 mil milhões) vem clarificar, para quem ainda tiver dúvidas, de que a economica no molde capitalista não tem nada para oferecer de novo, do que já foi oferecido à Grécia, à Irlanda e até mesmo à Islândia (que em Portugal é tido como um exemplo a seguir por uma parte da esquerda organizada e por alguns indignados).

A espiral de pobreza irá se acentuar. No processo de agudização das condições de vida e da luta de classes, cada vez mais ativistas procurarão alternativas. As declarações de setores patronais (Associação Industrial do Minho) e de dirigentes de partidos capitalistas (PSD e PP, especialmente este último) tentando criminalizar a resistência em nome dos “superiores interesses da nação”, podem – a não se afirmar uma alternativa independente dos trabalhadores – desenvolver uma corrente nacionalista potencialmente perigosa, que entre em confronto aberto com o movimento sindical e o movimento social.

É também por isso que a defesa aberta da Democracia Socialista – apropriação pública dos bancos e setores financeiros e dos setores chaves da economia, o planeamento, gestão e controle democrático da economia por parte dos trabalhadores e consumidores e das suas organizações – é essencial! O Socialismo Revolucionário tem como objetivo a curto prazo, reforçar a sua presença no movimento sindical, contribuindo para um sindicalismo combativo, de base e democrático, e participar e dinamizar ações da juventude, nomeadamente no âmbito das Associações de Estudantes das Universidades e Secundárias.

A divulgação do Socialismo e dos seus preceitos base são essenciais, uma vez que assistimos por uma parte dos novos ativistas, a uma tendência em encontrar uma solução que “não seja nem de esquerda nem de direita”, mas que na prática cai no que já foi e é construído pelos marxistas desde o século XIX. Também assumimos a tarefa de dinamizar e apoiar ações de solidariedade internacional, que realcem as lutas comuns que os trabalhadores e jovens na Europa e no Mundo travam, e promovam a consciência de que uma alternativa ao sistema atual só é possível e sustentável à escala global.

Em suma, difundir as ideias e métodos do CIT em Portugal, bem como dinamizar e estabelecer ligações entre os diversos movimentos sociais existentes são tarefas que se impõem, e que entendemos ser cruciais nesta etapa da luta de classes em Portugal e no Mundo. 

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