França: Rebeldia social contra o neoliberalismo

Levante nos subúrbios franceses mostra potencial explosivo da globalização e do neoliberalismo

A realidade brutal de décadas de exclusão social, racismo e desemprego levou a uma explosão nos bairros de imigrantes das cidades francesas. Na maior revolta social em décadas, foram incendiados quase 9 mil carros e centenas de prédios durante semanas de motins que se espalharam pelo país inteiro. A reposta do governo foi truculência, tropa de choque, 2.700 presos e estado de emergência – com o uso de uma lei de 1955 implementada durante a guerra colonial contra a Argélia.

Gerações de imigrantes, que mesmo sendo da segunda ou terceira geração nascida na França, são tratados como estrangeiros, cidadãos de segunda classe. Muitos deles vivendo na miséria em um dos países mais ricos do mundo.

No começo de setembro, em uma única semana, morreram 40 imigrantes em incêndios em prédios em Paris. Até a moradia é um risco de morte para dezenas de milhares de imigrantes que são forçados a morar em prédios precários. Nos bairros pobres das cidades francesas – verdadeiros guetos de imigrantes – o desemprego chega a 40%. Entre jovens, é ainda maior.

Como disseram dois jovens numa entrevista: “Empregos? Há poucos no aeroporto e na fábrica da Citroën, mas não vale nem a pena tentar se seu nome é Mohammed ou Abdelaoui”.

O racismo humilhante é parte do dia-a-dia desses jovens. Eles sabem que contra a truculência da polícia eles não tem recursos. Batidas policiais ocorrem diariamente nos bairros mais pobres nas grandes cidades francesas, e são parte de uma campanha constante de intimidação, geralmente acompanhada de racismo pelas forças especiais da polícia, a CRS (tropa de choque).

Morreram fugindo da polícia racista

Foi por isso que os três jovens Muttin, Bouna and Zyed, fugiram de uma batida policial de identificação na noite de 27 de outubro em Clichy-sous-Bois, subúrbio de Paris. Nessa fuga eles pularam o muro de uma sub­estação de eletricidade. Dois deles, Bouna Traore e Zyed Benna, ficaram presos no transformador. Apenas Muttin saiu, mas sofrendo graves queimaduras de um lado do seu corpo. Mais à noite, quando ele e outras pessoas do local voltaram para a estação elétrica, eles acharam os outros dois jovens mortos.

Na manhã depois da morte dos dois jovens, o ministro do interior da França, Nicolas Sarkozy, um rival do atual Primeiro Ministro Villepin na corrida para se tornar o candidato da direita para as eleições presidenciais de 2007, declarou que os adolescentes estavam correndo pois eles estavam envolvidos num roubo e que a polícia não poderia ser responsabilizada. Mesmo quando ficou claro que os três adolescentes não tinham nada a ver com o roubo, o Ministro do Interior recusou-se a recuar em seus comentários.

As mortes desencadearam uma onda de motins que se espalhou pelo país inteiro. Em geral, os jovens envolvidos nos motins não levantaram demandas políticas. Isso não significa que esses motins não têm caráter político. Desde o início das batalhas nas ruas, um dos sentimentos mais comuns presentes em todas as cidades afetadas é que Nicolas Sarkozy deveria renunciar imediatamente.

Sarkozy

Sarkozy é o representante mais explícito da direita neoliberal francesa. Ele gosta de se destacar com assuntos de ”lei e ordem”. Seus comentários sobre os últimos dias incluíram chamar os manifestantes de ‘vagabundos’ e ‘escória’, culpando pela violência os “agentes provocadores”, e afirmando que os motins estão sendo organizados por “barões da droga”, ou “islâmicos radicais”.

Dois dias antes dos motins começarem, em 25 de outubro, Sarkozy pediu para que “as vizi­nhanças onde se esconde o crime fossem limpas com lava-jato” e descreveu os jovens que protestaram contra a sua visita ao subúrbio parisiense de Argenteuil como “gangrena” e “plebe”.

Sarkozy não é um caso isolado. O líder da bancada parlamentar do UMP (partido do presidente Chirac), Bernard Acco­yer, disse numa entrevista no dia 16 de novembro que uma das razões dos motins era ”seguramen­te a poligamia” entre imigrantes!

Alguns desses sentimentos ecoam na imprensa de direita na Europa. Indo na onda da ‘guerra contra o terror’, a mídia usa o que está acontecendo na França para avançar nas suas tentativas infindáveis de inculcar preconceitos contra os muçulmanos e promover o racismo, sugerindo que o que ocorre na França está de certa maneira conectado ao ter­rorismo da Al Qeada.

Só a luta conjunta dos trabalhadores pode barrar o racismo

O capitalismo francês sempre se utilizou de uma ideologia racista. Durante a era colonial isso era justificativa para opressão e exploração brutal. Mas o colonialismo continua a existir, até dentro da França, com os guetos de imigrantes, que são usados como mão de obra barata, forçados a aceitar as piores condições. A divisão da classe trabalhadora com preconceito e racismo é uma maneira de enfraquecer a resistência ao neoliberalismo e é uma tática consciente da direita.

Por isso, foi errada a tática da parte da esquerda de chamar o voto em Chirac nas eleições presidenciais de 2002, quando ele disputava o segundo turno com Jean-Marie Le Pen, líder Frente Nacional, partido racista de extrema-direita. A política neoliberal do Chirac de nenhuma maneira poderia barrar o racismo, ao contrário. Só uma luta conjunta do movimento dos trabalhadores, unindo trabalhadores franceses e imigrantes contra a política neoliberal, pode derrotar o racismo.

Chirac e até Sarkozy tentam mostrar sensibilidade para os problemas sociais dos bairros de imigrantes. Chirac promete a criação de empregos e Sarkozy até fala da necessidade de ter uma ”discriminação positiva” para aliviar a exclusão social dos imigrantes.

Mas a realidade implementada é a oposta. O estado de emer­gência foi prolongado por mais três meses. Sarkozy já decidiu que 10 imigrantes vão ser expulsos do país e promete expulsão de todos ”estrangeiros” envolvidos em motins. O prefeito Georges Tron de um dos subúrbios de Paris, Draveil, decidiu barrar a bolsa merenda escolar e bolsa creche de famílias com jovens que participaram nos motins e incêndios – isso quer dizer penalizar crianças pré-escolares pelos problemas sociais!

A retórica de ”mais empregos” é totalmente vazia. Chirac fala em criar grupos voluntários para ajudar a dar educação para jovens imigrantes e faz um apelo às empresas para que não discriminem pessoas com nomes estrangeiros. O que não garante nada. Por outro lado o governo de Chirac tem lançado novos ataques neoliberais. Um das medidas passadas recentemente foi a introdução de um novo tipo de regime de trabalho para pequenas empresas (com menos de 20 trabalhadores) que permite a demissão sem causa justa causa, com apenas dois dias de aviso prévio! A política de privatizações continua e também amea­ça milhares de empregos. No dia 21 de novembro grande parte do sistema ferroviário foi paralisado por uma greve contra a privatização da empresa ferroviária estatal.

É claro que motins, queimar carros e destruir o que sobrou da infraestrutura local não é a solução. Habitantes das áreas pobres são as primeiras vítimas do sistema capitalista e das políticas do governo e não devem sofrer ainda mais. O mesmo vale para os motoristas de ônibus e os trabalhadores no serviço de emergência, incluindo pessoal de resgate e bombeiros, atingidos pelos motins.

Motins são atos de desespero e destruição que atingem principalmente as áreas da classe trabalhadora e não são uma luta efetiva contra Sarkozy e o neoliberalismo. Pelo contrário, os motins são usados por Sarkozy e pelo governo para aumentar a repressão, incluindo o toque de recolher em algumas áreas, e a tentativa de introduzir uma legislação mais repressiva.

Alternativa política

Os trabalhadores e a juventude precisam de uma resposta coletiva e politicamente organizada às políticas de Sarkozy, à repressão política e à discriminação, e aos principais partidos políticos, em âmbito nacional e local.

O UMP (o partido do presidente Chirac) liderou o governo de coalizão que aplica a pior destruição social desde o pós-guerra. Os ataques às condições de trabalho, ao padrão de vida e ao estado de bem-estar social começaram com o governo ‘Gauche Plurielle’ (esquerda plural) do PS (Partido Socialista), do PCF (Partido Comunista) e dos Verdes. Para acabar com essa destruição, os trabalhadores precisam confiar na sua força coletiva e em sua organização independente.

Os trabalhadores franceses organizaram batalhas tremendas para barrar essa ofensiva brutal dos patrões. No entanto está claro que essa batalha não pode ser vencida na frente sindical apenas. É também necessária uma resposta política; a formação de um partido combatente da classe trabalhadora, que defenda os interesses dos pobres contra o capitalismo, e que lute por uma sociedade democrática e socialista. 

Você pode gostar...