China: Nova “superpotência” ou nova revolução?

Até recentemente a China era vista como a principal salvação econômica para o capitalismo mundial. Investimento estrangeiro massivo, exploração cruel de uma farta mão-de-obra barata – o salário mínimo em Guangdong, é de US$22,00 por semana (0,13 cents por hora) – permitem uma fonte sem fim de bens de consumo baratos que é engolida, principalmente, pelos consumidores dos EUA.

Os consumidores ocidentais, por sua vez, são capazes de comprar estes bens chineses porque eles estão mergulhados em empréstimos baratos – os quais são escorados por uma bolha imobiliária instável que ameaça entrar em colapso a qualquer momento. Isto não impediu Bill Gates – chefe da Microsoft e o mais rico capitalista do mundo – de elogiar os líderes da China afirmando: “É uma forma de capitalismo novinha em folha e como um consumidor é a melhor coisa que já aconteceu”.

Gates está, por isso, emprestando o apoio de sua companhia para o regime de Pequim esmagar uma crescente revolta de massas na China. Palavras e frases perigosas como “liberdade” e “democracia” estão por ser removidas da internet na China com um software que previne uso dessas e outras palavras de caráter político em páginas da rede de usar estas e outras palavras de caráter político em suas páginas da rede.

A palavra “manifestação” é tabu, mas “anarquia” e “revolução” são aceitáveis. Bloggers (pessoas que tem páginas na Internet) podem denunciar Tony Blair, mas não líderes chineses e nem o massacre da Praça da Paz Celestial (1989), que está completamente proibido.

Sem qualquer dúvida a China foi vital para estender o ciclo de crescimento do capitalismo no último período – sem isto uma implosão financeira e econômica poderia já ter ocorrido nos EUA. O The Economist comentou: “A entrada da China, da Índia e da antiga União Soviética no mercado mundial, com efeito, duplicou a força de trabalho global (a China é responsável por mais da metade deste crescimento)” [30 de julho de 2005].

O capitalismo, com a mesma reserva de capital, possui muito mais trabalhadores para explorar por todo o mundo. O resultado é um grande impulso nos lucros dos grandes negócios e uma queda da parte que vai para a classe trabalhadora da riqueza que ela produz. Os lucros nos EUA, por exemplo, como uma proporção do Produto Interno Bruto (PIB) são os maiores que eles tiveram em 75 anos.

Os capitalistas dos EUA são gratos à China por isto? De forma alguma. Foi compreendido subitamente por uma seção das classes proprietárias dos EUA que, ao invés de ser um “parceiro” benigno e subordinado, a China está surgindo como um “competidor estratégico”.

Martin Wolf comentou no Financial Times: “O espectro de uma China ascendente voltou a assombrar Washington. Esta é a principal lição que eu tirei após passar uma semana nos EUA”. É isto que explica a última explosão de “Sinofobia” no Congresso dos EUA – a ameaça de crescentes sanções comerciais – a não ser que a China subordine-se.

Conflitos com os EUA

O conflito entre China, de um lado, e a Europa e os EUA, de outro lado, primeiramente por causa da indústria têxtil e, em seguida, pelos sapatos é pequeno comparado ao que pode acontecer no futuro. A China já produz 40% dos sapatos no mundo – enquanto possui 20% dos pés da Terra – mas tem a capacidade de suprir todo o mundo.

Isto é espelhado em outras indústrias. A China hoje possui alguns dos traços da Alemanha no período pré-Segunda Guerra Mundial com o potencial produtivo colossal de suprir todo o mundo em algumas indústrias. Os bens alemães foram retirados de mercados controlados pela Inglaterra e pela França resultando em desemprego e na preparação das condições de Hitler chegar ao poder – o que levou à Segunda Guerra Mundial.

Algumas seções da classe dominante dos EUA estão fazendo ameaças similares para a China. Dado o equilíbrio de terror nuclear, uma “guerra quente”, uma guerra de tiros, pode ser improvável, mas uma guerra comercial selvagem é possível, especialmente se o capitalismo mundial entrar numa espiral negativa econômica no próximo período.

Não é apenas em empregos de baixa qualificação e de trabalho de manufatura intenso que a China está na liderança isolada. É o maior produtor e exportador de equipamentos eletrônicos de consumo e é somente uma questão de tempo antes de se tornar um participante importante na exportação de veículos.

A construção de navios agora é dominada pela China e a manufatura de aviões também será. De acordo com um relatório, a marinha dos EUA hoje depende da Ásia para construir seus novos navios e, eventualmente, a economia forçará a Força Aérea dos EUA a procurar aviões feitos na Ásia e montados na China.

Em geral a China ainda está, economicamente, atrás dos EUA – o qual teve um PIB de US$11,75 trilhões em 2004 comparado a US$1,6 trilhão da China – quase o mesmo que da Inglaterra. A economia dos EUA é 7,4 vezes maior que a da China e a renda per capita na China é de somente US$1.411 enquanto nos EUA é de US$42.000 – quase 30 vezes maior.

Mas está rapidamente alcançando. Uma revista de negócios avisou que os EUA estavam se tornando um fraco de 44 quilos comparada à China.

Guardando, invejosamente, sua posição como a força dominante no mundo – atualmente a única superpotência – os EUA sempre procuraram restringir rivais e potenciais rivais usando seu músculo econômico e sua esmagadora força militar.

Quando foi confrontado com um Japão ascendente nos anos 80 lançou-se uma campanha similar à que hoje foi desencadeada contra a China, e resultou no Acordo de Plaza de 1985 – o qual levou a uma revalorização da moeda japonesa (o yen) e uma desvalorização do dólar.

O Congresso dos EUA fez demandas similares contra a China: “Revalorizar, aumentar o valor de sua moeda, o Yuan, entre 10% e 20% ou enfrentar sanções comerciais dos EUA”. Por razões diplomáticas, e não econômicas, a China respondeu com um parco aumento de 2% no Yuan.

Porém, mesmo que um aumento de 25% fosse introduzido – o que a China não fará – isto não ajudaria de forma significativa a economia dos EUA. A China é um ponto de montagem para importações, principalmente em relação ao restante da Ásia, com um “valor acrescido” muito pequeno devido aos baixos salários pagos aos trabalhadores chineses.

Guerra comercial?

Enquanto este conflito não é resolvido cresce a sombra de uma guerra. Alguns comentaristas, como Henry C. K. Liu do Asian Times, vão além e avisam que “guerras comerciais podem levar a guerras de tiro”. A China não é o Japão do século XXI. O Japão nos anos 80 contava com o aparato militar dos EUA e, particularmente, seu guarda-chuva nuclear, contra a China – e estava, portanto, sujeito à pressão e chantagem da classe dominante dos EUA.

O medo dos EUA, e dos capitalistas do “primeiro mundo” como um todo, é o de que a China pode com o tempo superar na competição as nações avançadas em empregos de alta tecnologia enquanto persiste o estrangulamento que agora parece existir nas indústrias de trabalho intensivo. Tal como a Organização por Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) comentou recentemente: “Em um período de cinco anos até 2003 o número de estudantes ingressando em cursos de educação superior cresceu em 3,5 vezes, com uma forte ênfase em assuntos técnicos”.

O número de patentes e engenheiros produzidos pela China cresceram significativamente. Ao mesmo tempo, uma China cada vez mais capitalista – mais riqueza é produzida hoje no setor privado, mas a maior parte da força de trabalho urbana ainda está em indústrias estatais – e a particular urgência de recursos energéticos maiores para manter sua taxa de crescimento espetacular a colocou em colisão, numa escala mundial, com outros poderes imperialistas – particularmente os EUA.

Em uma nova versão mundial do “Grande Jogo” – o conflito por controle dos recursos da Ásia Central durante o século XIX – os EUA e a China enfrentaram-se e esbofetearam-se cada vez mais. Até agora, os EUA mantiveram o domínio mundial graças à sua dominação econômica escorada por uma máquina de guerra colossal – responsável por 47% dos gastos mundiais. Mas o Iraque, dramaticamente, mostrou os limites disto: “Um país que não pode controlar o Iraque dificilmente pode refazer o globo por si só” [Financial Times].

Mas nenhum grupo privilegiado desaparece da cena da história sem um batalha. Donald Rumsfeld, o secretário de defesa dos EUA, afirmou que: “Se nenhum país ameaça a China, nós devemos nos perguntar: por que esse crescimento no investimento [de armas]? Por que essa continua e expansiva compra de armamentos?”

A China poderia perguntar a mesma coisa para os EUA. Para assegurar sua posição, os EUA mantem seis frotas de batalha nuclear permanentemente no mar, apoiado por uma rede de bases sem paralelos. Como Will Hutton comentou no Observer, isso não é por causa do ” chauvinismo irracional ou das necessidades do complexo industrial armamentício, mas por causa da pressão que eles colocam em países emergentes como a China.”

Por sua vez, a elite chinesa responde do seu jeito. Por exemplo, no continuo choque com Taiwan, o major-general no Exército de Libertação Popular infelizmente apontou que se a China for atacada “ por Washington durante um confronto com Taiwan… Eu penso que teremos que responder com armas nucleares”.

Ele adicionou que: “Nós, chineses, nos prepararemos para a destruição de todas as cidades ao leste de Xian. Claro, os americanos deverão estar preparados para a destruição de centenas de cidades pelos chineses.” Essa provocação belicosa mostra que o desdém das chamadas grandes potencias aos trabalhadores ordinários e camponeses da China e ao povo dos EUA quando seus interesses estão em jogo.

As ambições das “Super Potências”

A China pode emergir dentro de uma década como o maior exportados mundial, superando os EUA. Isso é emergir como o principal pólo de atração do capitalismo asiático e mesmo chagando à Austrália, que tem seu aço, carne e laticínios destinados agora para a China, e não para a Inglaterra.

Mas como essas ambições de superpotências vão atingir os interesses dos chineses e do resto do mundo? No seu rastro, 400 milhões de chineses foram tirados da pobreza extrema pela explosão na economia chinesa dos últimos 20 anos.

No entanto, a China hoje ainda tem mais pobres em números absolutos do que existe em toda a África. Há de 150 a 200 milhões de desempregados ou subempregados nas áreas rurais. Esse não é o modelo que os trabalhadores e camponeses devem seguir no mundo neocolonial, como é dito por alguns, como os teóricos do Partido Comunista da índia.

O presente regime na China está cada vez mais capitalista com um peculiar amálgama de uma crescente economia capitalista (particularmente no setor exportador) junto com reminiscências da máquina estatal Maoísta-Stalinista, que também procura se mover na direção do capitalismo.

Porém a elite ex-stalinista, na abertura do Mercado, está assombrada principalmente pela repetição do colapso social nas mesmas linhas da antiga USSR que acompanhou a introdução do capitalismo selvagem.

E o capitalismo chinês não é absolutamente ‘moderno’ em termos de salários e condições daqueles que produzem a riqueza, a classe trabalhadora. Eles sofrem ataques e matanças sem precedentes nos campos de morte da indústria chinesa, reminiscências do que foi descrito por Marx dos lugares infernais da vida dos trabalhadores do século XIX no capitalismo britânico.

O medo de uma revolta de massas da classe trabalhadora foi refletida por Henry C.K. Liu: “Dada a ausência de um forte sistema de segurança no caminho do país para uma economia de mercado socialista [?], o abismo entre ricos e pobres entre os moradores nas cidades chinesas podem se tornar ameaçador à estabilidade social. A hostilidade popular em relação aos ricos está se aproximando de uma dimensão sísmica, diferentemente dos EUA, onde os ricos desfrutam de um status invejável de celebridades adoradas.” [Asian Times.]

Essa polarização de classes é, em última análise, muito mais decisivo para o futuro do mundo que o confronto entre as ávidas potencies imperialistas – que agora inclui a China – para uma nova luta e redivisão das fontes e do mercado mundiais.

Houve um enorme crescimento na China dos ‘incidentes de massa’, incluindo greves, que de cerca de 10.000 por ano há uma década atingiram as 58.000 em 2003 e 74.000 em 2004, envolvendo 3.6 milhões de pessoas.

Apesar de todos os esforços da elite chinesa – com a ajuda como a de Bill Gates – as condições estão sendo preparadas para uma insurgência de massas para estourar os grilhões de um regime autoritário, das condições vergonhosas e dos baixos salários nas fábricas, e também por democracia.

O panorama político atual da população e particularmente dos trabalhadores está bem misturado. O principal apoio do regime é o setor da classe media urbana que prosperaram com a introdução do Mercado. Há também ilusões na ‘democracia’ ocidental.

Do outro lado, a consciência das massas refletem parcialmente o passado, da propriedade coletiva. Isso leva à grande oposição ao anseio para o Mercado; por exemplo, a venda de terra comum a especuladores ganha uma forte oposição das massas. As condições na fábricas também levam à idéia de organizações e sindicatos independentes dos trabalhadores.

Uma classe trabalhadora poderosa

Um amplo confronto entre o regime e as massas não ocorreram nas principais areas urbanas até agora. Quando isso acontecer, pelo fato de não haver meios de alívio do descontentamento popular através de canais democráticos, pode ser uma faísca para a revolução.

A classe trabalhadora chinesa é agora uma força potente. É bastante provável que o movimento de massas não seguirá a linha da Revolução de Outubro em 1917, pela experiência e o panorama limitados das massas. De outro lado, pode ser parecido à revolução de 1905, um ‘ensaio geral’, ou mesmo às greves de 1896 em São Petersburgo, que foram preparações para as revoluções posteriores na Rússia.

O regime atual na China não tem nada em comum com um socialismo ou comunismo genuíno, como argumentam alguns defensores iludidos. O socialismo democrático só pode ser possível através de uma revolução que “derrote” a elite atual.

O regime que irá suceder isso estabeleceria uma democracia dos trabalhadores e dos camponeses pobres. Também reestatizaria as indústrias privatizadas com o controle e administração dos trabalhadores e unificaria a indústria através de um plano socialista democrático.

Os direitos nacionais e lingüísticos seriam garantidos para todas as minorias nacionais, incluindo o direito a auto-determinação dos taiwaneses, dos Uighur e dos tibetanos, e estenderia a mão solidária para os trabalhadores da Ásia e do mundo.

A China que emergirá na próxima década não será aquela que os comentaristas e especialistas capitalistas esperam. Ao invés do surgimento de uma nova “super potência”, será uma China dos trabalhadores e dos camponeses que pode emergir e realmente transformar o mundo numa direção socialista.

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