Vozes da China: “Os trabalhadores foram os que mais sofreram com os ataques do governo”

Yang, 24 anos, trabalha em uma fábrica de máquinas em Chengdu, uma cidade de dez milhões de pessoas na província de Sichuan

”Os trabalhadores foram os que sofreram mais o choque dos ataques do governo chinês (PCC)” diz Yang, parte de uma nova geração de jovens trabalhadores radicalizados na China.  Socialista desde seus tempos no colégio técnico, onde estudou planejamento de máquinas, ele falou a Lau Khanhwa, do chinaworker.info, sobre a situação em sua própria fábrica e da temperatura política e discussões entre seus colegas de trabalho.

Lau: Quanto você recebe e quais são as condições de trabalho?

Yang: Eu trabalho nove horas por dia por um salário básico mensal de 1.200 yuan [$172]. Com hora extra eu recebo uns 1.500 yuan. A fábrica é de propriedade privada, de um capitalista chinês do sul do país. Eu estudei por três anos em um colégio técnico para receber minhas qualificações. Não trabalhamos aos sábados e domingos, então desse ponto de vista nossa fábrica é melhor do que muitas outras.

Lau: Há muitas discussões políticas no trabalho?

Yang: Sim, embora não sejam tão conscientemente políticos, meus colegas ainda expressam abertamente suas opiniões. Por exemplo, sobre o direito de transferência da terra (o novo plano do governo para a criação de um mercado de propriedade privada no interior), sobre o assassino de policiais, Yang Jia (um grande tópico de discussões online) – alguns apóiam Yang Jia (declarado culpado de matar seis policiais em Shanghai), outros dizem que ele é um terrorista.

Lau: O que eles dizem sobre o direito de transferência da terra?

Yang: A maioria concorda que isso é típico do modo como o governo trabalha para os ricos. Alguns trabalhadores são das áreas rurais, e têm famílias lá, eles pensam que podem conseguir algum dinheiro com essa proposta, mas não muito. Muitos são contra, especialmente os mais velhos. Os jovens tendem a ser pela proposta, eles pensam que isso elevará os preços da terra e assim podem fazer dinheiro com isso.

Lau: Como é o mercado imobiliário para os trabalhadores?

Yang: Muitas pessoas, especialmente os jovens, não podem conseguir uma casa hoje. Alguns com mais de 30 anos compraram apartamentos sob hipotecas, mas estes estão perto da fábrica, não nas áreas centrais da cidade – elas são muito caras. A maioria que compra uma casa recebe seu depósito inicial de seus pais, de poupanças. A maioria dos jovens trabalhadores vive em apartamentos alugados de um quarto, os aluguéis são de 300 a 500 yuan por mês, no total um terço a metade de seu salário. O mesmo tipo de imóvel no centro da cidade custa 1,200-1,500, o que é impossível para nós!

Lau: Quando foi seu último aumento salarial?

Yang: Não tivemos um aumento no ano passado. Não no setor privado. Os trabalhadores de SOE (empresas estatais) tiveram um aumento, mas não nós. O pagamento é maior no setor estatal também, cerca de 400 yuan a mais por mês. Mas não restaram muitas indústrias estatais, apenas nas munições, telecomunicações e um ou dois outros setores.

Lau: Quanto do antigo setor SOE  foi privatizado?

Yang: 70% das companhias estatais da cidade foram privatizadas. Isso ocorreu principalmente no período 1995-2000. Meus pais trabalharam em SOEs nos anos 90. Meu pai foi ‘xia gang’ (afastado) em 1998 e prometeram seu emprego de volta quando a companhia completasse sua reestruturação, mas ele nunca teve o emprego de volta. Ele aposentou-se em 2001. Minha mãe ainda trabalha para a companhia, mas ela é privada agora.

Lau: Foi uma privatização completa ou apenas parcial? Quais exatamente são as formas de propriedade?

Yang: A maioria das antigas SOEs foi declarada “em bancarrota”. Então, foram vendidas a companhias privadas ou para antigos gerentes estatais. Nossa fábrica era propriedade de uma SOE que entrou em bancarrota, então seus prédios foram comprados por meu patrão. Então, na maioria dos casos, essas companhias são totalmente privadas, não há parcela estatal ou do governo municipal.

Lau: Pode nos dizer mais sobre como esse programa foi implementado?

Yang: Nos anos 90, a província era governada por um político próximo do [antigo presidente] Jiang Zemin. A maioria dos trabalhadores hoje pensa que todo o processo foi um truque barato. Em 1995, o partido e a direção da companhia disseram a eles que poderiam retornar depois – tornaram-se ‘xia gang’. Também disseram que isso era no “interesse nacional”, que a China enfrentava uma crise e os trabalhadores precisavam fazer sacrifícios. Mas eles nunca admitiram o que realmente estavam planejando fazer. Eu sei por meu pai, inicialmente os trabalhadores aceitaram isso. Muitos agora dizem abertamente que foram enganados.

Lau: Como compara trabalhar no setor privado com o setor público?

Yang: Na minha fábrica, mais de um terço da força de trabalho de 500, os mais velhos, trabalhavam no setor SOE. Quase todos dizem que preferem trabalhar para uma companhia estatal. No início muitos pensavam que o setor privado era melhor, que se podia ganhar mais. Mas no setor SOE você tinha horas fixas, um salário básico, e é mais difícil para os patrões abusarem da força de trabalho. No setor privado há muita hora extra, os patrões podem multar os trabalhadores por várias “ofensas”.

Lau: Quanto ganham os trabalhadores imigrantes na fábrica?

Yang: Um salário mais baixo, cerca de 800 yuan por mês. Não são qualificados e trabalham como diaristas, limpadores e serviço externo, eles não trabalham na linha de produção.

Lau: Como são as relações entre os qualificados e não-qualificados, entre os trabalhadores da cidade e os mingong [imigrantes]?

Yang: Houve um surto de mingong-fobia, especialmente no final dos anos 90. Foi o caso especialmente entre os trabalhadores mais velhos e de meia idade, que temiam por seus empregos. Houve uma enxurrada de tomadas de terra, e um grande influxo de camponeses desenraizados para a cidade. O governo da cidade levantou a bandeira sobre mingong na mesma época em que muitas SOEs entraram em bancarrota. Então, muitos citadinos acreditaram que os mingong “roubariam nossos empregos”.

Mas em 2004-05 algo mudou. A maioria dos trabalhadores, os jovens, não vêem um problema nos mingong – afinal, ambos trabalham para um patrão privado.

Lau: Vocês se misturam, ou discutem muito com os imigrantes?

Yang: O contato não é muito próximo. A maioria dos jovens mingong parecem falar apenas de dinheiro e mulheres – eles não têm muitas outras opções para se desenvolverem ou usarem o pouco tempo livre que têm. Os trabalhadores qualificados comem em horas diferentes dos não-qualificados, então não temos realmente uma oportunidade de conversar muito.

Lau: Qual é o sentimento político entre os trabalhadores?

Yang: A maioria se opõe ao partido. A geração mais velha apóia Mao, e vêem o partido hoje como um completo traidor. A geração mais nova tem mais ilusões no capitalismo – se opõem ao partido, mas pensam que seria melhor com mais livre mercado, não menos. Os trabalhadores mais velhos pró-Mao, e alguns dos jovens que também se voltam para o maoismo, não têm um programa claramente elaborado, e, óbvio, não são organizados, o que não é permitido. Mas acham que Deng [Xiaoping] é um lixo! Eles vêem o governo ou como totalmente pró-capitalista ou como “oportunista” – fazendo políticas apenas para os ricos. Alguns citam Mao, de que há necessidade de uma “revolução armada”. Dizem que todas as fábricas devem ser propriedade da classe operária. Entre os mingong, de outro lado, há apoio para Hu Jintao e Wen Jiabao. Eles pensam que o governo tem políticas melhores para eles. Eles odeiam o regime de Jiang de antes por causa da total negligência da população rural.

Lau: E os jovens?

Yang: Eu diria que no momento dois terços deles são pró-capitalistas, embora também não gostem desse governo – eles acham Taiwan ou os EUA um modelo melhor. Talvez 20% dos jovens que eu conheço inclinem-se para o socialismo, o que quer dizer maoismo.

Lau: Alguém acredita na afirmação do governo de estar construindo o “socialismo com características chinesas”?

Yang: Cinco ou dez anos atrás, apenas secundaristas acreditavam nisso. Hoje em dia, podemos dizer que apenas escolares primários acreditam nisso.

Lau: Qual é a sua própria opinião sobre o maoismo?

Yang: Eu sou trotskista. Acredito no controle democrático dos trabalhadores, nós nos opomos à burocracia.  Meus colegas maoistas sabem que sou trotskista e dizem coisas como: “Somos camaradas, podemos cooperar, mas Chen Duxiu [Fundador do PCC e também um trotskista nos anos 30] foi muito oportunista”. Também, dizem que o trotskismo “não é prático para a China”. Obviamente, eu discordo.

Lau: Qual é a atitude dos trabalhadores para com o sindicato oficial, o ACFTU?

Yang: É apenas um vaso, pode-se pôr flores bonitas nele, mas absolutamente inútil. O presidente do sindicato em nossa fábrica é um dos diretores, o que é normal na maioria das fábricas. O sindicato é para nos dizer o que os patrões querem.

Lau: E o partido? Qual é a influência dele na fábrica?

Yang: O secretário do PCC na fábrica é o vice diretor geral da companhia. A maioria dos jovens o odeia. Apenas uns poucos trabalhadores mais velhos da época da SOE estão no partido. Nenhum jovem se filiou. Seus membros são esmagadoramente do nível da diretoria. Mesmo os trabalhadores mais velhos do SOE não acham mais que o PCC é um partido operário. Nas SOEs que são dependentes de contratos militares, muitos trabalhadores gostam de Hu e Wen, enquanto que odeiam Jiang. Isso por causa do grande aumento no orçamento militar sob Hu.

Lau: Finalmente. O que você acha do chinaworker.info?

Yang: É um bom website, muitos artigos interessantes. Mas ele é bloqueado na China. Você precisa de um software proxy para acessar esse site, embora felizmente, hoje em dia, muitas pessoas tenham esse software.

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