França: Depois do CPE, escândalo “Clearstream”!
O governo foi obrigado a recuar com o CPE (Contrat Première Embauche). É uma vitória incontestável, obtida graças à ação de milhares de jovens universitários e secundaristas e dos trabalhadores, os quais construíram uma luta que chegou até os grandes dias de greve e de manifestação em 28 de março e em 4 de abril. O sucesso dessa nossa luta mostrou que o governo atual não é invencível. E podemos dizer legitimamente que teríamos podido ganhar ainda mais, que as condições estavam pouco a pouco reunidas para impor uma derrota maior ao governo e dessa forma alicerçar as bases para verdadeiramente parar a ofensiva capitalista a que somos submetidos.
Hoje, o governo é dominado pela crise que provoca a revelação das manobras que se realizam na cúpula do governo (Transação Clearstream), mas uma tal crise não se resolverá a favor dos trabalhadores e dos jovens se nós não construirmos uma verdadeira alternativa a todos esses partidos que alimentam o capitalismo.
A luta contra o CPE nos mostrou podemos ganhar se estamos determinados e se temos vontade de estender a luta. A greve começou em algumas Universidades no início de fevereiro (Rennes, Poitiers etc.), e nas outras cidades colaboraram todos aqueles que começaram a construir a mobilização no mesmo sentido. Quando no fim de março, as jornadas de mobilização tornaram-se jornadas de greve comum aos jovens e aos trabalhadores, o governo viu que não poderia manter por muito tempo essa situação em que a crise social poderia se tornar uma crise maior para ele próprio.
Entretanto em fevereiro, as declarações se multiplicaram por parte dos dirigentes sindicais, do PS e do PCF para não incitar à ação ou para colocar táticas políticas. Dessa maneira, Maryse Dumas, dirigente da CGT, declarava após a primeira jornada de ação de 7 de fevereiro: “A CGT não tem o princípio de dar palavras de ordem de greve”. Na mesma semana François Hollande dizia pelo PS: “Sejamos realistas, o texto vai passar. O trabalho de explicação ao qual nos empenhamos encontrará seu desdobramento não nas ruas, mas nas urnas em 2007”. Quanto à Marie Georges Buffet pelo PCF, ela dizia na mesma semana : “os assalariados estão cansados”… Todos os dirigentes estavam bem pouco determinados a fazer avançar a luta. Nossas forças, eis o que tínhamos para construir o movimento contra o CPE, a lei “Igualdade de Oportunidades” etc. Era necessário irmos até uma greve comum feita por jovens e por trabalhadores para ganharmos.
Com o ataque do CPE a toda a juventude, o movimento tinha para si uma chance: ele poderia reunir os estudantes da Universidade, aqueles nos IUT ou BTS, os secundaristas, os aprendizes etc. Essa luta não seria como a lei Fillon no ano passado, onde os secundaristas tiveram que lutar sozinhos, pois foram rapidamente abandonados pelas direções dos sindicatos da Educação. O movimento de greve teve sucesso ao se desenvolver nas Universidades semana após semana, e ao atingir os secundaristas. Mesmo as direções sindicais aceleraram sua ação, sob pena de perder o controle.
Apesar disso, nem as direções dos sindicatos de trabalhadores, nem as organizações como a Unef, procuraram desenvolver realmente as reivindicações do movimento. As consignas internas exigiam ou “aconselhavam” a manutenção das reivindicações estritas ao CPE. A Unef jogou um jogo duplo, votou as reivindicações como a retirada da lei “Igualdade de Oportunidades” em coordenação nacional com os estudantes, mas absolutamente não as defendeu em seguida diante das mídias, ou nas reuniões intersindicais.
O movimento tinha tomado uma amplitude considerável em certas cidades, as manifestações tornaram-se enormes. E de maneira decisiva os trabalhadores se colocaram em greve em 28 de março e de novo em 04 de abril. Os trabalhadores se sentiam desde muito tempo solidários do movimento da juventude. Muitos viam igualmente que o CPE era somente uma etapa antes de atacar todos os trabalhadores. Diziam igualmente que esse era talvez o momento de se unirem ao movimento com suas próprias reivindicações, e de construírem assim a greve geral que lutaria contra esse governo.
Uma obscura negociação começou entre todo o intersindical e Sarkozy, na qual o acordo era a suspensão do CPE em troca da parada das mobilizações. O governo se retiraria com uma derrota humilhante, mas ao mesmo tempo com a possibilidade de fazer passar o resto da lei Igualdade de Oportunidades assim como o fato de que o CNE já existente não seria tocado pela mobilização em curso.
Em muitas Universidades, o núcleo duro da mobilização constatou com impotência que tudo parou de um só golpe. Alguns quiseram manter os piquetes da Universidade até a suspensão da lei Igualdade de Oportunidades, mas já era muito tarde. A crise estava temporariamente transferida, as direções dos sindicatos, da “Esquerda”, com a ajuda das organizações como a Unef, tinham obtido de fato uma vitória dupla: a suspensão do CPE e ao mesmo tempo, uma restauração de seu prestigio em uma escala de massas. Eles utilizaram como explicação que essa vitória tinha sido obtida graças à “unidade sindical”: se esta estratégia é tão vitoriosa, por quê neste primeiro de maio houve tão poucas manifestações com unidade? De onde vêm esse resultado? Como fazer agora para lutar?
O governo tinha um objetivo com o CPE: utilizar-se dele para assegurar uma vitória sobre um setor chave, a juventude, e com ela levaria a uma vitória sobre o conjunto dos trabalhadores. As razões são simples: a concorrência entre os capitalistas é enorme nesses tempos de crise, e a alta do preço do petróleo baixou ainda mais as margens de lucro. Por tanto é preciso poder explorar ao máximo os trabalhadores para assegurar uma taxa de lucro satisfatória, o CPE permitiria uma submissão completa do jovem trabalhador.
Se Villepin tentou até o fim fazer passar o CPE foi porque o conjunto dos capitalistas, franceses e estrangeiros, queriam esse tipo de medida, e ainda a achavam insuficiente. O Wall Street Journal declarava por outro lado: “Se a França quer lançar por terra sua tendência, em vigor há 30 anos, um crescimento frágil e um alto desemprego, ela precisa acabar com as barreiras da legislação do trabalho em todos os setores, e não somente para os menores de 25 anos.” Essa política nos Estados Unidos é traduzida pela miséria para dezenas de milhões de pessoas. Contrariamente a isso que eles pensavam, os jovens não brigavam diretamente contra a precariedade, eles lutavam, sobretudo, contra uma medida que iria reforçar a precariedade. Lutar contra a precariedade pediria um programa ofensivo com reivindicações como um verdadeiro emprego para todos, uma casa decente etc. Mas eles aspiravam brigar contra a precariedade e foram enganados pelo conjunto das organizações as quais limitaram as reivindicações e os meios de ação.
Se quisermos lutar contra o conjunto da precariedade, devemos lutar contra o conjunto das políticas capitalistas. E isso, só uma luta comum de jovens e trabalhadores pode realizar. Não devemos nos deixar enganar pelas declarações dos jornalistas sobre a origem do conflito: a causa não foi o orgulho de Villepin, mas sim a vontade de todos os capitalistas que estavam na fonte dessa ação de ilusão descarada. A suspensão do CPE se tornou o único compromisso possível, mesmo se isso custasse bastante às classes dirigentes. Se, desde o início, as direções sindicais tivessem colocado a suspensão da lei “Igualdade de Oportunidades” e do CNE no mesmo nível de suas exigências a cada vez que elas surgiam ou encontrassem um responsável no governo, a crise teria sido muito mais fácil de resolver e um eventual recuo do governo representaria uma derrota maior dos governantes e capitalistas. Essa solução mais rápida e simples foi o que as direções sindicais e os partidos de “esquerda” evitaram. E isso muitos dos organizadores da juventude infelizmente não enxergaram.
Tiramos lições para construir as próximas lutas
Nas numerosas universidades vimos dominar as formas de organização muito soltas. Não havia um verdadeiro comitê de greve, as assembléias gerais discutiam pouco outros aspectos do movimento (reivindicações, controle sobre a coordenação nacional etc.) E quando eles estavam um pouco mais desenvolvidos, a atenção deles se desviava para as ocupações, os piquetes, a fraternidade nessas ações trazia em si um quantidade suficiente de elementos positivos para os grevistas não se preocuparem mais com as reivindicações e os próximos passos. O despertar foi doloroso para alguns, mas a lição foi compreendida? Se o movimento parou tão rápido, se as direções sindicais puderam conservar o controle a ponto de impedir uma seqüência imediata das lutas após a primeira vitória que representou a suspensão do CPE, é precisamente porque a organização do movimento estava insuficiente. Em nenhum momento a coordenação dos estudantes controlou o que a Unef dizia, a qual sempre se colocou como porta voz do movimento estudantil ainda que seu presidente não tivesse nenhum estatuto oficial sobre a greve.
Essa brilhante unanimidade e essa desorganização eram reivindicadas até mesmo pelos elementos mais radicais (anarquistas etc.). Vimos também a LCR assinar uma serie de textos com o PS nos quais só havia a suspensão do CPE. Seu jornal se colocou tardiamente a chamar greve geral. O último texto da data de 31 de março, assinado pelo PS, o PCF, a LCR e outros, pedia que Chirac interviesse… Como se a denúncia que o presidente é o representante número um dos capitalistas tivesse desaparecido das analises da LCR. LO do seu lado, publicava um artigo especial de 4 páginas no qual se dizia explicitamente que não era preciso desenvolver as reivindicações (e sobretudo não falar da lei “Igualdade de Oportunidades”), fazendo referência particularmente à lei Sarkozy…
Um movimento de massa é o momento no qual nos politizamos mais, onde descobrimos mais coisas, em que nos familiarizamos com as idéias, as reivindicações, em que lemos mais… É nesse momento que as reivindicações que parecem distantes se tornam mais reais, que as medidas governamentais que passariam desapercebidas são subitamente conhecidas por todos e todas. É nesse momento que se joga uma luta crucial entre aqueles que querem realmente chegar a uma vitória decisiva, partindo de aspirações que são justas (recusar a precariedade, a exploração…) e aqueles que querem se servir para seus interesses políticos. Essa segunda categoria é um obstáculo que só não eliminaremos agindo como se eles não existissem, restringindo-os a sua universidade, ou recusando toda a organização sob pretexto que organização=burocratização. Pois é bem o inverso que se produziu, a falta de uma verdadeira organização, a falta de enfrentamento político, de análises e de críticas suficientemente claras, o PS e outros partidos e a Unef conservaram o controle do movimento e impediram que houvesse uma vitória maior. Todas as correntes que passaram seu tempo a dizer que nem o CPE, nem CDI (Contrato de Duração Indeterminada, o contrato de trabalho habitual) desarmam o movimento, também jogavam um jogo que facilitava as manobras dos políticos.
Em face a tudo isso, era dificil para numerosos universitários e secundaristas encontrarem, eles mesmos, em tão pouco tempo, um meio de desenvolver uma alternativa organizada que permitisse fazer triunfar as reivindicações centrais do movimento. É claro entretanto que essa greve pode servir muito se tiramos realmente lições dela. A burocratização é sempre uma ameaça, mas ela vem de uma má orientação política, não de uma tendência natural dos movimentos e organizações. O movimento contra o CPE demonstrou que a crise politica, visível desde 2002, pode eclodir se um movimento social se torna suficientemente forte. Falta um instrumento para organizar os jovens e os trabalhadores combativos, todos aqueles que querem acabar com o capitalismo, com essa sociedade de exploração e miséria.
Nos organizarmos para acabar com o capitalismo
O CPE é uma derrota do governo: é um fato. Mas só uma parte da juventude pode ser realmente beneficiada. Os outros aspectos da lei “Igualdade de Oportunidades” (notadamente os estágios aos 14 anos e outras medidas desse gênero) não foram suspensos e vão afetar a classe pobre dos jovens que já é a maior vítima do sistema capitalista. E os responsáveis disso estão entre os dirigentes dos sindicatos, dos partidos que dizem se opor ao capitalismo mas que nunca tiveram um papel de construir uma oposição às manobras dos dirigentes dos sindicatos e aos partidos de “esquerda” que querem manter o capitalismo.
A crise que se desenvolve ao redor da transação Clearstream mostra a que ponto a classe dirigente, e a Direita em particular, estão em total desordem. As duas e o PS temem sofrer uma pressão popular. Pelas mesmas razões que eles estavam satisfeitos com o fim rápido da luta contra o CPE, esses dirigentes não querem de forma alguma caçar a direita pois sabem que no fundo não colocarão uma política diferente e que depois de um tal movimento isso pode ficar mais visível. Uma verdadeira greve geral teria permitido colocarmos a questão de derrubar esse governo e parar com essas políticas a serviço do capitalismo: é isso que os dirigentes do PS e seus aliados quiseram evitar.
Desde a eleição presidencial de 2002, uma parcela importante dos trabalhadores e dos jovens mostrou que queriam outras coisas, que eles estavam fartos desse jogo de políticos. 10% dos eleitores tinham então votado para o LO e a LCR. Mas essas organizações não quiseram aproveitar a oportunidade. E nem lutar verdadeiramente contra o CPE: elas participaram de diversas reuniões comuns, locais ou nacionais, sem ao menos criticar o PS e seus aliados, e, sobretudo elas jamais propuseram uma alternativa política.
É preciso o novo. É preciso um partido de luta contra o capitalismo e o governo. Um partido que se coloque em defesa dos trabalhadores e dos jovens, e que se recuse a entrar no jogo político. Um partido que não se descuide de nenhuma batalha nos sindicatos, ou em face aos outros partidos que ainda influenciam os trabalhadores e os jovens, mas um partido que tenha o objetivo de desenvolver as lutas para acabar com o capitalismo e a exploração.
Hoje, existe a possibilidade de lutar contra a lei Sarkozy: ela vai tocar o conjunto dos trabalhadores se dirigindo aos trabalhadores imigrantes, porque ela vai acentuar a concorrência entre os trabalhadores. O único meio de enfrentar realmente esse governo será uma greve geral. Mas para isso, é necessário um verdadeiro programa de luta: um verdadeiro emprego para todos, uma moradia decente, serviços públicos gratuitos etc.
Um tal partido seria somente um primeiro passo, mas ele seria significativo numa situação na qual o debate político é quase exclusivamente dominado pelos políticos a serviço do capitalismo. Ele permitiria discutir qual deve ser a alternativa ao capitalismo, para verdadeiramente aprofundar a analise da situação atual e assim desimpedir os meios de luta. Só uma sociedade onde a economia é organizada democraticamente pelos trabalhadores eles mesmos, na qual os principais meios de produção e de distribuição são nacionalizados, pode permitir levarmos uma política que termine com a miséria e a precariedade. É nessa perspectiva, pelo verdadeiro socialismo, que nós lutamos.
É através de uma revolução que poderemos atingir tal objetivo. A revolução se prepara desde já, ao nos organizarmos, ao tirarmos lições das lutas atuais. Não existirá organização de massa que sobreviva no capitalismo, os políticos atuais sempre vencem nesse sistema capitalista, a alternativa é a revolução socialista na qual as classes sociais desaparecerão e teremos uma sociedade igualitária para todas e todos.
Tradução de Angelina Corrêa