A maior greve do sistema de transporte (metrô e trem) da Alemanha
Depois da Suiça, a Alemanha tem o sistema de metrô e trêm (Bahn) mais inteligente e organizado da Europa. Com cerca de 5000 km de malha ferroviária, o sistema de integração do metrô e trêm se dá em todo o território, com trens que transportam materiais e também pessoas por toda a Alemanha.
Além disso, em cada estado, o trem e o metrô se integram em linhas onde é possível circular livremente entre um e outro, o que significa uma quantidade enorme de trabalhadores qualificados que estão nesse setor e por isso, claro, é um setor que dá muito lucro. Nesse ano, a campanha salarial da categoria deu margem a outras discussões fundamentais sobre o processo neoliberal que se acelera na Europa, assim como a retomada do movimento e das lutas da classe trabalhadora.
Desde 1994, existe a discussão sobre a privatização do sistema ferroviário alemão, não só a privatização dos serviços, mas também da infraestrutura, trens, da malha ferroviária e do sistema de integração nacional. O governo Federal é que pode decidir pela privatização ou não e o governo de Angela Merkel, desde 2005, acelera o processo de privatizações em vários setores: educação, sistema de saúde, aposentadoria, etc. Agora a bola da vez é o Bahn.
Razões da greve
A discussão salarial no sistema de transportes na Alemanha colocou em primeiro plano não só o aumento salarial e demais reivindicações das/os trabalhadoras/res do metrô e trem, mas também o processo de privatização.
O tema dos salários gira em torno da proposta feita pelo Sindicato Nacional dos Funcionários e Aspirantes do Bahn (GDBA) e pelo Sindicato Nacional da Alemanha (DGB) – esta é o que seria pra nós a CUT – que resumia-se em um aumento de 4,5% nos salários. No entanto, o pagamento viria de forma escalada: 600 euros nesse ano e o restante no decorrer de 19 meses. O Sindicato dos Condutores da Alemanha (GDL) se posicionou contra esta proposta e reivindicava 2.500 euros de aumento bruto no salário dos/das Condutores/as, ao invés de 1.970, como o oferecido, 2.180 euros para as/os Controladores de trem ao invés de 1.775, além da redução de uma hora de trabalho.
A pequena burguesia alemã, a mídia em geral e a direção do Sistema de transportes estão indignados com as reivindicações do Sindicato dos Condutores, dizem que essas propostas são irreais, exageradas para os trabalhadores do Bahn e o que eles (GDBA e DGB) oferecem são posições privilegiadas apenas para alguns e que as reivindicações já ultrapassam 31% do possível, o que não é verdade, pois a proposta do Sindicato dos Condutores dá conta apenas de 21% do que é possível ser pago. Esse valor não significa nada perto da perda salarial dos/das trabalhadoras/es nos últimos anos com o aumento do custo vida, além das pressões e estresse do próprio trabalho de condutor/a ligados à enorme quantidade de suicídios que ocorrem todos os dias nos trilhos de metrô e trem (número que varia de 3 a 8 suicídios por dia nos últimos 5 anos!).
Na verdade, o que está por de trás dessa discussão e da intransigência do Sindicato patronal e do governo não é apenas o aumento salarial, mas sim o lucro que o metrô e trem podem dar: no ano passado, o lucro foi de 3,185 milhões de euros por dia, isso é, cerca de 3 vezes mais dinheiro do que as reivindicações do sindicato por mês. Entre os anos de 1999 e 2005, o metrô e trem foram as empresas que mais lucraram: um total entre 3,7 milhões e 14,7 milhões de euros, o que quer dizer quase 400% de lucro!
A privatização e a luta por um sindicato combativo
Cerca de 80 % dos/as Condutores e cerca de 30% dos/as Controladores de metrô e trem da Alemanha são filiados ao Sindicato do Condutores da Alemanha (GDL). Essa é uma resposta dos/as trabalhadores ao processo de burocratização do DGB-transnet, GDBA, que nos últimos anos firmou uma aliança incondicional com os empresários, de olho nos lucros que o metrô e trem dão e podem dar e em possíveis posições de privilégio. No último dia 11 de julho, um grupo de empresários, junto com a DGB-transnet, fizeram uma publicação conjunta sobre a confirmação do plano de privatização, com o mesmo velho argumento que conhecemos bem no Brasil: modernização, tecnologia etc. Os/as trabalhadores do Metrô, percebendo que essa aliança não significa nada mais do que imediato corte salarial, desemprego, aumento do tempo de trabalho e aumento da tarifa, organizaram-se e colocaram-se publicamente contra a privatização e, através de seminários e discussões, esclareceram sobre o que fundamenta essa privatização: mais lucro para os empresários.
Um exemplo dessa retomada de luta foram os trabalhadores do metrô e trem de Berlim, que formularam uma resolução contra a privatização, publicamente se colocaram contra a absurda acumulação de lucro por parte desses empresários e fizeram a denúncia contra a peleguice do sindicato. Esse foi um passo fundamental que os/as trabalhadores deram, mas são necessárias propostas claras e uma maior organização. O Sindicato dos Condutores da Alemanha (GDL) se envolveram nesse processo muito positivamente e se colocaram a favor das reivindicações, mas o fato é que o próprio sindicato não tinha uma posição e proposta claras contra a privatização. Somente na greve, ou seja na luta concreta, tornou-se possível não só elaborar propostas objetivas como materializar as propostas dos/as trabalhadores.
A associação das lutas imediatas (aumento salarial, redução do tempo de trabalho, não à autonomia na tarifa etc.) com o tema da privatização conquistou rapidamente o apoio dos/as trabalhadores alemães, pois são nítidas as perdas dos/as trabalhadores nos últimos anos em toda a Europa, principalmente na Inglaterra (1) que viveu o mesmo processo que a Alemanha vive nesse momento em seu sistema de transporte.
A greve
Durante os meses de junho e julho, a preparação para greve foi intensa, com atos públicos quase todos os dias e, mesmo com a ofensiva da mídia acusando os/as trabalhadores de baderneiros inconseqüentes, em agosto iniciou-se a greve nos trens que percorrem distâncias longas, ou seja, transportam materiais e pessoas entre os estados. O que afetou diretamente os lucros ligados à circulação de produtos.
A seção alemã do CIO, SAV (Alternativa Socialista) não titubeou em apoiar a luta dos Condutores/as e Controladores/as de trem. Essa luta possui um fundo político contra o neoliberalismo de Angela Merkel. Lançamos uma campanha de solidariedade com os/as trabalhadores do Bahn, organizamos discussões e listas de apoio. Em outubro, a greve se estendeu para as metrópoles e, ao contrário do que muito do que a mídia comum aqui dizia, a população se colocou prontamente a favor da greve, ajudando nos atos e mesmo na sua organização.
Essa pressão feita pelos trabalhadores assustou o governo, os empresários e os burocratas do serviço de metrô e trem, o que resultou no acordo de manutenção de uma única tarifa e agora existe a possibilidade de negociar um salário mínimo para toda a categoria de 2.500 euros e a redução de uma hora de trabalho. No mês de novembro, a greve adotou uma nova tática de redução do número de trens circulando, e não paralisação total, o que conquistou ainda mais a simpatia por parte da população em geral.
Os atos nas ruas e mesmo nas estações contavam com muitos trabalhadores de outros setores, numa prova de solidariedade e de compreensão política a respeito do significado do movimento. Nossa organização esteve presente em todos os atos, ajudando na agitação e deixando claro para quais reivindicações a greve deve ser orientada, desde as imediatas, como aumento salarial e igualitário para todos os trabalhadores do Bahn, redução da hora de trabalho, não ao aumento da tarifa e à autonomia, melhoria na formação dos trabalhadores (cursos de língua, cursos técnicos, possibilidade de cursar universidade etc.) melhoria nas condições de trabalho, reestatização dos trens já privatizados; até as reivindicações estratégicas: não à privatização e controle por parte dos/das trabalhadores/as dos meios de transporte. Sem dúvida, essas propostas ajudaram e ajudam na orientação da greve e dão fôlego e entusiasmo aos trabalhadores.
No entanto, o caminho ainda é longo, pois, infelizmente a esquerda na Alemanha vive uma fragmentação, se não semelhante, pior do que no Brasil e somente em novembro o partido “A Esquerda” (Die Linke) se manifestou a favor da greve de forma vacilante, somente um apoio formal e verbal, e ainda assim esse apoio é resultado da pressão de muitos militantes da base do partido – a maior parte deles eram antigos militantes que, antes de uma fusão com o Die Linke, ajudaram a fundar o partido Alternativa Eleitoral Trabalho & Justiça Social (WASG) – que compreendem a importância dessa greve. Nós reivindicamos que “A Esquerda” se coloque prontamente a favor da luta dos/das grevistas e manifeste apoio real aos trabalhadores como panfletos, ajuda financeira, presença nos atos etc.
“A Esquerda” perdeu a chance de ajudar na potencialização da greve, com os seus 60.000 militantes optou por esperar as pressões da base e pratica uma política oscilante entre governabilidade e luta dos trabalhadores.
Situação atual e perspectivas
O mês de dezembro começou com um novo ritmo e potencial político para a greve, num mês em que o consumo praticamente dobra e que muitas pessoas precisam se mobilizar de um estado para outro, os trens tornam-se parte vital da economia e da vida alemã; assim, o diálogo com os grevistas por parte do governo agora se amplia e esse é mais um sinal positivo de que a greve foi um caminho acertado. Com a suspensão da greve nesse mês, o setor agora ganha simpatia por parte de outros setores do funcionalismo público que também se organizam para fazer greves, como por exemplo professores, trabalhadores da rede do serviço de energia e de abastecimento de água. Não é exagero dizer que a greve no Bahn foi o fator decisivo para influenciar esses setores e a nossa tarefa agora é ajudar a organizar esses setores, pois a ameaça de privatização aí também está presente.
A negociação agora toma rumos positivos a favor dos grevistas, apesar da truculência do governo e dos empresários. A linha adotada pelos trabalhadores do Bahn é a de que, se na primeira semana de janeiro de 2008, nada concreto em relação ao salário surgir, a greve vai continuar a partir do dia 07/01. A mídia propagandeia que se ocorrer uma greve em janeiro, é possível ocorrer muita violência, pois janeiro é o alto inverno e a população vai se voltar contra os grevistas. No entanto eles escondem que outros setores já se organizam para greves em janeiro também.
Isso deixa claro que a luta continua aqui na Alemanha!!
Notas
(1) Na Inglaterra, o processo de privatização do metrô começou de baixo para cima, literalmente, primeiro a rede ferroviária foi privatizada, depois as linhas… o que não significou modernização e melhorias, pelo contrario, o trem em Londres é talvez como o de São Paulo, ou pior.