Hotel Ruanda – o que os brancos têm a ver com isso?
Não há como ser diferente. Após assistir ao filme Hotel Ruanda todos se perguntam como tal horror foi possível. Faz 11 anos do terrível genocídio e já esquecemos de como isso pode acontecer sem que alguma coisa o impedisse.
O filme de Terry George, que já retratou em película os conflitos na Irlanda, não apela para cenas sangrentas, mas consegue passar um pouco do absurdo presente na aplicação do projeto de acabar com todos os tutsis de Ruanda. Um conflito que matou cerca de 1 milhão de pessoas em apenas três meses.
A história de Hotel Ruanda é baseada num drama real, protagonizado por Paul, um hutu gerente de um hotel de luxo em Kigali (capital do país). Paul convive com a elite branca e negra do país: militares, chefes de missões da ONU, grandes empresários e turistas maravilhados pelos safáris africanos.
Através desse personagem, o diretor explora bem qual foi o destino dos brancos poderosos em Ruanda e o terrível imobilismo dos países europeus e dos EUA. Impressionantemente, bastava uma ligação para a pessoa certa que a milícia hutu desistia de matar uma família.
O filme põe por terra qualquer versão de que as informações sobre o genocídio não estavam disponíveis para os chefes de Estado dos países ricos. Todos sabiam dos assassinatos em massa, e pior, tinham influência na milícia hutu que permitia a evacuação dos brancos do país!
Apesar dessas informações, há aspectos importantes para a compreensão do conflito que não podem ser esquecidos. A delimitação do espaço temporal apenas durante o período do massacre dificulta a caracterização mais complexa do conflito. Apesar de denunciar o papel dos brancos, o filme não esclarece as razões do conflito entre os hutus e tutsis e como tomou tal proporção.
A polarização entre os tutsis e hutus teve sua agudização a partir da colonização que inicialmente foi feita por alemães e, depois da 1ª. Guerra Mundial, pelos belgas. A forma de governo era indireta: o governo colonial dominava a partir dos chefes tribais. Os belgas reconheceram os tutsis como a elite, e isso colocou esse grupo como uma casta poderosa em Ruanda.
A hegemonia tutsi só foi revertida em 1961 quando os hutus formaram um governo depois da libertação nacional – apesar de não ter significado uma grande ruptura com o colonialismo belga. Durante o longo período de governo hutu muitos tutsis se refugiaram em Uganda.
No início dos anos 90 ocorre então a invasão do exército ugandense, liderado pelo presidente Yoweri Museveni e composto pelos tutsis. Este havia se tornado o queridinho do FMI e dos EUA no final da década de 80 quando aplicou um processo de privatização em seu país. O ex-presidente Jimmy Carter disse que Muzeveni era um dos mais importantes líderes africanos.
Os principais líderes da invasão ugandense foram treinados pelos EUA. Depois formaram a Frente Patriótica Ruandesa (RPF). Três anos após a invasão, havia mais de 1 milhão de refugiados dentro de Ruanda por causa das ações da FPR, e as vítimas principais eram os camponeses.
Instaurou-se então uma guerra civil. O presidente de Ruanda Habyarimana teve apoio de forças francesas para treinar seu exército contra a RPF. Porém em muitas ações desse exército havia a perseguição de civis.
No ano de 93, o presidente e a RPF assinam acordos de paz. Mas a guerra civil impulsionou e fortaleceu a corrente conhecida como Akazu. Esse grupo liderou o genocídio que teve seu estopim com a queda do avião onde estava o presidente Habyarimana em 8 de Abril de 1994.
O imperialismo americano, assim como a França e a Inglaterra tiveram papel central nos acontecimentos de Ruanda. Os EUA barraram todas as tentativas de intervenção da ONU no conflito. Para o governo americano o conflito acabaria com uma vitória dos seus amigos da RPF, que lhes garantiriam um governo pró-EUA. Tudo bem se isso acabaria com um saldo alto de mortes. Afinal não foi exatamente isso que aconteceu? Depois dos terríveis meses de genocídio, a RPF tomou o controle do território e empurrou a milícia hutu para o Congo.
Para sabermos exatamente o que aconteceu em Ruanda ainda necessitamos de muitas informações que a ONU e os governos imperialistas não cederam. Mas está claro que o imperialismo não ficou só imóvel frente a esses terríveis eventos, como mostra Hotel Ruanda, teve sim um papel ativo que colocou o conflito numa escala apocalíptica.