Portugal: Trabalhadores das escolas erguem-se contra a precariedade

Os trabalhadores da educação levantam-se contra a precariedade, trazendo 150 mil para as ruas de Lisboa. Novos sindicatos e métodos de luta aparecem e agitam as águas tranquilas dos sindicatos estabelecidos.

A decadência da Educação Pública e os desafios que os seus trabalhadores enfrentam diariamente

Durante as últimas cinco décadas, as taxas de insucesso académico e de abandono escolar diminuíram acentuadamente em Portugal e, hoje, metade de todos os estudantes termina um curso superior. Considerando as taxas insanas de analfabetismo antes da revolução de 1974-75, isto é louvável. Infelizmente, a percentagem do PIB concedida às Escolas Públicas também tem vindo a diminuir nas últimas três décadas e é inferior a 5% desde 2016, um número não visto desde 1995. Ainda no ano passado, o apoio estatal à Educação Especial (educação para crianças com necessidades especiais) foi cortado de forma aleatória, sem sequer haver um esforço para dar prioridade às crianças nas piores condições. Com menos fundos e menos apoio, não é de admirar que a maioria das escolas se queixe de falta de recursos para manter os edifícios cada vez mais frios e velhos ou para obter os materiais educativos e o pessoal adequados. 

Mas os recursos não são a única coisa que falta, as escolas públicas têm estado claramente com falta de pessoal ultimamente. Há vinte anos, 6000 jovens empenhados concluíam a formação de habilitação à docência… hoje são apenas 1500. Assim, o envelhecimento do pessoal docente é inevitável. Nas escolas públicas, metade deles tem mais de 50 anos de idade. Um estudo da procura e oferta de professores nas escolas públicas até 2030/2031 divulgado pelo Ministério da Educação estima que seria necessário contratar 34.500 profissionais, sendo o Ensino Médio (10-15 anos) e o Ensino Secundário (15-18 anos) os níveis de ensino mais necessitados. Ao ritmo atual, estamos muito longe de satisfazer essas necessidades, o que significa que se espera uma maior escassez de pessoal docente nos próximos anos. Para dar um exemplo, em 2021, apenas 3 pessoas concluíram a formação de habilitação à docência de Física e Química, quando a necessidade era de 104. Face ao fato recorrente de milhares de estudantes iniciarem o ano letivo com falta de professores e, portanto, sem aulas, o governo do PS (Partido Socialista) permitiu que os estudantes em Ensino e outros profissionais licenciados ensinassem, o que se traduz diretamente numa educação pública de menor qualidade.

Mas porque é que há tão poucas pessoas a querer ser professores? Vejamos, talvez a carreira estagnada e a vergonhosa precariedade possam ser a resposta. Os novos professores são confrontados com uma perspectiva de vergonhosa precariedade, sendo colocados em diferentes escolas em diferentes regiões (por vezes a 300 km de distância), em média durante os primeiros 16 anos, nunca sabendo se estarão desempregados no próximo mês de setembro ou se terão um horário completo que lhes permita um rendimento suficiente. Só então poderão entrar na escada da carreira de professores da escola pública. No topo da carreira, a idade média é de 60,7 anos, com 38,6 anos de serviço, enquanto que no primeiro escalão os professores têm uma idade média de 45,4 anos e 15,7 anos de serviço. Enquanto nas escolas primárias (6-10 anos) mais de 85% dos professores são funcionários permanentes, o mesmo não acontece nas escolas médias e secundárias onde os professores com contratos de um ano (ou menos) representam quase um quarto do pessoal. E quando finalmente se tornam permanentes numa escola e obtêm a estabilidade com que sonharam, os professores enfrentam quotas estranguladoras e estagnantes que bloqueiam a sua progressão na carreira. Infelizmente, o mesmo se aplica a todos os outros trabalhadores da educação, já que a maioria dos trabalhadores da administração pública precisaria de 120 anos de serviço para chegar ao topo da carreira. 

Ou a falta de procura para se tornar professor pode ser devida às turmas sobrelotadas e à extrema burocracia. Quando as aulas terminam ao fim do dia, os professores são obrigados a completar diariamente um fluxo interminável de tarefas burocráticas – nomeadamente, preencher plataformas e papéis, identificados por acrónimos empilhados e incompreensíveis, aos quais se acrescentam pilhas de planos, listas, ficheiros, justificações, planos de recuperação e relatórios, entre outros, sem mencionar as reuniões de pais, reuniões de grupo e as reuniões do departamento. É simplesmente impossível para um professor trabalhar apenas 35 horas por semana, como provado por um inquérito da FENPROF (uma federação sindical de professores) sobre as horas de trabalho dos professores do Ensino Básico e Secundário que mostra que eles trabalham, em média, mais de 46 horas por semana.

O Ensino Secundário e Médio são os níveis mais afetados pelas condições decadentes do ensino público e são aqueles em que as taxas de insucesso académico e de abandono escolar tendem a aumentar. Dados os sucessivos fracassos das escolas públicas, não é surpresa que algumas famílias com rendimentos suficientes prefiram pagar escolas privadas. A frequência de escolas privadas tem vindo a aumentar, com um quinto de todos os alunos a frequentar uma, tornando-se mesmo um quarto no Ensino Secundário. A educação diferenciada de acordo com o rendimento e as posses significa maiores desigualdades sociais.

É urgente investir fortemente nas escolas públicas e nas carreiras de todos os trabalhadores escolares! O grau de ensino precisa de ser livre de mensalidades e subsidiado para atrair novos professores enquanto os forma com os mais altos padrões de qualidade. O Estado precisa de fornecer bons incentivos e contratos estáveis para contratar efetivamente professores no início da carreira, reduzindo simultaneamente o número de alunos por turma e melhorando a educação para todos. Para garantir isto, os trabalhadores precisam de assumir o controle das suas escolas através de comissões escolares democráticas, juntamente com o contributo de estudantes, famílias e comunidades.

A luta dos trabalhadores das escolas irrompe

Nos últimos meses, temos assistido a uma das maiores mobilizações da última década em Portugal, liderada por trabalhadores da Educação, incluindo professores, assistentes sociais, técnicos especializados e outro pessoal escolar. 

Tudo começou em setembro passado (2022), quando o Ministério da Educação propôs alterações ao modelo de recrutamento de professores numa ronda de negociações com os sindicatos, defendendo uma gestão municipal e contratos diretos por parte dos diretores das escolas. A proposta foi mal recebida, imediatamente contestada em setembro e de novo em novembro, numa segunda ronda de negociações. A FENPROF (uma das maiores federações sindicais de professores, membro da Central Sindical liderada pelo PCP, a CGTP) declarou “Defendemos a primazia da colocação de professores através do concurso nacional de recrutamento e da sua graduação profissional (calculada com base no tempo de serviço)” e argumentou que a municipalização das escolas levaria a uma educação a várias velocidades no país, sendo cada município responsável por quanto investir em cada escola ou mesmo pela sua privatização, abrindo caminho para uma educação mais desigual, maior precariedade e salários e condições mais baixos para professores e outros profissionais da educação.

Por cima das condições miseráveis da escola e da carreira, a reforma proposta foi a gota d’água que fez transbordar o copo. A raiva sobre a reforma proposta cresceu entre os trabalhadores da educação, juntamente com as exigências de acabar com as quotas e permitir progressões na carreira, regularizar os horários de trabalho para 35 horas/semana, reduzir a distância entre a casa dos trabalhadores e a escola em que são colocados, para aumentos salariais que compensem a inflação e para a reforma antecipada. Com base nesta raiva e exigências, havia potencial para mobilizar os trabalhadores para as ruas, para mostrar ao governo que já estamos fartos da exploração e do desrespeito com que os trabalhadores da educação são tratados. Teria também reforçado a posição dos sindicatos de professores à mesa das negociações, uma vez que o governo não estava a ceder.

O movimento

A 5 de dezembro, os oito sindicatos de professores tradicionais, liderados pela FENPROF, convocaram finalmente uma manifestação, mas para 4 de março. A greve não estava em cima da mesa para estes sindicatos uma vez que as negociações ainda estavam a decorrer, com a liderança da FENPROF a argumentar que “não é um momento adequado”.  Esta atitude está de acordo com a postura habitual de negociadores que a liderança da CGTP assume. Uma estratégia errada, porque o que se consegue na mesa de negociações está diretamente relacionado com a relação de forças nas ruas e nos locais de trabalho. Os trabalhadores devem contar com a sua própria força e organização para alcançar vitórias, e não ficar apenas à espera de acordos com o Estado capitalista.

Entretanto, uma camada de trabalhadores da educação procurava uma forma mais combativa de lutar pelos interesses da educação pública. Um sindicato de trabalhadores da educação, o “STOP” (Sindicato de Todos Os Profissionais da Educação), menos conhecido e independente (não fazendo parte das centrais sindicais, nem da CGTP nem da UGT) preencheu esse espaço e tomou a iniciativa.

O STOP surgiu em 2018, liderado por André Pestana, que era ativo nas lutas pela educação desde 2013 e crítico da liderança da FENPROF. Um manifesto foi escrito e assinado por 200 professores, para um novo sindicato, “com uma forma diferente de sindicalismo, assente num processo de decisão democrático e apartidário”. 

Apesar de ser um sindicato relativamente pequeno (representando cerca de 1300 trabalhadores), o STOP apelou a “ações de greve por tempo indeterminado” a partir de 9 de dezembro, uma nova forma de luta no panorama sindical português que prolonga as greves por um período indefinido. Este modelo foi apoiado por cerca de 2000 professores numa sondagem realizada num blogue em novembro. Os trabalhadores da educação aderiram a esta greve num inesperado movimento massivo, construindo comités de greve democráticos, fechando escolas e fazendo manifestações à porta das escolas durante vários dias seguidos, em todo o país, especialmente nas Áreas Metropolitanas do Porto, Lisboa e no Algarve. Concretizando a solidariedade através da luta comum, o STOP apelou a todos os trabalhadores escolares e não apenas aos professores.

Pressionados por esta grande mobilização de trabalhadores escolares e pela pouca abertura do ministério a novos processos de negociação sobre outros assuntos relacionados com a carreira docente, os oito sindicatos de professores tradicionais acabaram também por apelar a uma greve de 18 dias, um dia em cada região (distrito) do país, a partir de 16 de janeiro, bem como a uma manifestação em fevereiro. A 17 de dezembro, uma manifestação convocada pelo STOP trouxe 20 mil trabalhadores da educação para as ruas. “Os professores a lutar também estão a ensinar” foi um dos slogans mais ouvidos na manifestação até ao parlamento português. Se 20 mil parecia muito na altura, não era nada comparado com a segunda manifestação convocada pela STOP a 14 de janeiro, onde 100 mil pessoas se reuniram, trazendo para as ruas dezenas de milhares de trabalhadores não sindicalizados. O desespero do governo foi tal que recorreu à polícia para, através de operações de paragem e busca, tentar impedir que os ônibus da manifestação chegassem a Lisboa, numa clara tentativa de sabotar a manifestação.

O governo do PS tenta iludir com concessões, mas impõe ‘serviços mínimos’

Confrontado com a força esmagadora do movimento dos trabalhadores das escolas, em fevereiro o primeiro-ministro do PS António Costa cedeu e algumas concessões foram ganhas, por exemplo: 1. manter a graduação profissional como critério principal para o concurso de colocação escolar, retirando assim a proposta de contratação direta; 2. realização mais frequente (anual) do concurso de colocação de professores (permanentes e contratados), que preencherá as lacunas imediatamente à medida que os professores mais velhos se reformarem; 3. encurtando a distância entre as casas dos professores e a escola a que se podem candidatar; 4. permitindo mais algumas progressões na carreira através do relaxamento das quotas. Mesmo assim, o governo não está a responder a nenhum dos problemas de longo prazo do ensino público, nem a aceitar as principais exigências do movimento.

O governo também solicitou ao tribunal a imposição de serviços mínimos a partir de 1 de fevereiro, mas apenas visando as ações de greve por tempo indeterminado do STOP, o que constitui um ataque direto a um sindicato. Numa declaração, o Ministro da Educação justificou este pedido com a “duração e imprevisibilidade das greves decretadas pelo STOP e as consequências acumuladas para os estudantes, no que diz respeito à sua proteção, alimentação e apoio em contextos de vulnerabilidade”. “Pais em risco de perder os seus empregos” e “danos irreparáveis aos estudantes” foi repetido por todos os comentadores na rádio, jornais e televisão, numa clara tentativa de virar os pais contra os professores. Estes serviços mínimos nas escolas, à superfície, supostamente destinados a garantir refeições aos estudantes e o cuidado de crianças com necessidades educativas especiais, na verdade, algemaram todo o pessoal escolar a horários obrigatórios, impedindo que as escolas voltassem a fechar e negando o direito dos trabalhadores à greve.

O governo também questionou a “legalidade” dos fundos de greve, tendo solicitado um parecer à Procuradoria-Geral da República e à Inspeção-Geral da Educação e Ciência para os investigar. Estes são os mesmos métodos que foram utilizados para impedir a greve dos enfermeiros em 2018 e 2019, considerada ilegal por terem recolhido fundos através de crowdfunding. A solidariedade entre trabalhadores de diferentes profissões faz tremer claramente o sistema. Também desta vez, a Procuradoria-Geral classificou a greve convocada pelo STOP como ilegal.

A necessidade de unidade 

Em resposta a este ataque ao direito à greve, uma nova manifestação foi convocada pelo STOP para 28 de janeiro, atingindo novamente perto de 100 mil manifestantes. Por outro lado, a FENPROF e os outros sindicatos tradicionais convocaram uma manifestação para 11 de fevereiro, reunindo cerca de 150 mil pessoas, o que demonstrou a vontade dos seus membros de lutar e a sua capacidade de mobilização. O STOP não fez parte da organização deste protesto, mas apelou à participação. No dia 25 de fevereiro, o STOP organizou outra grande manifestação pela educação pública. A 4 de março, a FENPROF organizou mais uma manifestação, dividida em duas cidades, reunindo 40 mil pessoas em Lisboa e outras 40 mil no Porto.

Apesar dos apelos à convergência do STOP, a luta continuou a avançar com uma plataforma de oito sindicatos liderados pela FENPROF de um lado e o STOP do outro, em competição. A divisão entre os dois sindicatos tornou-se visível especialmente na manifestação de 11 de fevereiro, quando o líder do STOP, André Pestana, realizou um comício paralelo, durante o discurso de Mário Nogueira, apontando o dedo ao líder da FENPROF, acusando-o de ter impedido o STOP de se juntar ao palco para falar. 

Uma Frente Única com todos os sindicatos apelando à greve nas mesmas datas, com o máximo envolvimento democrático e coordenação de todos os trabalhadores da educação através da expansão dos comités de greve democráticos promovidos pelo STOP, poderia ter um impacto mais forte.

Passos em frente

Apesar da vontade ainda duradoura de lutar dos trabalhadores da educação, o movimento está agora mais disperso do que no seu auge. O apelo do STOP a “ações de greve por tempo indeterminado” com duração desde dezembro, embora motivador no início, tornou-se cansativo e dispersivo, com os trabalhadores a tomarem medidas de greve em datas diferentes em escolas diferentes, na sua maioria de forma descoordenada. 

À medida que a reação do governo começa a pesar na luta, novas estratégias e abordagens estão a ser consideradas pelos sindicatos. A partir do dia 20 de março, começaram as greves convocadas pela FENPROF sobre trabalho extraordinário, trabalho excessivo, a componente não letiva e a última aula de cada professor, embora não haja dados que permitam saber quantos professores se juntaram até agora. Estão também previstas novas greves por região (distrito) entre 17 de abril e 12 de maio, juntamente com uma greve nacional a 6 de junho e uma greve às avaliações finais do ano letivo.

A 18 de março, teve lugar o Encontro Nacional das Comissões da União e de Greve do STOP, tendo sido tomada a seguinte decisão: “Face ao fato de o governo estar a conseguir praticamente destruir a nossa greve com os serviços mínimos, manteremos a greve nacional por tempo indeterminado apenas até ao dia 16 de abril (para permitir ações de luta de colegas que contam com estes nossos pré-avisos de greve). O S.TO.P. irá depois testar greves diferentes, por exemplo greve por escola numa manhã e/ou 1 dia contra falta de condições nas escolas, violência/indisciplina, amianto escolar, educação especial, escolas com falta de Profissionais da Educação, etc e/ou greve nacional/regional de 1 ou mais dias”. Entre várias propostas de ações, o sindicato encorajou a continuidade de formas locais de luta, tais como acampamentos, vigílias, marchas em frente das escolas ou em pontes. Outra sugestão foi a colocação de cartazes que envergonham Portugal em várias línguas para receber turistas. 

O STOP apela a uma greve de 1 semana, a 24-28 de abril, com uma manifestação a 25 de abril (aniversário da Revolução dos Cravos de 1974), sob o lema “Só não há dinheiro para quem trabalha!”, para unir todos aqueles que sentem a degradação dos serviços públicos e a perda do poder de compra. O apelo a uma greve nacional de educação centrada numa semana inteira é promissor, mas unidade, mobilização e coordenação são necessárias para ter um impacto real na economia capitalista. A colaboração entre trabalhadores dentro das escolas e entre escolas reforça o encerramento de escolas e mostraria o poder e a força da classe trabalhadora.

A luta das escolas é uma inspiração. Construamos uma luta todos juntos rumo a uma greve geral

De fato, a revolta dos trabalhadores da educação contra a precariedade é comum à maioria da classe trabalhadora, especialmente durante as atuais crises do custo de vida e da habitação. A forma mais eficaz de vencer o governo e a classe capitalista e recuperar os serviços públicos é através de uma luta de toda a classe trabalhadora. As lutas dos trabalhadores da educação devem servir de pilar para um movimento mais amplo que vise unir as várias lutas que se desenrolam por salários dignos e condições de vida, organizando greves coordenadas por todos os sindicatos combativos e levando à construção de uma greve geral eficaz. Os comités de greve democráticos e os fundos de greve de solidariedade formados nas lutas escolares deveriam ser uma inspiração para promover ainda mais o envolvimento de todos os trabalhadores em luta, sindicalizados e não sindicalizados, para organizar e coordenar democraticamente as greves e para que o movimento ganhe força e resista ao desgaste natural que uma longa luta pode causar.

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