Não há grandes mudanças de rumos na Educação nos primeiros 100 dias de governo

Apesar do Ministro da Educação ser do PT, o MEC tem sido um dos ministérios mais criticados pelas organizações dos trabalhadores da educação. Isso acontece porque Camilo Santana representa um projeto privatista da educação, já iniciado há alguns anos no Ceará, estado onde o atual ministro foi governador por dois mandatos. 

Ficou comum o termo “sobralizar” a educação brasileira nas bocas do PT e do PDT, incluindo a deputada Tabata Amaral, de reconhecido viés modernizante e privatista, mas também de setores privados que atuam na educação pública, em referência a Sobral – CE, maior nota do IDEB por anos seguidos. O ex-prefeito da cidade, Veveu Arruda (PT), trouxe o Centro Lemann para o sertão do Ceará: “Propus a ele (Jorge Paulo Lemann) montar o Centro Lemann no Brasil, focado na formação de lideranças educacionais, e ele aceitou. Tanto que hoje temos um centro de desenvolvimento de excelência da qualidade da educação brasileira, no interior do Ceará, cuja sede fica em Sobral”. Izolda Cela, esposa de Veveu, ex-secretária da educação de Sobral e do Ceará e ex-governadora, agora é Secretaria Executiva do MEC. Na Secretaria da Educação Básica, foi empossada a ex-secretária de educação de Manaus sob uma gestão tucana, Kátia Schweickardt. Aliás, ela foi o principal alvo da nota crítica do CNTE (Conselho Nacional de Trabalhadores da Educação) que se mostra muito preocupado com a composição do MEC e pela falta de nomes ligados aos movimentos sociais.

Revogação do Novo Ensino Médio já!

Pois é neste contexto que o principal tema da educação nesses 100 dias de governo emerge, o Novo Ensino Médio (NEM) e as mobilizações de estudantes, sindicatos e outras entidades pela sua revogação. O NEM foi imposto pelo governo golpista de Temer em 2017 com foco em uma educação meritocrática e de resultados, focada na capacitação dos estudantes como indivíduos na sua corrida por postos no mercado de trabalho – para isso reduziu-se muito as disciplinas de pensamento crítico, por exemplo. Esse projeto vem de setores privados e tem como fiadores a já citada Fundação Lemann, Instituto Ayrton Senna, Itaú Social, Todos pela Educação e Movimento pela Base, entre outras, todas entidades dos bilionários para influenciar a educação, incluindo a pública. As ideias de fortalecer as competências socioemocionais dos indivíduos, com conteúdos que vão de educação financeira a receita de brigadeiro (contrárias a conteúdos políticos e sociais), os itinerários formativos (que não chega na parte pobre do sistema educacional) e o foco na gestão das escolas (cada vez mais entregue a organizações sociais de fim privado, assim como a capacitação de professores), por exemplo, são parte importante do projeto educacional da burguesia internacionalmente.

Camilo Santana e Lula já afirmaram publicamente que não querem revogar o NEM. No início de março, foi anunciada a suspensão do cronograma de implementação para abrir publicamente a discussão em resposta aos protestos pela revogação ocorridos em todo o país. Entretanto, ele continua sendo aplicado nas escolas. Ora, não se trata de revisar alguns pontos do NEM, como o governo coloca e o Todos pela Educação elogia em consonância, mas discutir a motivação e o aspecto essencial deste projeto. Precisaremos de muita luta nas ruas para revogá-lo!

Retomando direitos e orçamento nas universidades. Quanto é suficiente?

Outras pautas da Educação tiveram pouca atenção nesses 100 dias. Importante foi o reajuste das bolsas de pesquisa e assistência estudantil, que estavam congeladas há 10 anos. Foram reajustes de 40% nas bolsas de mestrado e doutorado, 75% na Iniciação Científica, de 40 a 75% na formação de professores da educação básica e de 55 a 75% na bolsa permanência para alunos vulneráveis. Por outro lado, o número de bolsas, que caiu vertiginosamente durante os governos Temer e Bolsonaro, ainda estão sendo recompostas de forma muito tímida e, apesar de começarem a aumentar, ainda não houve nenhum anúncio formal. O mesmo em relação ao orçamento geral da educação, ainda preso a LDO votada no ano passado, mas com dificuldades de crescer dentro das disputas no Congresso e com a crise econômica que se mantém.

Ainda nas universidades, as intervenções de Bolsonaro, escolhendo reitores menos votados e aliados ao projeto da extrema-direita, foram fortemente contestadas pelas comunidades universitárias e seus movimentos. Apesar da Secretária de Ensino Superior do MEC ter se colocado simbolicamente à favor da democracia, não mexeu uma palha para revogar as atuais gestões interventoras que estão controlando 20 instituições no país. Por enquanto, existe apenas uma vontade de mudar a lei relacionada à lista tríplice, acabando com ela e dando autonomia real para que as instituições escolham livremente os seus reitores no futuro. Apesar disso, lutas importantes e pela base nas universidades têm conquistado a destituição dos interventores, como na UFRGS, UFPB, UFVJM, UFGD, entre outras.

Piso do magistério causa luta no Brasil todo

Relacionado com o orçamento, grandes lutas vêm sendo feitas pelos professores pelo pagamento do piso do magistério. Houve reajuste do piso pelo governo de 15% nesse ano e, no ano passado, Bolsonaro reajustou 33%… Entretanto, as prefeituras e estados não pagam (por exemplo, apenas 31% dos municípios pagam), incluindo diversas do PT, afirmando não ser possível pela receita deles. Os diversos sindicatos municipais e estaduais colocam essa luta como prioridade e é uma das reivindicações de greves que tem estourado em todos os cantos do Brasil.

Acaba ocorrendo um jogo de empurra-empurra em que o governo federal reajusta o valor do piso, mas não garante o pagamento, e as prefeituras e estados não pagam e jogam a culpa no governo federal. O governo federal deveria regularizar e aumentar o repasse, por exemplo através do FUNDEB, para este fim, além de outras formas, como leis, que obriguem o piso a ser pago.

Violência é sintoma da crise profunda do sistema

Os ataques violentos dentro de escolas e creche dos últimos dias, causando diversas mortes, vêm chocando o país e mostra o nível de crise social que vivemos. Esse clima de ódio vem sendo construído pela extrema-direita no mundo todo através de fóruns na internet e pelas redes sociais, mas também por Bolsonaro. Essa é a forma de atuação do bolsonarismo baseada na imposição de violência física, principalmente contra minorias. A incompatibilidade que adolescentes sentem nessa sociedade baseada na competição de todos contra todos acaba sendo canalizada da pior forma possível.

Para combater essa nova onda, é necessária uma mudança radical, sistêmica e profunda nas escolas e nas relações entre alunos, professores e todos os outros agentes. A forma como o governo federal se colocou frente a este mal vem sendo muito tímida, ainda mais que vários governos estaduais e prefeituras devem responder com mais violência, dessa vez policial. Novamente, repetir as regras e os meios da institucionalidade desse nosso sistema doente significa manter o mais do mesmo, mesmo com alguma maquiagem de mudança.

Em conclusão, os 100 dias da área de educação do governo Lula repete a principal tendência: recupera alguns pontos de direitos atacados pelo governo Bolsonaro, mas aprofunda reformas liberalizantes de longo prazo dos diversos governos. Se é verdade que vamos recuperar orçamentos, bolsas e direitos, eles são insuficientes. Enquanto isso, os setores privados, mais organizados do que nunca e com diversas faces “progressistas” e “sociais”, apoiam o governo no que é principal, o constante projeto de aprofundamento da expropriação capitalista, cada vez mais predatório nesta era de crise estrutural.

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