Precisamos construir uma resistência de massas a Trump e um partido dos 99%
Pessoas nos EUA e ao redor do mundo acordaram hoje para um dos distúrbios políticos mais chocantes na memória viva com a eleição de Donald Trump como presidente. Foi o cume de um ciclo eleitoral onde os americanos comuns levantaram-se contra o establishment político e contra os efeitos destrutivos da globalização e do neoliberalismo. Isto foi expresso tanto na esquerda, com a campanha de Bernie Sanders, que galvanizou milhões para uma “revolução política contra a classe dos bilionários”, e, de uma maneira distorcida, na direita, com a campanha de Trump.
No entanto, rejeitamos totalmente a visão – inexoravelmente defendida por comentaristas liberais, tentando desviar do fracasso estrondoso do Partido Democrata – na qual o resultado demonstra que a maior parte dos brancos da classe trabalhadora concordam com o racismo e a xenofobia de Trump. Clinton, na verdade, ganhou o voto popular por uma margem estreita. Trump só teve 47,5% do total, com dezenas de milhões dos mais pobres e mais oprimidos americanos que não votaram.
A votação de Trump é, antes de tudo, um voto contra Clinton e o establishment; era um voto para um “agente da mudança” contra um representante consumado do status quo corporativo. Muitos concordaram com seus ataques contra o “sistema manipulado” e empresas que deslocam empregos para outros países. O que tragicamente faltava era uma escolha clara à esquerda que poderia oferecer uma alternativa à sedução do populismo de direita.
A Alternativa Socialista está lado a lado com os milhões de mulheres que estão revoltadas com a eleição de um político abertamente misógino e, corretamente, o vê como um passo para trás; com os latinos que temem que as deportações em massa de trabalhadores sem documentos estejam prestes a aumentar para níveis sem precedentes; com os muçulmanos e afro-americanos que temem que o discurso de ódio de Trump vai incitar mais violência e o crescimento de uma força de extrema direita.
Nós imediatamente chamamos protestos em cidades ao redor do país para deixar claro que trabalhadores e oprimidos devem unir-se e preparar-se para resistir aos ataques da direita. Nas últimas 24 horas, temos sido inundados com pedidos de mais informações sobre nossa organização. Devemos começar hoje a construir uma alternativa política genuína para os 99% contra ambos partidos denominados pelas grandes empresas e a direita de modo que em 2020 nós não passemos por este desastre novamente.
Um choque para a classe dominante
A maioria da classe dominante vê Trump com um temperamento “inapto para governar”. É certamente verdade que a abordagem de brutamonte de Trump, de humilhar adversários publicamente e reagir a cada crítica com postagens grosseiras no Twitter tem mais em comum com os “homens fortes” das ditaduras em “Estados fracassados”. Mesmo George Bush não foi tão orgulhosamente ignorante nos assuntos internacionais como Trump. A classe dominante vê a presidência de Trump como, potencial profundamente, prejudicial aos interesses do imperialismo norte-americano, num momento em que o seu poder global está diminuindo, nomeadamente no Médio Oriente e na Ásia, desafiados pela Rússia e, especialmente, por um imperialismo chinês cada vez mais autoconfiante.
Eles se opõem fortemente à rejeição vociferante de Trump aos acordos de livre comércio e às doutrinas econômicas capitalistas dominantes dos últimos quarenta anos. Mas a verdade é que a globalização está estagnada. Seu motor de comércio tem ido parcialmente em marcha ré. A votação de Trump tem alguns paralelos com a votação do Brexit na Grã-Bretanha de sair da União Europeia no início deste ano, que também refletiu uma rejeição maciça a globalização e ao neoliberalismo pela classe trabalhadora britânica.
A classe dominante também teme que o racismo, a xenofobia e a misoginia de Trump irá provocar revolta social nos EUA. Nesse caso, certamente estão certos.
Num nível mais profundo, talvez o aspecto mais chocante desse resultado para a elite dominante – incluindo os executivos corporativos e do establishment político e meios de comunicação corporativos que lhes servem – é que a maneira como eles têm dominado a política neste país por meio do sistema bipartidário está desmoronando. Em eleições após eleições, as primárias têm sido usadas para eliminar os candidatos que não são aceitáveis aos interesses corporativos. Em seguida, o eleitorado seria deixado com a escolha de dois candidatos “controlados”. A elite empresarial pode fortemente preferir um ou outro, mas eles poderiam viver com qualquer um. Para as pessoas comuns, restava a escolha de um “mal menor” ou votar em um terceiro candidato do partido com nenhuma chance de ganhar.
Tudo isso mudou em 2016. Primeiro, Bernie Sanders levantou 220 milhões de dólares, sem ter um centavo das grandes empresas e chegou muito perto de derrotar Hillary nas primárias democratas fraudadas. Trump também foi amplamente rejeitado pela “classe de doadores” republicanos e os dois últimos presidentes republicanos e o mais recente candidato republicano o rejeitavam publicamente.
O feitiço se volta contra o feiticeiro
Nas primárias, o Comitê Nacional Democrata fez tudo o que podia para favorecer a candidata escolhida do establishment, Hillary Clinton, contra Sanders, o qual as pesquisas mostraram, consistentemente, se sairia muito melhor contra Trump. Isso mostra que uma parte significativa da eventual eleitorado de Trump estava aberta a posições da classe trabalhadora como uma verdadeira oposição ao poder de Wall Street e sua agenda de livre comércio, enquanto demandava um salário mínimo de 15 dólares, universidade gratuita, sistema único de saúde e o investimento maciço em infraestrutura verde. Mas a verdade é que a liderança democrata preferiu perder a ser amarrado a um programa que realmente dialogasse com os interesses da classe trabalhadora e dos pobres.
Vergonhosamente, a maioria dos líderes sindicais deu apoio político e milhões de dólares para Clinton nas primárias enquanto uma parte importante de sindicalistas e vários sindicatos nacionais apoiaram Sanders. Dessa forma, as lideranças sindicais ajudaram a sustentar a candidata de Wall Street contra uma alternativa a favor da classe trabalhadora.
Clinton foi mancando para a eleição geral como uma candidata das grandes empresas profundamente rejeitada. O que recebeu a maior atenção na mídia foi o escândalo dos e-mails do Departamento de Estado. Mas as contínuas revelações do Wikileaks também confirmaram em detalhes e sublinharam a imagem que Sanders tinha apontado nas primárias: Clinton era uma serva de Wall Street, que disse uma coisa em declarações privadas para banqueiros que lhe entregaram milhões e diz outra coisa em público.
Apologistas liberais tentarão culpar a classe trabalhadora branca, apoiadores de Bernie ou mesmo os eleitores de Jill Stein pelo resultado. Mas como temos sublinhado repetidamente: o Partido Democrata há muito tempo abandonou mesmo a pretensão de defender os interesses da classe trabalhadora. Durante décadas, eles implementaram ou apoiaram uma medida neoliberal após outra para “acabar com o estado de bem-estar como o conhecemos”, expandindo o encarceramento em massa, implementando o acorde de livre comércio NAFTA e revogando a lei Glass Steagall sob Bill Clinton para salvar os bancos, enquanto milhões perderam suas casas sob Obama.
Após a crise econômica de 2008 e 2009, a esquerda deu a Obama uma chance. Os democratas controlaram o Congresso e fizeram pouco para ajudar a classe trabalhadora na pior crise desde os anos 1930. Isso abriu as portas para o Tea Party mobilizar a oposição ao resgate de Wall Street e a raiva contra os políticos.
Sob pressão dos 45% que apoiaram Sanders nas primárias, os democratas adotaram a plataforma mais à esquerda em uma convenção em 40 anos. Mas Clinton passou a campanha solidamente focada na mensagem que Trump era um perigo existencial para a República e que “a América já era grande.” Doadores de Hillary não queriam que ela enfatizasse questões como o salário mínimo ou acabar com as dívidas dos estudantes por medo de elevar as expectativas entre trabalhadores. Pode-se argumentar que Hillary não tinha credibilidade como uma progressista, então o que poderia fazer? Bem, o que ela fez foi tornar Tim Kaine, que apoiou a TPP e desregulamentação bancária, seu candidato à vice-presidência, em vez de alguém como Elizabeth Warren. Ela se recusou a prometer que não iria nomear colaboradores da Goldman Sachs à sua administração. Tudo isso não inspirava os milhões de famintos por mudanças reais.
Portanto, não é surpresa que Clinton não conseguiu entusiasmar um número maior de eleitores. Nem Trump, nem Clinton obtiveram 50% dos votos. E enquanto Clinton tem uma parte muito ligeiramente maior do voto popular do que Trump, ela tem seis milhões a menos votos do que Obama em 2012 e dez milhões menos do que Obama em 2008. Enquanto isso, a votação de Trump era realmente um milhão de votos menor do que Romney em 2012!
Como a revista Jacobin salientou: “Clinton ganhou apenas 65 por cento dos eleitores latinos, em comparação com 71 por cento de Obama há quatro anos. Ela pontuou mal contra um candidato que no seu programa defendeu a construção de um muro ao longo da fronteira no sul, um candidato que iniciou sua campanha chamando mexicanos de estupradores. Clinton ganhou 34 por cento dos votos das mulheres brancas sem diploma universitário. E ela teve apenas 54 por cento das mulheres em geral, em comparação com 55 por cento de Obama em 2012. Clinton, é claro, estava correndo contra um candidato que foi gravado se gabando de agarrar mulheres ‘pela xoxota.'” Clinton também não foi capaz animar mais eleitores jovens negros, muitos dos quais ficaram apáticos na eleição. E ela perdeu em comunidades brancas da classe trabalhadora onde Barack Obama venceu com folga em ambas as eleições anteriores.
O establishment Democrata jogou um jogo perigoso nesta eleição – e eles perderam. E vai ser os trabalhadores, as comunidades de negros e as mulheres que carregarão o peso de seu fracasso.
Sanders deveria ter saído na cédula
Uma grande parte da classe trabalhadora e de classe média branca, de fato, usaram esta eleição para demonstrar a sua rejeição absoluta ao Partido Democrata e também ao establishment dos republicanos. De uma maneira distorcida, dezenas de milhões estavam procurando uma maneira de se opor à elite corporativa. Não podemos fechar os olhos para o crescimento do apoio entre uma minoria de ideias de extrema-direita, mas é revelador, por exemplo, que pesquisas mostraram que 70% disseram que a imigrantes sem documentos “deve ser oferecidos status legal” contra 25% que disseram que devem ser deportados.
É por isso que é absolutamente trágico que Bernie Sanders não esteve na cédula no dia 08. Nós pedimos para que concorresse como independente no início de setembro de 2014, quando ele primeiro levantou a ideia de uma campanha presidencial. Quando ele decidiu correr por dentro das primárias do Partido Democrata, discordamos dele aceitar concorrer pela estrutura dos democratas, mas continuamos a dialogar com os seus apoiadores sobre a forma de alcançar o seu programa e a necessidade de um novo partido.
Nossos avisos sobre as consequências de apoiar Hillary foram tragicamente confirmadas. Se Sanders tivesse continuado a percorrer todo o caminho até novembro, como nós e muitos outros defendemos, a sua presença mudaria radicalmente o caráter do processo. Ele teria certamente forçado seu caminho para os debates presidenciais e nós agora estaríamos discutindo a questão imediata de formar um novo partido dos 99% com base nos muitos milhões de votos que ele teria recebido. Esta é uma enorme oportunidade perdida.
A Alternativa Socialista apoiou Jill Stein, do Partido Verde, que recebeu pouco mais de um milhão de votos, porque ela também apresentou uma plataforma que substantivamente falou com os interesses da classe trabalhadora. A campanha de Stein tinha muitas limitações, mas, apesar disso, seu voto é um pequeno vislumbre do enorme potencial que existe para a construção de uma alternativa de esquerda e de massas.
A presidência do caos e a luta
Haverá inevitavelmente desespero generalizado em setores da esquerda e uma sensação de que todas as tentativas de fazer avançar a sociedade são inúteis. É absolutamente essencial combater esse estado de espírito. A mudança real, como Bernie Sanders apontou corretamente, vem de baixo para cima, a partir de movimentos de massa nos locais de trabalho e nas ruas.
A vitória de Trump representa o “chicote da contrarrevolução”. Haverá caos e provocações que irão impelir milhões em ação defensivas. É por isso que aqueles que estiveram radicalizados no período passado devem redobrar os seus esforços para construir um movimento de massas real por mudanças, independente do controle corporativo. Os movimentos sociais surgidos recentemente, como o Vidas Negras Importam, demonstram esse potencial.
Mas é também essencial observar que Trump irá, inevitavelmente, desapontar seus apoiadores. “Construir um muro” não vai criar milhões de bons empregos para substituir os que foram perdidos para automação e ofertas comerciais. E, embora ele fale sobre o investimento em infraestrutura do século 21, ele também está comprometido com ainda mais enormes reduções de impostos para bilionários como ele. Um movimento de massas contra Trump terá de apelar diretamente para a classe trabalhadora branca e explicar como podemos criar um futuro em que todos os jovens possam ter um futuro decente, ao invés de tentar recriar o “sonho americano” aprofundando a divisão racial. O futuro só pode ser alcançado com políticas socialistas.