A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
Irlanda do Norte: as Perturbações
Enquanto isso, um drama se iniciava na Irlanda do Norte, que iria ser ouvido por mais de 25 anos. Até o final dos anos 60 o Militant não tinha apoiadores fora da Grã-Bretanha. Felizmente, Paul Jones de Derry foi ganho para as nossas idéias enquanto estudava em Londres, um pouco antes do estalar das “Perturbações”. Quando ele retornou à Irlanda, me convidou a visitar Derry em 1969, que foi seguida por uma visita a Dublin para discutir com alguns velhos trotsquistas assim como com uma nova camada de jovens que foram trazidos à política dentro da juventude do Partido Trabalhista Irlandês.
Mesmo a Irlanda do Norte foi afetada pela onda radical que varreu o mundo em 1968. Naturalmente ela afetou mais a geração jovem. O Movimento pelos Direitos Civis cresceu em torno da nova situação ali e foi pesadamente influenciada pelo movimento internacional. E foi a juventude protestante, mais do que seus irmãos católicos, que se moveram a uma direção radicalizada. Dessa forma, apenas uma minoria dos estudantes na Queen’s University, Belfast, um ninho do movimento dos direitos civis, vinham de bases católicas.
Ainda assim três quartos dos estudantes apoiavam o movimento. Além disso, Bernadette Devlin, sob as bases de um assombroso comparecimento de 90%, ganhou uma eleição parlamentar no Meio-Ulster em abril de 1969 com os votos estimados de 6 mil fazendeiros e trabalhadores protestantes. Contudo, divisões sectárias entre protestantes e católicos, quando elas estavam sendo suavizadas entre uma nova geração, eram encorajadas por Ian Paisley e os líderes sindicais. Um movimento pelos direitos civis, que apelasse para um programa socialista e classista, tanto aos protestantes quanto para os católicos, poderiam transformar decisivamente a Irlanda do Norte nesta época.
Ao invés, a nova e emergente classe média católica, tipificada por John Hume em Derry, levavam todos os seus esforços para dirigir o movimento para conseguir uma “igualdade” para os católicos. Na base do débil capitalismo britânico, expressado nas condições sociais muito piores na Irlanda do Norte, isso apenas significaria um programa de “distribuição da miséria”. Por sua vez, isso naturalmente seria visto pela população protestante como para tirar deles para dar aos católicos. Apenas partindo de um ponto de vista inteiramente diferente, da transformação socialista da sociedade, e ligando isso com a luta do dia-a-dia de todos os trabalhadores, poderia ser possivel unificar católicos e protestantes juntos na luta contra a hierarquia sindical e os grandes negócios britânicos.
Fora deste movimento Militant foi capaz de ganhar algumas figuras importantes que iriam jogar um papel de liderança no movimento trabalhista irlandês, tanto no Norte quanto no Sul. John Throne era de antecedentes protestantes (seu pai foi líder da Ordem Laranja em Donegal) mas se tornou um socialista e se envolveu, numa posição proeminente, na luta pelos direitos civis na Associação de Defesa de Bogside, e no Partido Trabalhista Irlandês de Derry, sendo presidente dos Young Socialists. Depois de um processo de intensas discussões e trabalho junto com os apoiadores do Militant, ele se uniu a nós, jogando um papel chave na construção da influência do Militant no Norte e depois no Sul, numa época servindo no Comitê Executivo do Southern Irish Labour Party, e embora não esteja mais na Irlanda, continua a jogar um papel importante hoje. Peter Hadden se engajou no Militant enquanto ainda era um estudante na Universidade de Sussex. Quando ele retornou à Irlanda do Norte em 1971 ele jogou um papel vital tanto teórico quanto organizativo em manter a linha de continuidade das idéias marxistas, em algumas das piores condições de qualquer lugar do mundo. Outros como Gerry Lynch, Bill Webster, Manus Maguire e muitos outros bastante numerosos para menciona-los todos também fizeram uma enorme contribuição em construir uma poderosa presença marxista em torno do Militant, depois o Militant Irish Monthly.
Houve esforços determinados feitos nesta direção pelas pequenas forças do socialismo e marxismo que começou a ganhar apoio entre os jovens e os trabalhadores mais avançados. O Partido Trabalhista de Derry e os Young Socialists se tornaram um foco para trabalhadores e jovens protestantes e católicos que procuravam um novo caminho oposto ao beco sem saída de uma volta ao passado. Eles jogaram um papel crucial, em particular nos confrontos de agosto de 1969 e começo da década de 70.
Militant se opõe ao envio de tropas
A análise da situação do Militant agüentou a prova do tempo como nenhum outro grupo. Portanto, quanto tropas britânicas interviram em 1969, nos opomos a isso. Estas tropas foram enviadas pelo Secretário do Interior Trabalhista, James Callaghan, encorajado por alguns como Bernadette Devlin (depois McAllisky), que depois se opôs às tropas e se moveu para uma posição republicana. Na primeira página de nosso número de setembro de 1969, escrevíamos:
Irlanda do Norte – Por uma força de defesa unida dos trabalhadores – Retirada das tropas britânicas – Dispersão dos B-specials [tropa de choque] e facínoras especiais – Por empregos, escolas e tomada dos monopólios – Trabalhadores católicos e protestantes lutam por uma Irlanda Socialista Unida.
O artigo apontava:
Os eventos eletrizantes na Irlanda do Norte têm sacudido em suas raízes o governo Unitário de Stormont e sobressaltou em sua calma a classe dominante britânica… a população católica está longe de aceitar o mandato judicial de um governo que domina pela polícia e o terror dos Paisleistas.
Forçados a defender sua área em Bogside os trabalhadores católicos assumiram a organização e policiamento do local pelo estabelecimento de comitês de defesa. Ao mesmo tempo – e isso mais do que qualquer outra coisa e capaz de lançar o terror no coração dos capitalistas – uma seção cada vez maior começa a ver sua luta não em termos religiosos, mas de classe … (1)
No fundo, a insurreição em Derry era contra o sistema, o alongamento da fila de subsídios de desemprego, as piores habitações da Grã-Bretanha, e a miséria em larga escala. Esta raiva contra o sistema capitalista irrompeu na insurreição – e aquilo o que sem dúvida era – contra a tentativa de seus tradicionais inimigos, a polícia, de desencadear outro reino de terror entre os trabalhadores de Bogside.1
Ocupando-se dos eventos de Belfast, que estavam longe serem viciosos ou sangrentos, nós comentamos:
Com porretes e pedras em Belfast, a população católica enfrentou um cerco armado com rifles e armas de fogo. Em Derry, os trabalhadores estavam preparados antes dos dias de agosto, tirando lições das amargas experiências do ano passado. (2)
Os eventos explodiram na face da burguesia britânica, que no passado, com a “política de dividir para governar… [tiveram] sucesso em descarrilar a revolução social que se desenvolvia” no tempo da divisão. (3)
[Mas] tal é a ironia da história, o mesmo Partido Unitário, instalado como um baluarte contra o desenvolvimento da ação unitária da classe operária, está agora, por sua recusa em curvar-se a novas pressões, ameaçando desencadear um processo impregnado de perigos para o imperialismo. (4)
Pontuando os eventos em Derry, Militant explicou que
Bogside lutou com fúria contra os facínoras da polícia. Sob um pesado cerco de 50 horas, eles repeliram os ataques policiais. Isso, apesar do uso indiscriminado do letal gás CS, tirado, acreditá-se, dos estoques da polícia. (5)
Militant ouviu e apreciou realisticamente a situação que confrontava a população católica durante o cerco:
Foi nesse estágio que eles mobilizaram os B-specials, os seguidores de Paisley de uniforme, odiados pela população católica. Eles estavam carregados de 303 rifles, sub-metralhadoras e armas automáticas. Um massacre poderia se seguir, que numa comparação os eventos em Belfast seriam postos na insignificância, se o governo Trabalhista não interviesse com as tropas britânicas. Mas será fatal pensar que os soldados estão sendo usados apenas para defender a população católica do ataque dos Paisleistas e os B-specials. (6)
A burguesia temia que a instabilidade política, destruição da propriedade e o vácuo político que poderia ser criado se estourasse uma guerra civil:
Seções dos trabalhadores poderiam aprender na ação, muito rapidamente, como muitos em Bogside, a colocar a questão de classe em primeiro lugar. Portanto, mesmo enfrentando ataques sectários, o Partido Trabalhista de Derry encontrava ávidas respostas à idéia de um apelo aos trabalhadores protestantes… como absolutamente necessário para defender a área dos ataques dos Paisleistas e da polícia, e uma oportunidade para isso existia.
O chamado feito para a entrada de tropas britânicas irá se transformar em vinagre na boca de alguns dos líderes pelos direitos civis. As tropas tem sido mandadas para impor uma solução no interesse dos grandes negócios da Inglaterra e do Ulster. (7)
“Boletim das Barricadas” de Derry
Os extratos tirados no mesmo número do jornal do Boletim das Barricadas, o novo diário do Partido Trabalhista de Derry, mostrava os claros instintos de classe do melhor dos trabalhadores.
As barricadas precisam permanecer até termos certeza de que estamos todos salvos do terror estatal ou da vitimização. Não estamos defendendo as condições sociais do povo da área, os baixos salários, desemprego, má-habitação, etc. De fato, a grande parte da nossa luta é a luta contra estas condições.
Apenas porque barricadas tiveram que ser erguidas em torno da área católica de Bogside não significa que acreditamos no poder católico, isto não pode solucionar nossos problemas. As pessoas nas áreas protestantes têm o direito de defenderem-se caso sintam-se ameaçados por fanáticos católicos… O que é necessário é construir um partido que possa derrotar o governo unitário, e isso necessita de um partido trabalhista com um massivo apoio sindical… Os trabalhadores unidos num partido trabalhista com esse programa providenciarão a única solução real ao governo do terror sectário e do governo terrorista dos aluguéis, e do lucro. (8)
Apontando a solução, o Boletim declarava:
Nenhum governo unitário irá jamais ganhar a paz mandando sua força policial à área… o governo direto do Westminster não resolve nada. A incorporação dos seis condados aos 26 apenas poderia ocorrer via carnificina, e nenhuma razão poderia de alguma maneira resolver nossos problemas econômicos – de várias maneiras, elas poderiam piorar.
Todo o sistema da organização política e social terá que ser mudada – tanto no Norte como no Sul. Precisamos de um movimento de solidariedade no Sul, que lute por nós lutando contra o regime do Fianna Fail. Apenas então podemos convencer a maioria do povo protestante de que não estamos pedindo a eles para carregar o Estado Livre [i.e. a república] em suas costas. O Boletim terminava com um chamado a “Quebrar o governo Unitário! Nenhuma confiança nos Conservadores! Rumo a uma República dos Trabalhadores!” (9)
O Militant mais tarde advogou por uma
ação comum num comitê de defesa unitário (que) comece a derrotar o punho do Unitarismo Conservador. O veículo para isto é o movimento trabalhista e os sindicatos. No calor das batalhas de agosto tivemos sinais muito pequenos de que poderia ser feito se o movimento trabalhista tivesse dado uma liderança claramente classista. Em Belfast Harland e no estaleiro Wolf uma assembléia de massa de 9 mil trabalhadores, protestantes e católicos, responderam ao apelo de recusarem-se a cair nos slogans sectários e divisões. Um diretor do Sindicato dos Transportes comentou ao The Sunday Times: ‘A iniciativa veio inteiramente do sindicato – nenhum dos créditos pertencem à diretoria.’
Ao mesmo tempo, na área Ardoyne de Belfast, foi noticiado que seções de trabalhadores católicos e protestantes se juntaram para formar comitês conjuntos para defenderem suas moradias. (10)
De fato, comitês de paz desenvolveram-se rapidamente numa larga escala em East Belfast em reação ao terror sectário que percorria a cidade. Apesar de tudo, o Partido Trabalhista da Irlanda do Norte atraiu o apoio de católicos e protestantes apontando uma saída; ele ganhou 100 mil votos nas eleições gerais de 1970.
Não eram apenas os capitalistas britânicos mais seus irmãos sul-irlandeses que estavam apavorados pela tendência socialista que parecia influenciar o movimento no Norte. Eles usaram todos os esforços para derrotar o movimento. Eles foram presenteados com essa oportunidade com o completo despreparo do IRA no Norte de cumprir seu papel como defensores tradicionais da população católica. Sob a influência do Partido Comunista, a liderança do IRA, Cathal Goulding e cia, decidiram se mover em uma direção mais ‘política’ do que o IRA tradicionalista, chegando a vender suas armas. Sua incapacidade de defender a população católica de Belfast, especialmente em agosto de 69 levou à aparição dos muros de Belfast a pichação; “IRA – Eu fugi”. Isso levou a um racha no Sinn Fein e no IRA, resultando na formação dos ‘Provisórios’.
O caráter do novo IRA provisório ficou claro no jornal do Sinn Fein, An Phoblacht. Este denunciava as “políticas comunistas no estilo cubano” e o “socialismo doutrinário”.
Mesmo quando os Provisórios estavam no processo de formação, Militant criticou sua perspectiva de ação militar como o meio de retirar o exército britânico da Irlanda do Norte. Apontamos que o imperialismo britânico, diferente do tempo da divisão em 1920, poderia ser retirado da Irlanda do Norte.
Contudo, para fazer isso sob as condições então existentes, resultaria quase certamente em uma guerra civil sectária. Em tal conflito, é provável que os católicos no Norte se dirigissem para o Sul. O exército irlandês seria incapaz de impedir isso, tanto quanto seriam provavelmente mais fracos materialmente do que uma potencial força armada protestante no Norte.
Todos os paralelos tirados pelo IRA provisório (e os grupos britânicos que iam ao seu reboque) com a luta no antigo mundo colonial e semi-colonial, eram errôneos. Na Argélia, por exemplo, os assentados franceses ou ‘colonos’, totalizavam não mais do que 10% da população. A guerra de libertação teve sucesso em forçar a retirada do imperialismo francês. Os assentados também fugiram, a maioria para a França. No passado, contudo, mesmo os ‘colonos’ estavam abertos às idéias do socialismo e do ‘comunismo’. Eles poderiam ter sido ganhos para a luta pela libertação nacional se ela tivesse sido conduzida em bases socialistas e classistas, que estava longe da abordagem nacionalista da FLN (Frente de Libertação Nacional).
Na Irlanda do Norte os chamados ‘colonos’ ou ‘assentados’ eram dois terços da população! Um milhão de pessoas foram mortas na Argélia. Quantas precisariam morrer antes que a política dos provisórios se mostrasse inapropriada?
Vinte e dois anos depois, na declaração de Downing Street de dezembro de 1994, o imperialismo britânico disse – e os Provisórios agora aceitavam isso – de que não tinham nenhum “interesse próprio ou estratégico” na Irlanda do Norte. A liderança Provisória agora de fato aceita o que o Militant sempre argumentou, que não é o imperialismo britânico mais a forte oposição de uma maioria de 1.5 milhão de protestantes que se opõem à incorporação do Norte a uma Irlanda capitalista unida.
O Militant, e depois nossos correligionários em torno do que se chamava Militant Irish Monthly e agora Militant Labour (no Norte) e Militant (no Sul), argumentaram sozinhos sistematicamente por essa posição nos últimos 25 anos. Ao mesmo, Militant argumentou por uma alternativa classista e socialista. Na mudança da situação, tanto ao norte quanto ao sul da fronteira, uma real alternativa viável para a classe trabalhadora em ambos os lados da Irlanda pode emergir.
1 Militant 53 September 1969
2 ibid
3 ibid
4 ibid
5 ibid
6 ibid
7 ibid
8 Extract From “Barricades Bulletin”, Daily Newssheet Of Derry Labour Party, Quoted ibid
9 ibid
10 Militant 53 September 1969