As ideias revolucionárias de Rosa Luxemburgo

05 de março marca o 150º aniversário da proeminente líder socialista revolucionária, Rosa Luxemburgo. Este artigo, escrito para o 100° aniversário de seu assassinato em janeiro de 2019, analisa sua defesa tanto das ideias fundamentais do marxismo quanto da necessidade de uma mudança revolucionária contra uma liderança cada vez mais oportunista e reformista do SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha).

Lembrando Rosa Luxemburgo após seu assassinato, o líder bolchevique Leon Trotsky escreveu sobre vê-la falar em um congresso na Alemanha: “ela subiu à plataforma do congresso como a personificação da revolução proletária. Pela força de sua lógica e pelo poder de seu sarcasmo ela silenciou seus oponentes mais convictos”. Luxemburgo se destaca pelo formidável desafio que lançou às ideias reformistas, como uma lutadora da classe que manteve uma visão marxista e revolucionária, bem como um otimismo inabalável na capacidade dos trabalhadores de lutar e vencer, diante das traições históricas dos líderes do movimento socialista internacional na deflagração da Primeira Guerra Mundial.

Luxemburgo nasceu na Polônia, em 1871, de uma família de ascendência judaica. A partir dos 15 anos de idade, ela era ativa na política socialista e na organização de greves, também produziu uma tese de doutorado sobre o desenvolvimento industrial da Polônia sendo uma das poucas mulheres em seu tempo a concluir um doutorado. 

Entrou para o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). O SPD alemão foi estabelecido em 1875 como um dos primeiros partidos marxistas do mundo com uma base de massas na sociedade. Ao chegar em Berlim, trabalhou como jornalista e ensinou economia marxista em um centro de formação dirigido pelo partido.

Divisões no movimento socialista

Durante a vida de Luxemburgo, grande parte do movimento socialista na Europa, incluindo a Segunda Internacional – um agrupamento de partidos socialistas de diferentes países então conhecidos como a “social-democracia” – reivindicava um vínculo com as ideias do marxismo. Mesmo aqueles cuja política revisou ou abandonou completamente as análises marxistas muitas vezes, sentiram a necessidade de legitimar suas ideias, prestando um serviço ao marxismo da boca pra fora. Mas os partidos nacionais e a internacional eram fóruns contendo perspectivas e métodos marcadamente diferentes. Estas diferenças acabaram se manifestando na forma de dois campos distintos dentro da organização internacional, e foi dentro dos partidos russos e alemães em particular que estas diferenças ganharam destaque.

De um lado desta disputa estavam os socialistas revolucionários, mais significativamente os bolcheviques na Rússia, que intervieram nas lutas diárias de trabalhadores e oprimidos, sabendo que seria necessário romper com o sistema capitalista, e que a classe trabalhadora tomaria o poder econômico e político da classe capitalista. O capitalismo como um sistema inerentemente propenso a crises criaria repetidamente as condições para novas revoltas de trabalhadores, mas Lenin, em particular, teorizou que, para garantir sua vitória, era necessário estar preparado:  organizar-se em um partido revolucionário e manter o partido como uma ferramenta para lutar de forma independente no interesse de trabalhadores. Os bolcheviques viram a revolução de trabalhadores como uma perspectiva viva e procuraram elevar consistentemente a consciência das pessoas da classe trabalhadora para a necessidade de uma mudança socialista revolucionária.

Reforma ou Revolução?

Do outro lado da disputa dentro da Segunda Internacional estavam os defensores de uma visão antirrevolucionária que se cristalizou na ideologia do reformismo. Eduard Bernstein, também membro do SPD alemão, tornou-se o primeiro a dar uma expressão teórica a esta tendência. Em seu livro, Socialismo Evolucionário (1899), desafiou as observações mais profundas de Marx sobre o sistema capitalista. Bernstein afirmou que, em vez de ser um sistema inerentemente propenso a crises, o capitalismo era capaz de se estabilizar – ele tinha “meios de adaptação” que lhe permitiriam superar suas contradições e, portanto, poderia contornar a necessidade de uma mudança revolucionária e sistêmica. Ele afirmou que a classe trabalhadora não era o motor da mudança socialista, mas, em vez disso, através da organização em sindicatos e da luta por reformas, ela ajudaria o sistema capitalista a se adaptar e a evitar crises.

Somente as reformas do sistema capitalista, segundo Bernstein, com o tempo levariam ao socialismo. A busca do poder político pelos social-democratas tornou-se não mais um meio para um fim, não uma plataforma a partir da qual estimular o movimento independente de trabalhadores, mas um fim em si mesmo. É importante notar que Luxemburgo não se opôs a reformas dentro do capitalismo, defendeu totalmente uma luta da classe trabalhadora para melhorar seus direitos e condições. Entretanto, não viu essa luta como um fim em si mesmo e rejeitou a ideia de que o capitalismo como um sistema poderia ser reformado.

Rosa Luxemburgo viu no livro de Bernstein uma ruptura dramática com o marxismo que tinha implicações perigosas e de longo alcance, o que poderia ameaçar todo o movimento de trabalhadores e subverter as revoltas que ocorriam em toda a Europa. Ao escrever Reforma ou Revolução, criou uma polêmica na qual desconstruiu os argumentos de Bernstein e expôs suas fraquezas, desmentiu as ideias errôneas sobre como o sistema de crédito permitiria no futuro que o sistema evitasse entrar em crise. A crise de 2007-2008, também conhecida como uma “crise de crédito”, provou que Luxemburgo estava correta quando ela argumentava que o sistema de crédito, no qual as empresas podem acumular enormes dívidas antes de entrar em colapso, na verdade torna as crises mais profundas e destrutivas quando ocorrem.

No meio do argumento Bernstein afirmou que, qualquer que seja o caminho que cada grupo tenha previsto, eles acabaram compartilhando o objetivo do socialismo. Mas, Luxemburgo apontou, se as lutas de trabalhadores levam a reformas que enriquecem os trabalhadores ao mesmo tempo em que fortalecem o sistema capitalista, então por que o socialismo seria necessário? Como a classe trabalhadora e suas organizações poderiam ser ao mesmo tempo a semente de uma sociedade socialista e um pilar de apoio ao capitalismo? Como ela muito bem assinalou:

“…pessoas que se pronunciam a favor do método de reforma legislativa em vigor e em contradição com a conquista do poder político e da revolução social, não escolhem realmente um caminho mais tranquilo, mais calmo e mais lento para o mesmo objetivo, mas um objetivo diferente. Em vez de tomar uma posição a favor do estabelecimento de uma nova sociedade, eles tomam uma posição a favor de modificações superficiais da velha sociedade “.

As raízes do reformismo

Luxemburgo observou que estas ideias vieram de uma camada acadêmica na direção do partido que guardava seu conhecimento da teoria marxista e esperava manter o marxismo – a arma mais afiada na luta pelo socialismo – fora das mãos da massa de trabalhadores dentro do partido, sobretudo por medo de que a direção reformista fosse exposta como inadequada. As teorias de Bernstein não refletiam a perspectiva da classe trabalhadora, mas a intrusão de ideias da classe média no partido. Devido à posição social intermediária da classe média, suas lealdades poderiam ser divididas entre apoio ao capitalismo, por um lado, e hostilidade à grande burguesia, por outro.

As ideias de Bernstein acabaram expressando as esperanças fadadas das classes médias de que as contradições fatais do capitalismo poderiam simplesmente se resolver sem nenhum confronto real entre as elites (que possuem os meios de produção e embolsam os lucros do trabalho de trabalhadores) e a classe trabalhadora (que é roubada da enorme riqueza que produziu através do sistema de trabalho assalariado, e que opera mas não possui os meios de produção). Estas ideias também ganharam força, talvez menos conscientemente, entre o aparato crescente e cada vez mais burocratizado do SPD.

Mais tarde, Luxemburgo também entraria em conflito com aqueles que nominalmente afirmavam apoiar sua posição política delineada na Reforma ou Revolução, mais notadamente o principal teórico do SPD, Karl Kautsky, o chamado “papa do marxismo”. Em 1910 ela escreveu um artigo sobre a questão da “greve de massa” como um meio de luta para vencer a reforma eleitoral em oposição à classe dominante da Alemanha, os Junkers – grandes proprietários de terras com base na Prússia. Para Luxemburgo, tal movimento de greve era “uma manifestação parcial de nossa luta de classe socialista geral”.

Kautsky se opôs a esta posição, refletindo um desejo conservador de não alienar os líderes sindicais cada vez mais burocratizados e reformistas. Sua estratégia para desafiar o regime capitalista era de uma “acumulação gradual de forças” por parte do SPD em uma “guerra de desgaste”. Em última análise, isso refletia sua própria falta de confiança em uma luta de massas da classe trabalhadora e o fato de que uma grande parte do SPD estava se afastando da necessidade de uma luta revolucionária contra o capitalismo. Todas estas diferenças políticas foram acentuadas com a deflagração da Primeira Guerra Mundial.

Capitalismo e guerra

O marxismo explica como o sistema capitalista por natureza gera guerra entre nações, enraizado nas tensões entre as classes capitalistas de diferentes países. Em 1914, junto com esta perspectiva revolucionária veio uma análise sistêmica da Primeira Guerra Mundial: a guerra representou a luta das classes capitalistas concorrentes, notadamente Alemanha, Grã-Bretanha, França, EUA, Rússia e Japão para conquistar e explorar o mercado mundial para obter lucro. As classes dominantes estavam dispostas a enviar milhões de pessoas da classe trabalhadora para serem massacradas a serviço deste objetivo. Se os líderes da classe trabalhadora apoiassem a guerra, isso significaria a subordinação das organizações de trabalhadores à defesa das classes capitalistas nacionais e de seu sistema. Luxemburgo, como os bolcheviques, manteve uma firme oposição à guerra e apelou para que a revolução socialista internacional acabasse com todas as guerras.

Um sério choque de ideias ocorreu entre os socialistas revolucionários e os reformistas. A propaganda nacionalista em todos os países beligerantes difundiu a ideia de que a guerra era necessária para defender a “pátria”, no interesse de pessoas de todas as classes. Houve uma tremenda pressão sobre todas as forças de esquerda para que capitulassem a esta ideia. Mas enquanto havia formalmente um acordo entre os partidos da Segunda Internacional para se opor à guerra, na realidade Kautsky e os reformistas dentro do SPD argumentavam que não poderia haver luta pelo socialismo até que a guerra fosse concluída, e na verdade não se opuseram à guerra.

Luxemburgo deixou claro que abandonar a luta de classes era abandonar a única ferramenta que poderia ter terminado, não apenas a Primeira Guerra Mundial – o que a Revolução Russa de outubro de 1917 acabou por fazer – mas todas as guerras posteriores. Foi isso que finalmente levou Luxemburgo e Liebknecht a romperem com o SPD e se organizarem independentemente dentro da Liga Espartaquista – com o nome de Espártaco, o famoso líder de uma rebelião de escravos na Roma antiga.

Fazendo uma revolução

Em 1917, greves em massa eclodiram na Rússia, derrubando a autocracia czarista e se transformando na derrubada revolucionária do governo provisório reformista. A Revolução Russa foi um sucesso devido à liderança política dos bolcheviques. Ao contrário do SPD, eles não eram um partido que simplesmente reivindicava a adesão ao marxismo, ao mesmo tempo em que se acomodava ao sistema e abraçava cada vez mais as ideias e métodos reformistas. Desde sua criação, eles eram uma organização que se preparava para a revolução e construía uma base de massa na classe trabalhadora para suas ideias. Sua liderança e seus quadros eram lutadores reconhecidos e testados que tinham desenvolvido coletivamente uma experiência inestimável na luta contra o czarismo e o capitalismo na Rússia no início do século XX.

Talvez a maior tragédia da vida de Rosa Luxemburgo tenha sido o fato de ela não ter construído tal organização na Alemanha, ou mesmo na Polônia, onde ela também foi politicamente influente. Ela foi sem dúvida uma lutadora corajosa e uma voz articulada no combate à degeneração reformista do SPD no período antes da guerra. Entretanto, suas ideias não tinham uma expressão organizacional, na forma de uma tendência genuinamente marxista que poderia ter construído uma base importante entre os setores avançados da classe trabalhadora alemã. Foi somente durante a guerra em si, e mais tarde com a fundação do Partido Comunista Alemão (KPD) em dezembro de 1918, que ela tentou corrigir isto. Apesar de atrair destacados combatentes revolucionários de classe, a KPD era muito inexperiente e não tinha apoio suficiente na classe trabalhadora alemã para desempenhar um papel decisivo de direção.

É claro que as críticas acima mencionadas a Luxemburgo precisam ser colocadas em seu contexto histórico. O papel essencial de um partido socialista revolucionário distinto na luta pelo socialismo não foi demonstrado na prática até a Revolução Russa de 1917. Antes disso, parecia à maioria dos marxistas que o SPD alemão era a organização modelo para os trabalhadores desafiarem o capitalismo.

Lições para hoje

Hoje a contradição entre a necessidade de mudança socialista e o baixo nível de consciência e organização entre os trabalhadores só se tornou mais forte. A crise econômica de 2007-2008 mergulhou o capitalismo global em uma longa recessão e marcou novos ataques aos salários e às condições dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo precipitou um aumento de trabalhadores que travaram lutas sindicais para defender empregos, salários e condições. Cada vez mais, trabalhadores e jovens estão buscando soluções e estabelecendo conexões entre problemas imediatos, tais como cortes nos serviços públicos, moradia inadequada e aumento dos custos de vida, e o próprio sistema. Esta onda de radicalização também encontrou expressões políticas em novas formações de esquerda ao redor do mundo e enorme apoio para Jeremy Corbyn na Grã-Bretanha, Bernie Sanders nos EUA, Melenchon na França. O problema de como um partido de trabalhadores deve ser estruturado, e como melhor nos organizarmos para lutar pela mudança socialista, é um problema que permeia a experiência dos anos desde a crise.

Junto com a austeridade e os ataques a trabalhadores tem sido uma tentativa de acabar com os direitos das mulheres, das pessoas LGBTQ+, de migrantes e de grupos étnicos, com figuras como Donald Trump culpando falsamente grupos oprimidos pela erosão dos padrões de vida e dos salários, ao invés do sistema. Uma importante tarefa de um partido socialista revolucionário hoje é atuar como memória da luta de classes e reorientar a luta para seu legítimo objetivo. A abordagem de socialistas revolucionários é traçar as raízes de todos os ataques contra trabalhadores, assim como toda a opressão, ao sistema capitalista e seus representantes, e ao fazê-lo, construir solidariedade e um movimento unido para a transformação socialista da sociedade.

As lições que devem ser aprendidas das ideias de Rosa Luxemburgo, e também dos acontecimentos que definiram sua vida e morte, são muitas. As pressões para capitular às ideias conservadoras e nacionalistas, e para adotar sem críticas a abordagem do “mal menor”, limitando nossas aspirações a uma versão mais amena do capitalismo, ainda são muito reais para os socialistas, e são ideias que uma nova geração de trabalhadores enfrenta hoje. A pressão para não enxergar a capacidade de trabalhadores de se libertarem das restrições e lideranças traiçoeiras do passado, particularmente entre suas novas gerações, pode levar ao abandono do marxismo e das ideias revolucionárias. O assassinato de Luxemburgo e o fracasso da Revolução Alemã levantam a questão de como a história poderia ter se desdobrado se houvesse uma forte direção revolucionária com raízes em toda a classe trabalhadora, unida em uma organização forte e dinâmica, democraticamente centralizada. O imperativo absoluto de tal partido e da Internacional é deixado claro pela tragédia de 1918/19.

Em seu último texto, Rosa Luxemburgo lançou um aviso à classe dominante e aos líderes do movimento de trabalhadores que cooperam com eles para minar a atividade revolucionária da classe. Suas palavras imortais soam com força renovada:

“Seus tolos lacaios! Sua ‘ordem’ é construída sobre a areia. Amanhã a revolução ‘se erguerá de novo, empunhando suas armas’, e para seu horror ela proclamará com trompetes resplandecentes: eu fui, eu sou, eu serei!”