A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
A tempestade se aproxima
Em 1989 todos os sinais apontavam para o enfraquecimento de Thatcher e a divisão do seu governo. Isso foi revelado na dramática renúncia de Lawson em outubro de 1989. Nós dissemos:
Thatcher enfrenta a mais profunda crise em sua década de poder.Ela pode se gabar de ser o primeiro ministro mais impopular desde que as pesquisas começaram. Seu Chanceler renunciou e até seu entrevistador de TV favorito, Brian Walden, persiste em fazer perguntas embaraçosas sobre sua saída. (1)
A verdadeira razão para a renúncia de Lawson foi que ele podia ver as conseqüências das políticas suas e de Thatcher e da catástrofe econômica que se aproximava. Chamamos a atenção para isso antes da divisão de Lawson com Thatcher.
Lawson pulou fora do barco porque entendia que uma recessão estava próxima e que também provavelmente os dias de Thatcher estavam contados. Depois ele comentou que o poll tax também foi um importante fator em sua decisão de renunciar. Disse que sempre se opôs ao poll tax, mas manteve seu próprio conselho apesar do sofrimento que infligia à milhões de trabalhadores na Grã-Bretanha. Uma coisa estava clara: a renúncia de Lawson foi recebida entusiasticamente pelos trabalhadores que viram uma oportunidade de desfazer-se de todo o governo.
Contudo, a direção do Partido Trabalhista era incapaz de entender a crise do capitalismo mundial e com isso a divisão da camarilha de Thatcher. Em 1989 eles se voltaram ainda mais decisivamente para a direita. Neil Kinnock numa reunião do NEC declarou sem medo:
Ele (o capitalismo) é o sistema que vivemos e que temos de fazê-lo trabalhar mais eficientemente, com mais justiça e com mais êxito no mercado mundial. Disto é o que se trata no revê da política e devemos rejeitar qualquer tipo de socialismo ingênuo à maneira de uma simples lista de compras. (2)
O congresso do Partido Trabalhista em outubro de 1989 deu sua aprovação às idéias de Kinnock, que foram elaboradas primeiro por John Smith e agora por Blair. O GMB na verdade submeteu a resolução ao congresso que deu à executiva nacional (NEC) poderes para reduzir o voto em bloco dos sindicatos e tirar ainda mais poderes de decisão das mãos do congresso. Nós nos opomos a isso – ainda éramos capazes de ser representados nos congressos do Partido Trabalhista em número significativo.
Um incidente mostrou o quão longe a direita afastou o congresso do Partido Trabalhista da massa do povo trabalhador do lado de fora. Christine McVicar do partido de Glasgow Shettleston foi vista por milhões nos noticiários da TV quando ela atirou seu livro de pagamento poll tax da tribuna do congresso. Não foi apenas um gesto individual. Ela moveu uma resolução chamando o Trabalhismo a apoiar a campanha de não-pagamento de massas. Ela desafiadoramente declarou à conferência:
Sem os sindicalistas de Tolpuddle e as sufragistas quebrando a lei, nós não estaríamos aqui neste congresso… Estou rasgando meu livro poll tax não como um individuo mas como parte de uma campanha de não-pagamento massivo. (3)
Ela encontrou aplausos dos elementos socialistas no congresso, e zombarias dos MPs direitistas e outros. Neste congresso o Militant era ainda capaz de atrair 200 delegados e visitantes para seu tradicional encontro público onde £1.723 foram coletados para o fundo de luta. Contudo, a direita consolidou seu controle em novembro com a remoção de Hannah Sell da executiva nacional do Partido Trabalhista.
LPYS reprimidos
Isto de fato marcou o fim dos Labour Party Young Socialists. O congresso de “juventude” que ocorreu em 1989 foi um congresso dirigido pela mesa e falsificado sob o firme controle e dominação da direita. 132 delegados votantes e 46 não-votantes atenderam. Os LPYS atraim regularmente mais de 2 mil membros jovens do partido a este congresso. Os planos da direita quase se despedaçaram quando foi descoberto no último momento que seu candidato favorito, Hayley Sadler, não era nem mesmo membro do Partido Trabalhista!
Através de manobras descaradas Hannah Sell foi substituída por Alan Parry de Knowsley Sul. Os temas do congresso eram: Você precisa pagar o poll tax, tomar parte na campanha de não-pagamento em massa é irresponsável; Você não pode construir ligações diretas com a juventude nas townships na África do Sul; e O mercado tem muito a oferecer aos jovens. Os futuros movimentos da juventude seriam canalizados para fora do Partido Trabalhista. Esta foi a conseqüência da sabotagem dos LPYS pela direita malévola.
Os 25 anos do Militant
Em outubro, a resistência contínua e o fortalecimento do Militant resultou na produção de um vídeo especial de 47 minutos marcando os primeiros 25 anos do Militant. Foi um empreendimento de sucesso e foi usado inúmeras vezes como material de pesquisa para outros documentários e programas sobre o Militant.
1990 foi o início não apenas de um novo ano mas de uma nova década. Animados pelo boom de Reagan nos anos 80 e reforçados pelo colapso dos regimes stalinistas no Leste Europeu os porta-vozes do capitalismo anunciaram “o triunfo final” de seu sistema. O Independent declarando que a recuperação do novo ano denotava “confiança que – como sistema – o capitalismo é vencedor” (5). Seis meses antes o órgão do capital financeiro americano, o Wall Street Journal, comentou sobre a competição entre o capitalismo e os regimes “comunistas” no Leste Europeu, declarando simplesmente: “Nós ganhamos”. Thatcher adicionou: “A lição dos anos 80 é que o socialismo falhou.” Militant, ao contrario, afirmou que “não obstante a orgia do triunfalismo capitalista, a década que agora começa será um dos mais convulsivos períodos da história humana.” (6)
Isso não era uma fé cega. O marxismo é a ciência de perspectivas, originada de uma análise sóbria e objetiva da sociedade, que permite a seus adeptos traçar um perfil preliminar de como os eventos provavelmente se desenvolvem. Os marxistas em torno do Militant, se baseando nas análises de Trotsky, anteciparam totalmente a revolta dos povos do Leste Europeu que se desdobrou no final de 1989. A perspectiva levantada no verão de 1989 na Militant International Review era que: “Alemanha Oriental pode muito bem ser o primeiro desencadear de levantes por todos os estados stalinistas.” (7)
Contraste isso com um dos mais perspicazes escritores, John Lloyd, no Financial Times:
A Alemanha Orienta não tem movimento de massa no horizonte… Tchecoslováquia não pode permitir questionamentos da origem de sua legitimidade na invasão soviética de 1968… A Hungria enfrenta dissidentes, mas não um levante proletário. A Bulgária ira introduzir reformas no estilo soviético, sem o caos do estilo soviético ou flertar com a democracia. Romênia e Albânia estão presas no aço. (8)
Isso não foi escrito no inicio dos anos 80, mas três meses antes do fim de 1989! A revolta dos povos destes estados era inevitável. O que era difícil predizer a forma exata que tomaria e o resultado provável que teria.
Numa conferência internacional no outono de 1989, o Militant também deu atenção às nuvens de guerra que se aproximavam no Oriente Médio. O ditador iraquiano, Saddam Hussein, construiu um poderoso regime militar mas também enfrentava contradições internas colossais. Não era a primeira vez na história que uma ditadura militar procurava uma saída na guerra. O alvo mais provável para isso, nós estimamos, era uma disputa militar com Israel, o estado cliente do imperialismo. Ao invés disso, Saddam virou sua atenção para o Kuwait.Apesar disso antecipamos as linhas dos desenvolvimentos prováveis.
Perspectivas para o capitalismo
A grande maioria dos adivinhos econômicos olhava para uma continuação do boom à medida que o mundo entrava nos anos 90.Mas, apesar dos “Reaganomistas” e da conversa fiada superficial do Thatcherismo, o capitalismo, como Marx demonstrou mais de 100 anos antes, era incapaz de superar suas contradições inerentes. A razão fundamental porque a crise é inevitável é que a classe trabalhadora jamais pode comprar de volta o produto total de seu trabalho porque seus salários apenas representam uma porção do que eles produzem. A parte do produto que vai para a própria subsistência dos trabalhadores é chamado por Marx “o produto necessário”.O que os trabalhadores produzem além disso é o “produto excedente”.
O capitalismo mantém seu impulso pondo este excedente de volta na produção, em fábricas, matérias primas, etc. Mas o lucro dos capitalistas vem do trabalho não pago da classe operária. Quando os lucros aumentam e são investidos em novos equipamentos, num certo estágio precisa ser usado para produzir mais bens de consumo. Mas os trabalhadores não recebem salários suficientes para comprá-los, o que resulta em “superprodução”, que é a recessão, que na época moderna se expressa através do “excesso de capacidade”.
Uma expressão do parasitismo do capitalismo mundial é que o “excesso de capacidade” é uma característica de todos os países industriais avançados, mesmo durante o boom dos anos 80. Completamente cegos ao funcionamento de seu sistema, os “experts” econômicos da classe dominante, como o Financial Times, estavam quase eufóricos no início da nova década: “A morte do comunismo significa que toda a Europa se tornará uma superpotência mundial com uma Alemanha Unificada como engrenagem.”
Militant pelo contrário apontava que:
Não há possibilidade de um ‘Plano Marshall’ para o Leste Europeu que ajude a sustentar o capitalismo mundial por mais 2 ou 3 décadas… os economistas capitalistas mais sérios já prevêem uma recessão. Muitos rezam para que seja um ‘pouso suave’. Mas não se pode excluir um ‘pouso brusco’ – com efeitos sérios nas condições de vida da massa da classe trabalhadora – se desenvolver cedo nesta década. É improvável que haja imediatamente uma crise drástica como em 1929-33, mais que seja uma descida lenta na taxa de crescimento ou uma pequena recessão. (9)
Portanto era o Militant, defensor de um marxismo “ultrapassado”, que era capaz de calcular corretamente as tendências do capitalismo mundial. Precisar o tempo dos processos econômicos é difícil, se não impossível, mas claramente no inicio de 1990 previmos uma recessão econômica mundial, que veio muito mais cedo que nós, ou os poucos economistas burgueses que a anteciparam, esperávamos. Qual era o efeito nos recentes eventos tumultuosos na classe trabalhadora? Nós respondemos que
“O efeito dos eventos do Leste Europeu na visão e consciência da classe trabalhadora tem dois lados. As ilusões no capitalismo dos trabalhadores destes países e mesmo os da URSS (pode resultar)… num retorno ao capitalismo na Polônia e Hungria. Na Alemanha Oriental há agora um apoio generalizado pela ‘reunificação’, mesmo que signifique um retorno ao capitalismo”. (10)
Mas, argumentamos, o outro lado do processo foi o exemplo dado ao povo trabalhador de todo o mundo do que os movimento de massa são capazes. No Muro de Berlin na virada do ano uma faixa foi levantada: “Escute mundo, o povo está chegando.” Nós comentamos:
A idéia fermentará nas mentes dos trabalhadores do Oeste – se os trabalhadores de Praga, Bucareste e Berlin puderem derrubar os tiranos lá, talvez possamos derrubar nosso governo dos ricos aqui. (11)
Não tivemos que ir muito longe no novo ano para ver este prognóstico realizado na Grã-Bretanha. O poll tax foi o gatilho que alterou a paisagem política do país e estabeleceu um parâmetro para os quais todas as formas futuras de luta seriam medidas. Muito poucas pessoas fora de nossas fileiras tinham esta opinião no inicio de 1990.
1 Militant 967 3.11.89
2 Militant 944 12.5.89
3 Militant 964 13.10.89
4 ibid
5 The Independent 8.1.90
6 Militant 976 19.1.90
7 Militant International Review Summer No 41 1989
8 Financial Times 14.10.89
9 Militant 976 19.1.90
10 ibid
11 ibid