A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994

Se atrevendo a lutar

O problema para a nova liderança trabalhista era que enquanto eles queriam ir para a direita, dentro da classe trabalhadora e entre os elementos socialistas mais conscientes, a tendência era claramente rumo à esquerda. Acontecimentos em Liverpool e uma série de movimentos sindicais durante 1983 na qual o Militant se destacou, foi uma expressão irrefutável deste sentimento. A épica batalha de Liverpool, entre 1983 e 1987 está totalmente documentada em nosso livro Liverpool a cidade que se atreveu a lutar.

A massiva demonstração de mais de 20 mil pessoas que marcharam por Liverpool em novembro de 1983 refletiu a poderosa militância que se espalhava pela cidade nesta época. O comparecimento excedeu todas as expectativas. Diferente de outras demonstrações, milhares apareceram com antecedência. Muitos viajaram para a demonstração nos ônibus da cidade que estavam livres, o resultado de um gesto não oficial de apoio dos motoristas. No comício de Pier Head após a demonstração, Tony Mulhearn declarou que foi

a maior demonstração local que já vimos desde a luta contra o Ato de Relações Industriais de Heath – de fato o maior desde a guerra. E penso que é uma indicação clara para o governo Conservador e a classe dominante de que seria um erro desafiar Liverpool. É uma clara mensagem para Thatcher e seus apoiadores. Aqui é o seu ponto final! (1)

Tony Benn pontuou que “quando a velha geração viu os manifestantes eles viram os LPYS e o Partido Trabalhista o qual se uniram nos anos 20 e 30”. A câmara em preparação para o dia produziu 10 mil boletins e o diretório do Partido Trabalhista também distribuiu 180 cópias do seu jornal, Not the Liverpool Echo. Derek Hatton chamou por uma greve geral municipal em apoio à Câmara de Vereadores e Eric Heffer, MP por Walton, chamou por uma ação extraparlamentar.

Isso ocorria enquanto o governo Conservador preparava medidas brutais para esmagar o poder organizado da classe operária, e em particular os mineiros.

Este alerta foi sublinhado pela decisão de Eddie Shah, o dono da Stockport Messenger, na planta de Warrington, para esmagar a Associação Gráfica Nacional (NGA). Sob o Ato de Emprego dos Conservadores de 1982 o sindicato enfrentou o seqüestro por desafiar um julgamento judicial de multa-lo em £50,000. O piquete de massas e o ataque brutal da polícia enraiveceram os trabalhadores que chegaram como uma enxurrada de todas as partes do país para ajudar os gráficos. Brigas regulares se desenvolveram entre as massivas fileiras dos trabalhadores e a fortalecida policia que estava defendendo Shah, um amigo de Thatcher. Numa edição especial o Militant declarou:

As luvas estão tiradas. A classe dominante saiu para destruir o sindicato dos gráficos, a Associação Gráfica. £175,000 dos fundos do sindicato foram confiscados agarrados pelas ordens de um juiz bem instruído… Todos os três sindicatos gráficos: SOGAT 82, NUJ e NGA tem ações legais contra eles… A classe trabalhadora precisa ser vitoriosa. (2)

Contudo, o chamado do Militant por uma greve geral de 24 horas organizado pelo TUC foi desconsiderado. Arthur Scargill, virtualmente sozinho entre as lideranças sindicais, chamou por uma ação decisiva:

Em meio a tempestuosos aplausos (numa reunião em Birmingham com 500 mineiros, ferroviários e metalúrgicos), (ele) chamou o TUC e o Partido Trabalhista a mostrar a mesma dedicação e compromisso ao NGA e a nossa classe como os Conservadores mostram para sua classe, incluindo a organização dos maiores piquetes que já se viu. (3)

Ele também ecoou a demanda do Militant por uma greve geral de 24 para defender o NGA.

TUC – Nenhuma ação

Essa greve foi a primeira em uma série de retiradas maiores que minaram seriamente o poder de resistência da classe trabalhadora organizada através de seus sindicatos. Mas poderia ter sido uma grande vitória.

Apesar do fato de que os Conservadores, no jeito normalmente brutal de Norman Tebbit, tenham deixado claro que eles pretendiam ‘neutralizar’ os sindicatos, o TUC não fez nada. Shah recebeu apoio aberto da Associação dos Donos de Jornal, do direitista Instituto dos Diretores, da polícia e de toda a sociedade ‘oficial’. Apenas os líderes sindicais direitistas como Bill Sirs da Confederação do Ferro e Aço, e Terry Duffy do AUEW pediram aos gráficos a “permanecer dentro da lei”. Isso encorajou Shah e as forças do estado capitalista a esmagar a greve. Cenas viciosas eram vistas fora da linha de piquete. Os gráficos foram derrotados em Warrington e o ingrediente principal desta derrota foi o papel da liderança direitista do TUC. Nós declaramos:

Uma derrota já é ruim o suficiente – mas o que faz desta a mais amarga é a rendição abjeta e vergonhosa da direita do TUC e de seu secretário geral, Len Murray, sem nem mesmo pôr resistência às leis de classe dos Conservadores… O NGA foi mesmo multado em mais de £650,000, incluindo a maior multa na história legal britânica, e sofreu um mandato por danos em excesso de £3 milhões. Milhares de donos de jornal foram fazer fila nos tribunais de justiça. (4)

Militant argumentou por uma greve de todos os gráficos em vista de tais ataques. A maioria dos patrões tinha medo de tal ação, como foi mostrado pelas conversas secretas de Robert Maxwell com Shah durante a disputa. Quando a possibilidade de uma greve geral se aproximava, Maxwell, o dono do Mirror, pôde apenas comentar: “Deus nos ajude”. Enquanto criticava a direita do conselho geral, Militant também chamava a esquerda para tomar uma ação efetiva:

o conselho geral do TUC, com sua maioria de direita, não reflete o verdadeiro balanço do poder sindical dentro do movimento. Os líderes de esquerda do TUC, portanto, aqueles que apóiam o NGA, precisam agora se preparar para se organizar fora da estrutura do TUC. (5)

Militant torna modismo

Tal aviso chamou a atenção para a abdicação da direita em liderar Warrington, e poderia levar a uma estratégia de mobilizar um apoio de esquerda, como preparação para as batalhas a vir. Ao invés, o governo, encorajado, decidiu por na ilegalidade os sindicatos no GCHQ em Cheltenham. Ocorreram passeatas de massa, mas de novo o conselho geral do TUC recusou elaborar uma política combativa e ativa para derrotar o governo. A cobertura da mídia e da imprensa sobre o Militant por todo o ano de 1984 foi intensa. “Militant” e “Tendência Militant” se tornaram um modismo e algumas vezes eram usadas indiscriminadamente para denotar qualquer desafio às autoridades aceitas.

Em sua novela, Primeiro entre Iguais (publicado em 1984) até Jeffrey Archer não pôde resistir de entrar em ação. Lidando com um MP “mítico” em Edimburgo ele escreveu: “Seu Comitê Geral de Gerenciamento, que agora inclui cinco membros da Tendência Militant, apresentou uma moção de nenhuma confiança em seu membro”. (6)

O jornal da União Nacional dos Jornalistas dava a impressão que o Militant estava em todo o lugar:

A TV Central estava filmando o piloto de uma nova série de comédia no meio de Nottingham. A série chamada de Herança de Tolpuddle é sobre imaginários eventos num sindicato imaginário e é estrelado por Brian Blessed. Um grande grupo de atores segurando cartazes e placas estavam realizando uma demonstração simulada no meio da rua quando um cara apareceu e tentou vender a eles cópias do Militant. (7)

Até mesmo um disc jockey da BBC comentou:

“uma das razões porque Frankie vai para Hollywood e é um sucesso tão grande é pelo fato de que ele foi banido; é como a Tendência Militant – você bane ele e ele se torna mais popular.” (8)

Os apoiadores do Militant eram encontrados nos lugares mais inesperados e em todas as idades:

Neil Kinnock deve ter ficado um pouco embaraçado essa manhã quando ele aprendeu a identidade de inocentes crianças de 7 anos que foram recentemente receber o 2º lugar numa competição organizada pelo Trabalhismo para crianças que foram retiradas do Serviço de Saúde. O prêmio de £30 foi para um Daniel Walsh por seu estudo das crianças esperando pelo exame de raio X. Acontece que ele é o filho de Lynn Walsh, que foi expulso do Partido Trabalhista no Congresso de Blackpool no ano passado, por suas atividades como editor do semanário trotsquista, Militant. Perguntado sobre o que ele faria com o prêmio, Daniel, contou sua mãe – embora não com gratidão, sr. Kinnock – “Um grande rastreador, um espirógrafo e meu pai de volta no Partido Trabalhista.” (9)

Mesmo o figurão Conservador e cunhado de Virginia Bottomley, Henry Bottomley, expressou uma simpatia passiva: “Algumas pessoas consideram-me de direita. Mas de fato, embora a Tendência Militant tenha algumas idéias estranhas eu concordo com várias delas – pelo menos, sou tão simpático quanto for possivel.” (10)

Mas a mais segura indicação de que o Militant tinha ‘chegado’ foi mostrado numa questão de um teste escolar nacional (GCE A Level) de junho de 1984: “Considerar o papel, políticas e a importância dos seguintes:” entre os sujeitos estava listada “a Tendência Militant” (11)

Também, durante a pressão dos mineiros ao Parlamento durante a greve o seguinte diálogo teve lugar na Câmara dos Comuns:

Sr John Stokes (Halesowen e Stourbridge): Questão de ordem, sr. Orador. Você está certo de que os mineiros grevistas estão no terraço nas Casas do Parlamento e estão vendendo um jornal que eu acredito se chamar Tendência Militant? Está correto?

Sr. Orador (Sr. Harold Walker): Esta é uma questão que deve ser vista pelas autoridades apropriadas.

Sr. Kaufman: Talvez o honorável. Os Cavalheiros devem se preocupar em descer para o terraço, para que possam aprender algo a fim de ampliar seus pontos de vista. (12)

BLOC

Nestas circunstâncias o Militant, com uma poderosa e crescente influência em muitos sindicatos, tomou a iniciativa, com outros grupos de esquerda, em organizar o Comitê Amplo de Organizações de Esquerda (BLOC). Algumas 20 ‘Esquerdas’ organizadas em escala nacional e algumas com bases regionais juntas fizeram um chamado para uma conferência a ter lugar em 24 de março de 1984. Esta conferência, que atraiu mais de 2,200 delegados, realizado no Centro de Sheffield’s Oxendon e foi a mais vitoriosa reunião das fileiras sindicais desde o ‘Comitê de Ligação para a Defesa dos Sindicatos’ organizado pelo Partido Comunista nos anos 60 e 70. Tony Benn foi aplaudido quando agradeceu todos os “propagandistas volantes” que foram a Chesterfield para ajudar a assegurar sua recente vitória eleitoral. Ele também sublinhou os ataques aos direitos democráticos pelo governo e chamou pela defesa das Câmaras como a de Liverpool. Ele disse: “O futuro reside com o socialismo – e como tal precisamos construir nossas forças. Neste sentido não queremos sectarismo ou caça-as-bruxas. No movimento precisamos argumentar nossa posição, não nos denunciar ou nos expulsar”. (13)

Tal era o entusiasmo que duas reuniões transbordantes tiveram que ser reorganizadas. Perto de 500 pessoas que apareceram esperaram até o último minuto tiveram que voltar; não havia mais lugar. Um setor da conferência, a maioria vinda de grupos ultra-esquerdistas, declarou que as fileiras do movimento estavam “desmoralizadas” e que a classe trabalhadora estava indo para a direita. Algumas mesmo argumentaram que portanto era errado construir uma Esquerda Ampla em tal período. Isso foi respondido por muitos apoiadores do Militant, como Alistair Tice do NUPE, que explicou que certamente os membros dos sindicatos tinham se reduzido, mas isso era principalmente pelo desemprego em massa, diferente dos anos 30 quando os sindicalizados caíram pela metade devido à desmoralização dos trabalhadores comuns. A conferência teve um poderoso efeito, com trabalhadores representando todas as áreas do país e da maioria dos sindicatos.

1 Militant 677 25.11.83

2 Militant Special Issue 25.11.83

3 Militant 679 9.12.83

4 Militant 680 16.12.83

5 ibid

6 Jeffrey Archer, First Among Equals, P283

7 The Journalist January 1984

8 Quote From A Radio One DJ, Printed In Militant 692 23.3.84

9 Daily Telegraph 26.1.84

10 Mail On Sunday 13.5.84

11 Joint Matriculation Board GCE ‘A’ Level British Government And Politics Paper Ii, June 1984

12 Hansard 27.6.84

13 Militant 693 30.3.84