A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
Um governo trabalhista – mas onde está o socialismo?
Depois dos selvagens ataques da classe trabalhadora sob o governo conservador, um certo alívio foi sentido por ela com a eleição do governo Trabalhista. Acima de tudo, havia um sentimento determinado pela implementação de políticas radicais. Isso foi demonstrado no congresso e comício do LPYS na páscoa de 1974. Tony Benn abriu a conferência e
louvou o trabalho dos LPYS na campanha eleitoral, especialmente a decisiva intervenção de 400 Young Socialists no setor chave do sudeste de Bristol. Ele expressava a gratidão do partido local… Ele disse que os conservadores tentariam neutralizar o governo trabalhista e exercer pressão para a formação de um governo de coalizão nacional. (1)
Nesta conferência, Nick Bradley, o candidato Militant para o LPYS de Deptford, foi eleito como representante desta no NEC do Partido Trabalhista por 143 votos, com seu rival mais próximo, Rose Digiorgio, recebendo apenas 18 votos. Todas as reuniões estavam cheias, indicando que os LPYS eram a mais forte organização de juventude, mão apenas na Grã-Bretanha mas – politicamente – em toda Europa Ocidental.
Na Grã-Bretanha, seguindo-se à eleição do trabalhismo, os operários pressionavam na tentativa de assegurar a implementação das reformas que foram prometidas. No Serviço de Saúde, por exemplo, no Hospital Charing Cross, o ramo do NUPE agiu para proibir ‘práticas privadas’. Isso representava uma tentativa de prender o braço da ministra de saúde Barbara Castle, mas reduziu o porta-voz conservador à apoplexia. Militant reportou: “Quase 110 hospitais no Nordeste e em muitos outros em Yorkshire e Manchester tem operado para banir pacientes privados.” O artigo pontuava:
O que tem causado um tremor em suas espinhas foi que estes trabalhadores tomaram o programo do governo trabalhista realmente à sério. (2)
Em retrospectiva e em vista da situação catastrófica do Serviço de Saúde de hoje, com o virtual desmantelamento do NHS, estes movimentos eram extremamente significativos. Demonstrou que se o Trabalhismo tivesse se baseado no movimento dos trabalhadores de baixo, e ligado isso a uma mudança da sociedade, o presente pesadelo da saúde que os trabalhadores enfrentam poderia ser totalmente evitado.
Ian Burge, um apoiador veterano do Militant e um delegado líder no Hospital de Londres (que morreu tragicamente em 1980), escreveu num artigo caracteristicamente incisivo:
Trabalhadores auxiliares em alguns hospitais estiveram operando sanções contra o tratamento privado desde que a campanha salarial grevista no inicio de 1973.
Ele exigiu:
Tomar as companhias de drogas e usar este dinheiro para pagar aos trabalhadores da saúde um salário decente. Abolição da medicina privada, dar todo o apoio à campanha dos trabalhadores da saúde. Deixar o serviço de saúde ser dirigido por trabalhadores eleitos em serviço, com delegados sindicais do distrito e representantes do governo. (3)
Escócia: Autogoverno?
Ao mesmo tempo, na Escócia os temas futuros discutidos hoje foram desenvolvidos em suas linhas gerais.Em agosto de 1974 Militant publicou um artigo intitulado: “Parlamento Escocês: será uma resposta às necessidades dos trabalhadores?” Pontuou que o comitê executivo do Partido Trabalhista na Escócia votou por seis votos a cinco recomendar “oposição a qualquer forma de Assembléia”! O Partido Trabalhista Escocês de fato disse que uma Assembléia era irrelevante, declarando:
A estratégia essencial do Partido Trabalhista é trazer uma mudança fundamental e irreversível mudança na balança do poder e riqueza em favor do povo trabalhador e suas famílias. Á luz deste critério… consertos constitucionais não farão uma contribuição significativa na conquista de nossos objetivos socialistas.
Militant estava apenas começando a formular uma análise clara que desse conta do crescimento dos sentimentos nacionais na Escócia. Acima de tudo, o Militant disse:
Se a maioria do povo escocês deseja um parlamento escocês, ou se há uma maioria pelo completo autogoverno, esse é seu direito, e o trabalhismo deve estar pronto a dar-lhe apoio. Não pode haver a questão de manter o ‘Reino Unido’ contra a vontade do povo da Escócia. (4)
A questão nacional na Escócia voltou à agenda política várias vezes. Isso obrigou os marxistas a compreender a reavaliação desta questão para construir um programa capaz de responder as legítimas demandas nacionais do povo escocês. Nem sempre tivemos acordo em nossas fileiras, perdendo alguns apoiadores quando argumentávamos por um programa de direitos nacionais. Subseqüentemente os eventos demonstraram que apenas o Militant era capaz de construir tal programa. Essa é uma das razões porque em 1995, o Scottish Militant Labour teve um efeito maior nesta e em outras questões do que qualquer outra organização na Escócia.
Outubro – Nosso décimo aniversário e Eleições Gerais
Outubro viu o décimo aniversário da fundação do Militant. Um artigo especial de celebração no nosso jornal referiu-se às declarações na nossa primeira edição. Os editores declararam: “O Militant tem vivido por estes objetivos.”
O otimismo dos estrategistas do capital ainda persistia no início dos anos 60. Eles relegaram às paginas da história os termos ‘fracasso’, ‘desemprego em massa’, ‘pobreza’ e ‘fome’. Eles sustentavam que estes denotavam uma era de barbarismo que o ‘novo capitalismo’ pôs fim de uma vez por todas. (5)
O editorial comparou o sentimento dos capitalistas em 1960 com o que existia em 1974, particularmente depois das revoltas em Portugal, Grécia e EUA. Refletindo este pessimismo, Willy Brandt (líder do SPD, o ‘Partido Trabalhista’ da Alemanha Ocidental), disse em seguida aos eventos portugueses que o “comunismo (significando neste caso a tomada do poder pela classe trabalhadora) ou o fascismo” seria a escolha que a Europa enfrentaria nos próximos 20 anos. Militant acreditava:
o próximo estágio na luta na Grã-Bretanha será uma virada para a esquerda. Contudo, a vitória sobre os Conservadores e o sistema que os cria apenas pode ser conseguida com base no rearmamento do movimento trabalhista com um programa socialista – marxista. (6)
O apoio ao Militant recebeu uma grande ajuda em 1973 e 1974. Em julho de 1974 o número de apoiadores organizados estava em 517.
E isso foi sublinhado pela eleição geral, a segunda em 1974, que foi chamada em outubro. O Trabalhismo ganhou uma pequena minoria. Os conservadores foram massacrados na Escócia e Gales; em ambos eles foram para o terceiro lugar, atrás do Trabalhismo e dos Nacionalistas. O Partido Conservador recebeu o seu pior resultado eleitoral, meros 35.7% dos votos. Uma indicação da virada rumo ao Trabalhismo foi que entre fevereiro e outubro de 1974 o voto conservador caiu mais de 1.5 milhão. Ao mesmo tempo os Liberais, sombras dos Conservadores sofreram uma dura repulsa, perdendo mais de 700 mil votos, embora tinham 100 candidatos extras.
Trabalhismo ganha: Militant alerta: o Capital ataca
O resultado significou que os trabalhadores concediam aos líderes trabalhistas mais tempo para cumprir suas promessas. A maioria seria maior se uma campanha entusiástica, radical e socialista fosse conduzida como exigia o Militant. Apesar da vitória, o líder trabalhista Wilson anunciou na TV na terça seguinte à eleição (8 de outubro) que ele iria imediatamente abrir conversações com o CBI. O Militant comentou:
Este caminho trará desastres para o movimento trabalhista. E isso não é uma fútil especulação quando o editor do The Times comentou dois dias antes da eleição que o partido que ganhasse seria o partido mais passível de ser destruído pelos eventos!
Nós continuamos:
As maiores 20 companhias são controlados por apenas 297 homens. 85% da produção está nas mãos de 250 gigantescos monopólios. (7)
O governo poderia ou capitular aos monopólios ou se apoiar no movimento trabalhista e aplicar políticas socialistas. Os líderes trabalhistas avançaram a idéias de um chamado ‘contrato social’, que era “salários arrochados com algum outro nome.”
Dentro de semanas, a previsão do Militant veio à luz, com setores da classe dominante ameaçando uma ‘greve do capital’. Pilkington Glass, por exemplo, declarou que ele se recusaria a investir até que o governo capitulasse às demandas da CBI. A isso seguiu-se declarações similares dos patrões de Hawker Siddeley and Metal Box. Dissemos “O que pode ser a chantagem mais descarada? Estão enviando os líderes da CBI à 10 Downing Street, com uma ameaça selvagem ao governo trabalhista: ‘Capitular a nós ou a outros’!”
Em novembro, o Trabalhismo realizou sua conferência partidária reorganizada em Central Hall, Westminster, que durou por dois dias. A conferência teve lugar apenas seis semanas depois das eleições. Ray Apps, delegado à conferência, alertou os perigos que o governo enfrentava se as decisões da conferência não fossem implementadas. Ele escreveu no Militant:
É preciso dizer que o governo tem cedido a esta chantagem [dos patrões]… Promissórias de £1,600 milhões tem sido feitas aos grandes negócios. (8)
Poucas migalhas têm sido deixadas para o povo trabalhador, ‘na forma de ajuda de custo às famílias e aumento de pensões,’ mas mesmo esses foram atrasados até a primavera do ano que vem.
Como indicação do que viria, o editor financeiro do The Times elogiou a “firme ortodoxia” do Chanceler Healey. A conferência refletiu em linhas gerais os futuros confrontos no partido. Callaghan abriu a conferência com ameaças de inflação e desemprego em espiral a menos que o contrato social fosse feito. O secretário-geral Ron Hayward, de outro lado, atacou aqueles “que ameaçam a conferência com desacatos”. Ele disse que os secretários dos distritos eram mais importantes ao partido do que os ministros!
A emergência do Militant durante a campanha eleitoral, e nossa crescente força, refletida claramente nesta conferência, dava calafrios na espinha da ala direita. Isto deu o pano de fundo para a caça as bruxas que logo começaria e se estenderia por mais de uma década, primeiro contra o Militant e depois contra o resto da esquerda.
Birmingham bombardeada
Em novembro o horrível bombardeio de um pub em Birmingham ocorreu, resultando na morte de 19 pessoas e terríveis ferimentos e mutilações de aproximadamente 200 jovens. Militant declarou inequivocadamente: “os bombardeios jogam o jogo da reação.” Militant consistentemente tem se oposto ao papel opressivo do imperialismo britânico na Irlanda. Mas ao mesmo tempo se opôs às desastrosas políticas de terrorismo do IRA provisório.
A campanha terrorista na Grã-Bretanha criou conseqüências potencialmente desastrosas para os trabalhadores britânicos. Militant pontuou que “qualquer que seja suas demandas, o fato é que as bombas em Birmingham beneficiam apenas os inimigos dos trabalhadores britânicos e irlandeses.” O resultado imediato foi uma reação contra os trabalhadores irlandeses em Birmingham e outras partes do país. Esta foi sem dúvida liderada por pequenos grupos fascistas que levantaram suas mãos depois dos ataques.
Esse incidente também providenciou a oportunidade para a elite britânica, através do Secretário do Interior Trabalhista, Roy Jenkins, criar uma legislação repressiva. Era o ‘Ato de Prevenção ao Terrorismo’, que foi usado para perseguir e intimidar inocentes irlandeses e outros trabalhadores por mais de 20 anos. Além disso, os ataques levaram à prisão de seis pessoas totalmente inocentes em Birmingham e sua prisão desumana em cadeias britânicas. Também criou uma atmosfera histérica que levou a prisão de outros inocentes como Judith Ward, os Quatro de Guildford, e outros. Militant reportou:
Na enorme fábrica British Leyland Longbridge, brigas estouraram entre ingleses e irlandeses que trabalhavam juntos por anos. Em 30 fábricas principais de Birmingham trabalhadores demandavam ações contra o IRA. (9)
Mas os efeitos não se confinavam à Grã-Bretanha, como o Militant comentou: “A pior reação será na Irlanda do Norte, e o choque será precisamente contra as pessoas que o IRA diz proteger – os trabalhadores católicos.” (10)
A intervenção dos fascistas, contudo, não teve sucesso em canalizar a raiva das explosões em apoio a uma direção reacionária. Mais importante na consciência dos trabalhadores de Birmingham e outros lugares era o problema diário da luta pela sobrevivência e sua habilidade em enfrentar a ofensiva conduzida pelos patrões.
A maré ascendente da luta sindical
Uma intensa luta se desenvolvia no chão da fábrica à medida que os patrões tentavam se vingar da derrota de seu partido nas eleições gerais. Refletindo o aumento crescente dos marxistas nas fábricas, as páginas do Militant publicaram muitas reportagens detalhadas do que acontecia.
Em setembro de 1974 um artigo de Bill Mullins, que era delegado sindical senior na British Leyland, representando 10 mil trabalhadores, escreveu:
É difícil para qualquer um que nunca trabalhou numa fábrica de carros visualizar a natureza destrutiva do trabalho, destrutiva para o corpo por causa da velocidade do trabalho, destrutiva para a mente por causa da repetição maçante do trabalho.
Um ofensiva feroz estava sendo conduzida pela gerência que
via que os trabalhadores da BLMC deveriam ter uma caída em suas condições de vida por que eles não eram capazes de conceder um aumento mínimo de salários necessário para manter as presentes condições de vida.
O artigo concluía:
A resposta deve ser que os trabalhadores não devem pagar pela má-administração e incompetência da companhia. As demandas devem ser: um aumento mínimo de £15 por semana; os livros abertos [para inspeção] aos sindicatos. A nacionalização sob controle dos trabalhadores da British Leyland. (11)
Uma espada de Dâmocles, na forma da ameaça de fechamento, pendia sobre as cabeças dos trabalhadores de Leyland. Mesmo pensando que era o maior empregador privado do país (com 160 mil trabalhadores na época), reportagens circulavam na imprensa capitalista que a companhia estava em dificuldades e virava-se para o governo Trabalhista em busca de financiamento.
Artigos detalhados e explicativos dos apoiadores do Militant Bill Mullins e Bob Ashworth, que trabalhavam em Rover Solihull, mostraram o estado da companhia. O Militant publicou uma resolução dos trabalhadores da produção de Solihull que, entre outras coisas, demandou que se a BLMC estava pedindo ‘doação financeira do governo’, então o movimento sindical e o Trabalhismo deveriam
exigir que o governo trabalhista nacionalize a BLMC sob controle dos trabalhadores com membros da gerência sendo eleitos nas seguintes bases: um terço eleito pelos trabalhadores dentro da BLMC; um terço eleito pelo TUC; um terço apontado pelo governo. (12)
Uma reunião em Birmingham de todos os delegados da Leyland de todo o país passou a resolução da planta de Rover Solihull que exigia o controle dos trabalhadores. Algumas emendas foram feitas, mas, apesar de tudo, o fato de que um grupo significativo de trabalhadores exigia o controle operário de sua indústria indicava o sentimento que se desenvolvia. Mesmo deputados trabalhistas foram afetados.
Numa reunião organizada em Preston pelos Labour Party Young Socialists, com 80 presentes, um deputado trabalhista, George Rodgers, concordou com todos os falantes de que a nacionalização era o único caminho. Isso era um contraste flagrante com a proposta do governo trabalhista, a ser implementada pelo recém-criado National Enterprise Board (NEB). O Militant pontuou que “mais da metade das manufaturas britânicas é controlada pelas 100 maiores companhias”. Além disso, os Conservadores, através da ‘intervenção estatal’ destinou entre 1970 e 1974 £3 bilhões (£2 milhões por dia) aos seus amigos dos grandes negócios.
Apesar do clamor pela nacionalização das firmas capitalistas falidas, o governo trabalhista, através do NEB, continuou com a política de se afiançar neles. Tony Benn, como Ministro da Indústria, presidiu esta política, que foi enormemente criticada pelos membros dos sindicatos e do Trabalhismo.
Os dois de Shrewsbury
Ao mesmo tempo, os patrões da construção e seus porta-vozes se recusavam a construir em face da onda de protestos exigindo a soltura dos piqueteiros de Shrewsbury presos. Em novembro os apelos dos piquetes estavam baixos. Seguiu-se a greve de protesto dos estivadores de Glasgow, com trabalhadores de construção e outros que marcharam à sede do Ucatt em Glasgow exigindo ação para libertar “seus irmãos presos”. Ações similares tiveram ligar em Liverpool, Edimburgo e outras partes do país.
Demandas foram enviadas ao Secretário do Interior, Roy Jenkins, pedindo para libertar os piqueteiros. Um telegrama de mais de 100 delegados da construção de Merseyside à Jenkins declarou: “Nós apoiamos você em sua re-eleição ao governo. Pedimos a você agora que nos ajude.”
O exemplo da libertação dos estivadores de Pentonville por causa da pressão das massas estava ainda fresco nas mentes dos trabalhadores da construção e do movimento sindical de dez milhões de pessoas. Contudo, chamados ao TUC e à liderança do Ucatt infelizmente caíram em ouvidos mortos. Os piqueteiros de Shrewsbury debilitavam-se na cadeia. Contra o apoio geral do aumento da militância, nos anos 70, a falta de vontade do TUC em mobilizar o movimento trabalhista com todo o seu poder para forçar a libertação dos piqueteiros de Shrewsbury foi talvez o mais vergonhoso.
Temperatura aumenta – fogo em nosso escritório
Em meio a estes eventos, em fevereiro de 1975, Militant sofreu um grande golpe. Um de nossos prédios em Commercial Road, Leste de Londres, foi consumido pelo fogo e algumas de nossas preciosas maquinas de impressão e a maioria dos andares superiores foram destruídos. Isso não aleijou o Militant porque a sede principal estava em outro prédio.
Assim mesmo, a edição de 14 de fevereiro do Militant foi produzida em condições excepcionalmente difíceis. Um apelo urgente foi feito aos apoiadores do Militant, que responderam de forma magnífica. Por um tempo o jornal foi produzido sem cor. Logo que foi possível voltar à produção regular, o nosso jornal foi produzido com 16 páginas e duas cores.
1 Militant 202 19.4.74
2 Militant 214 12.7.74
3 ibid
4 Militant 219 16.8.74
5 Militant 225 4.10.74
6 ibid
7 Militant 226 11.10.74
8 Militant 232 22.11.74
9 Militant 233 29.11.74
10 ibid
11 Militant 222 13.9.74
12 Militant 235 13.12.74