1º de Maio: Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos contra o capitalismo decadente

 “Os fardos da guerra consumirão as melhores energias das pessoas por décadas, ameaçarão as conquistas obtidas por reformas sociais e impedirão qualquer avanço. Devastação cultural, crise econômica, reação política são as bençãos deste conflito horrível entre nações. Portanto, a guerra desnuda que o capitalismo moderno se tornou inconciliável com as massas trabalhadoras não somente por não realizar exigências do desenvolvimento histórico, mas por não garantir as condições elementares para o desenvolvimento humano”.

Escrito há mais de 100 anos atrás, em 1915, a partir de um rascunho de Leon Trotsky, este trecho é parte de um manifesto aprovado por delegados na “Conferência de Zimmerwald”, uma pequena reunião de socialistas internacionais que se opunham à Primeira Guerra Mundial. A reunião foi precedida pela “Conferência Internacional de Mulheres Socialistas” e pela conferência da “Juventude Socialista”. Coerentes com os princípios do socialismo revolucionário, tais delegados romperam com os social-democratas reformistas que apoiaram as classes capitalistas de seus próprios países na guerra. Apesar de apenas 38 delegados terem participado da conferência de Zimmerwald, posteriormente muitos deles ficaram famosos por sua atuação em revoluções que buscavam criar um mundo sem guerras eliminando a sua causa: o capitalismo.

O Manifesto, preparado para uma época diferente, permanece totalmente relevante para o Dia Internacional dos Trabalhadores em 2022. Mas se naquela época, o “capitalismo moderno” tinha se tornado inconciliável com as condições elementares para o desenvolvimento humano, hoje criou uma situação tão catastrófica que está se tornando cada vez mais inconciliável com uma existência humana digna. 

A pandemia revelou um sistema doente

Este não é um exagero: o mundo mal saiu da pior pandemia que existiu desde a epidemia de gripe espanhola que devastou o mundo entre 1918 e 1919. Na verdade, o Manifesto de Zimmerwald comentou que: “foi proclamado no início da guerra que haveria uma melhoria no bem-estar – mas os resultados reais foram escassez e privação, desemprego e alta dos preços, desnutrição e epidemia”. 

Apesar de todos os avanços da ciência moderna e dos sacrifícios feitos por trabalhadoras(es) da saúde por todo o mundo, a Covid-19 tomou milhões de vidas, junto com outras epidemias globais como a cólera – mal percebida porque afeta majoritariamente apenas países pobres. Mais pessoas morrem todos os anos por pobreza e por doenças que poderiam ser prevenidas do que pela terrível Covid-19. 

Durante a pandemia, o capitalismo demonstrou o peso da ganância cínica. O financiamento estatal foi usado para pesquisar e produzir vacinas, enquanto empresas privadas obtiveram lucros monumentais pela venda e distribuição. Ao invés de removerem imediatamente e integralmente as patentes, os governos nacionais usaram um “nacionalismo de vacinas” – aqueles nos países desenvolvidos foram mais vacinados enquanto as regiões mais pobres do mundo ficaram sem proteção, tornando inevitável o aparecimento constantes de novas – e potencialmente mais perigosas – variantes.

Um mundo de guerra

Agora a competição entre as potências imperialistas, impulsionada pela Nova Guerra Fria, resultou no estouro da maior guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Há a ameaça, que muitos tinham esquecido há muito tempo, de uma guerra ainda maior que inclui o uso de armas nucleares. Se isso efetivamente ocorrer, pode-se chegar à destruição do mundo tal como conhecemos.

Tal como a ASI afirmou em sua recente declaração sobre a Guerra na Ucrânia: “Uma característica chave é, nitidamente, o militarismo imperialista em ascensão, acompanhado pelo acirramento do nacionalismo e uma rápida divisão do mundo em dois polos imperialistas em uma nova guerra não tão fria”. O custo humano já é aterrorizante. Em menos de dois meses, o número de fatalidades – militares e civis – já está próximo da metade do número de mortos durante os 5 anos de guerra na antiga Iugoslávia. Cinco milhões de ucranianos fugiram para o exterior e muitos foram “internamente desalojados”. Independentemente do resultado do conflito, a região nunca mais voltará a ser a mesma. 

Enquanto toda a atenção está na Ucrânia, a mídia internacional quase não menciona que em 2022 outros 21 países foram destroçados por guerra civil, guerra contra as drogas, insurgência terrorista ou violência étnica. Apesar do imperialismo dos EUA e da OTAN apresentarem a guerra na Ucrânia como uma defesa da “democracia” contra o autoritarismo russo, eles e seus aliados apoiam diversos governos ditatoriais em outras regiões, inclusive aqueles que alimentam guerras no Iêmen, Iraque, Síria, Líbia, Etiópia e outros países. 

Enquanto isso, continua a resistência heroica do povo em Mianmar contra o regime militar que é apoiado pelos imperialismos chinês e russo. Ainda em 2021, os gastos militares globais em armamentos foram os maiores já existentes, alcançando o nível de US$2,1 trilhões – 62% disto foi gasto apenas por cinco países (EUA, China, Reino Unido, Rússia e Índia). Estes gastos serão ainda maiores neste ano.

Intensificação da crise climática

Passaram-se apenas seis meses desde o encontro da COP-26 na Escócia, quando as potências mundiais mais uma vez fracassaram em produzir qualquer solução real para iminente catástrofe climática. Agora, a guerra na Ucrânia sabotou dramaticamente até mesmo as promessas vazias que foram realizadas naquele evento. 

A principal estratégia das potências imperialistas para se afastarem do abastecimento de energia pela Rússia não está no desenvolvimento acelerado de energia verde, mas na busca por fontes alternativas de combustíveis fósseis e em uma dependência crescente na energia nuclear. Esta tende a ganhar importância, pois os países estão desenvolvendo seus próprios arsenais nucleares para responderem às ameaças de Putin. Isto se soma ao processo de destruição do meio ambiente já causado pela guerra, em especial pelos riscos elevados criados pelos combates próximos das plantas nucleares da Ucrânia, inclusive a de Chernobyl. Além disso, incêndios destruindo florestas russas e o derretimento do permafrost aumentaram significativamente como resultado da guerra, pois os bombeiros e os serviços de emergência foram enviados para os combates na Ucrânia. 

O derretimento acelerado do Ártico está criando uma outra fonte de conflito, pois os capitalistas estão se preparando para explorar os recursos de hidrocarbonetos que estavam enterrados sob o gelo. EUA, Canada, Reino Unido, Suécia, Rússia e China ampliaram suas bases na região, muitas vezes ampliando suas forças militares.

Crise econômica

No curto prazo, a guerra está destroçando a economia global. Economistas sugeriram uma recuperação econômica da crise de 2020-2021. Mas eles ficaram preocupados com a inflação e com a inadimplência de dívidas, mesmo antes do alastramento da Ômicron pela China, com lockdowns de “Covid zero” afetando 400 milhões de pessoas e se desdobrando em uma crise do mercado imobiliário. 

Junte-se a isso o atual choque sobre os alimentos e a energia criado pela guerra ucraniana. O aumento nos preços dos alimentos foi um fator importante no desencadeamento da “Primavera Árabe” – aumentos elevados nos preços do trigo já provocaram ou intensificaram levantes por alimentos e protestos no Peru, Sri Lanka, Iraque, Sudão e Mongólia.

Instituições internacionais estão correndo para rebaixar suas previsões econômicas para este ano. Potências econômicas, como a Alemanha, já relataram estar ingressando na, ou próximas da, recessão. A economia russa, que dependendo da estimativa é considerada a 6ª ou 11ª maior economia do mundo, pode ver uma queda no PIB maior do que a ocorrida em 1993, quando o país colapsou no caos como resultado da substituição da economia planificada soviética pelo “livre mercado”. A destruição brutal de cidades ucranianas significa que o seu PIB pode cair pela metade em relação ao valor anterior. É desnecessário dizer que não são os ricos que sofrem com esta crise – o patrimônio dos super-ricos do mundo continua a crescer, enquanto trabalhadores, jovens, agricultores pobres e desempregados precisam enfrentar preços mais elevados e salários mais baixos do que era antes da guerra e da pandemia.

Especialmente duros foram os golpes dados contra as mulheres na situação atual. Na Ucrânia estão aparecendo histórias brutais sobre estupros seguidos de assassinatos de mulheres em cidades devastadas, como Bucha. Centenas de crianças morreram durante o conflito. Traficantes de pessoas estão explorando as ondas de refugiados que fogem da guerra em favor dos criminosos comércio e escravidão sexual. Tudo isso antes mesmo dos efeitos mais profundos da guerra alcançarem o território local, quando as mulheres terão que carregar os fardos mais pesados da crise econômica, do salto nos preços dos alimentos e do aprofundamento de cortes em saúde, educação e assistência social. Na Somália já existe uma elevação significativa no número de mulheres e crianças em centros de saúde sofrendo com desnutrição, já que a guerra resultou na redução de suprimentos de trigo para o país.

Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!

O Manifesto de Zimmerwald terminava com o chamado “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”, estimulando-os a lutarem pela emancipação das nações oprimidas e das classes exploradas por meio da luta da classe proletária pelo socialismo. Este era um estridente chamado para os trabalhadores de todo o mundo rejeitarem as políticas da maior parte das direções social-democratas que estavam apoiando suas próprias classes capitalistas na guerra. Restou aos revolucionários bolcheviques russos liderarem a derrubada do capitalismo russo e, assim, retirar o país da guerra, enquanto as direções social-democratas na Alemanha e na Áustria traíram as revoluções que derrubaram seus respectivos imperadores – e caso eles tivessem alcançado a conclusão lógica, a derrubada do capitalismo, isto teria transformado o destino da humanidade no século XX.

Como resultado da luta da classe trabalhadora ao longo do século passado, muito se alcançou: desde a derrubada de ditaduras e a libertação de países da dominação imperialista até avanços significativos na garantia de saúde e educação universais. Décadas de luta determinada pelos direitos de mulheres e da comunidade LGBT resultaram em vitórias significativas. Mas, mais uma vez, o capitalismo está enfrentando uma de suas diversas crises existenciais e, com isso, todas as conquistas estão sob ataque. Os partidos social-democratas, que no passado tinham uma base de massas na classe trabalhadora, foram totalmente integrados no sistema capitalista – alguns dos maiores belicistas de hoje são da direção de partidos verdes e social-democratas. Os dirigentes da maior parte dos novos partidos de esquerda também sucumbiram aos apelos de suas próprias classes capitalistas para apoiar um ou outro “lado” nesta guerra interimperialista.

Porém, está claro que mudanças profundas estão em curso no interior da classe trabalhadora global. Este período de guerra não é apenas uma repetição daquele existente no início da Primeira Guerra Mundial, o qual funcionou para suprimir lutas dos trabalhadores. Apesar da guerra, novas camadas em diversos países estão começando a se mobilizar e a se organizar. Uma nova e jovem geração está crescendo sem qualquer perspectiva de um futuro decente, mas estão aprendendo com experiências de lutas de massas ligadas internacionalmente como os movimentos feministas, direitos LGBT, Vidas Negras Importam e climáticos. 

Em especial, trabalhadores de setores de logística, saúde, educação, comércio, transportes e outros “serviços essenciais” ganharam uma nova confiança. Por todo o mundo, vemos um aumento nas lutas dos trabalhadores, assim como no número de greves, paralisações e recusa de se trabalhar em condições inaceitáveis que aparecem na chamada “Grande Resignação”. 

A classe trabalhadora, apesar das suas crises de organização e direção está ingressando mais uma vez no palco da história. Socialistas devem e irão jogar o papel mais ativo neste processo, organizando ações de solidariedade, oferecendo análises e contribuindo a elaborar demandas e táticas de forma a assegurar, em especial, que as ações da classe trabalhadora em defesa de seus interesses estejam com uma direção democrática, combativa e independente da classe capitalista. Fazemos isso buscando contribuir para que as lutas resultem em vitórias.

Porém, mais importante ainda é a necessidade de aprender com as lições do passado. O chamado de Zimmerwald para a luta pelo socialismo não era uma fraseologia vazia sobre o fim da guerra. Enquanto o capitalismo permanecer, sempre existirão novas crises e novas guerras. Precisamos lutar por uma nova sociedade socialista e democrática, na qual os recursos do mundo são socialmente compartilhados e planificados sob controle e gestão democráticos de trabalhadores, assegurando todos os direitos democráticos – liberdade de expressão, organização e voto – e em que nações e grupos étnicos têm o direito à autodeterminação como parte de uma federação global socialista e democrática.

Para alcançar isto é necessário construir uma alternativa socialista revolucionária e no Dia Internacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras deste ano não apenas nos comprometemos mais uma vez com aquela luta, mas para chamar todos os trabalhadores, mulheres, jovens e aqueles que concordam conosco a se juntarem a nós na construção da Alternativa Socialista Internacional.

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