Colômbia: Revolta de massas contra a reforma tributária regressiva e o governo de direita

No dia 28 de abril, as massas colombianas tomaram às ruas. Centenas de milhares responderam ao apelo por uma greve nacional, apesar da ameaça de pandemia e das medidas restritivas de isolamento atualmente em vigor. É muito provável que, sem medo da pandemia, esse número tivesse chegado a milhões.

Este é o retorno à mobilização social que havia parado após o final de 2019 devido ao início da pandemia de Covid. No entanto, a desaceleração econômica apenas tornou a situação para a classe trabalhadora mais desesperadora do que antes das greves de novembro de 2019. Chamados pelas organizações de trabalhadores e lideranças sociais, estes paralisaram o país por dias e provocaram uma repressão brutal por parte das forças do Estado.

Da forma como está, o atual governo tem pouco apoio fora de uma parcela muito pequena da população composta principalmente pela pequena burguesia ultrareacionária e pelos capitalistas mais ricos. Mas eles estão preparados para fazer qualquer coisa para manter o poder, custe o que custar em vidas humanas.

A reforma tributária de 2021: contra a “classe média”?

O gatilho para os protestos atuais é a proposta de reforma tributária do atual governo do presidente Iván Duque, membro do partido de extrema-direita, Centro Democrático (CD). Isso vem na esteira de uma série de pacotes neoliberais em 2018 e 2019, o último dos quais desencadeou uma revolta em massa que abalou o país.

A nova reforma foi cinicamente chamada de “Lei de Solidariedade Sustentável”, introduzida para combater um déficit fiscal que cresceu durante a pandemia. O governo tentou descaradamente ocultar seu caráter anti-trabalhador, introduzindo alguns artigos que garantissem auxílio na forma de subsídios aos mais pobres da população. Na Colômbia, uma pessoa é considerada pobre quando ganha menos de 168 dólares por mês. Segundo essas métricas, isso abrange 67% da população (34 milhões). Esta reforma tributária visa financiar um apoio monetário adicional para os 18,8 milhões mais pobres, taxando a chamada ‘classe média’, a maioria dos quais são trabalhadores que também lutam para sobreviver.

Dessa parcela da sociedade, esperava-se que fossem extraídos 7,2 bilhões dólares extras. Os métodos para obter essa soma são duplos. Em primeiro lugar, o limite de isenção do imposto de renda será reduzido: qualquer pessoa que ganhe acima de 690 dólares por mês terá que começar a pagar imposto de renda, comparado com o limite anterior de 940 dólares. Mas o segundo e mais preocupante é a introdução de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para muitos produtos de consumo básico, entre eles frango e ovos, dois alimentos básicos da alimentação da classe trabalhadora colombiana.

O que a Colômbia pode pagar?

Apesar do clamor sobre a falta de financiamento para o Estado, o governo de CD não teve receio de aumentar o financiamento para a repressão estatal. No meio da pandemia, a presidência decidiu comprar jatos de combate da Lockheed Martin pelo valor de 4,5 bilhões de dólares e glifosato da Bayer por 2,2 bilhões de dólares, atendendo ao apelo do presidente americano Biden para reiniciar os esforços de erradicação da plantação de coca. Pode não haver dinheiro suficiente para evitar que as massas passem fome ou fiquem sem teto, mas há o suficiente para envenená-los ou financiar a guerra contra o país vizinho, a Venezuela.

Embora tenha havido uma medida de apoio monetário para os mais pobres durante a pandemia, ela foi adiada e só veio após o clamor público com relatos de famílias morrendo de fome durante o lockdown. Mesmo isso não foi suficiente. Além disso, foi entregue de forma que os bancos pudessem lucrar com isso por meio de transações de terceiros com o setor privado.

E agora a maior parte dos pobres colombianos pagam o preço das migalhas que o governo graciosamente concedeu às massas. Este projeto de lei postula que será a classe trabalhadora diminuída em um país onde cerca de metade da população sã estão desempregada, que encherá os cofres esgotados do Estado, em vez dos ricos que detêm a maior parte da riqueza e da terra sob controle ferrenho.

A greve nacional e a repressão do Estado

Apesar do baixo grau de sindicalização na Colômbia, foram os sindicatos que tomaram a liderança e convocaram para o 28 de abril, o dia nacional de greve. Em última análise, isso veio como resultado da pressão das bases, refletindo um descontentamento generalizado com a situação insuportável que a classe trabalhadora e os pobres enfrentam. Iván Duque já apresentava quedas recordes em termos de popularidade.

As greves foram massivas e houve manifestações até nas áreas mais conservadoras do país. Isso foi além das expectativas de todos, incluindo a direção dos sindicatos, que previu uma adesão esparsa no dia. Mas contra todos os prognósticos, cada cidade viu milhares a dezenas de milhares de pessoas tomarem as ruas para protestar pacificamente. No entanto, nenhum protesto pacífico é bom o suficiente para a política repressiva brutal da “democracia mais estável da América do Sul”. Na manhã do dia 28 de abril um homem foi morto por um policial, seguido por pelo menos mais 4 mortes só nesse dia.

As mobilizações continuaram desde então. O número oficial de mortes de civis agora é de 26, embora o número real seja provavelmente muito maior.

Há relatos de dezenas de desaparecidos e muitos mais feridos. Embora os números não sejam claros, uma coisa é certa: o epicentro da violência está em Cali, capital da província do Valle del Cauca. Lá muitos foram feridos pela polícia, que disparou não apenas balas de borracha, mas também munição real, além de disparar gás lacrimogêneo em áreas residenciais. Apesar da aparente preocupação do governo com as pessoas tomando às ruas durante uma pandemia, a polícia não teve problemas para levar ninguém – independentemente da idade – para centros esportivos e estações superlotadas, onde os detiveram ilegalmente.

O senador e ex-presidente Alvaro Uribe Velez, fundador do partido CD e indiscutivelmente o político mais poderoso da Colômbia, pediu que a polícia e o exército usassem suas armas para “defender pessoas e propriedades do vandalismo terrorista”, e teve sua conta no Twitter suspensa. Mas o tom já estava definido. No dia 1º de maio, o presidente Iván Duque compareceu diante das câmeras com o comandante do Exército colombiano para declarar que o exército se juntaria à polícia para “restaurar a ordem” e “proteger a integridade do povo”.

Essa ameaça velada não foi suficiente para dissuadir as massas colombianas e, no mínimo, motivou manifestações mais persistentes de setores mais amplos da sociedade. O apoio aos protestos continuou alto e as pessoas tentaram evitar confrontos desnecessários, denunciando e rejeitando agentes provocadores.

Mesmo aqueles que não ousam sair ficam de pé nas varandas e nas janelas e batem nas panelas e frigideiras em sinal de apoio. Como a Colômbia está enfrentando uma das piores situações de Covid do mundo, muitos permaneceram dentro de casa. Agora, com as vítimas da brutalidade policial chegando aos hospitais, o já sobrecarregado atendimento de emergência pode chegar ao seu limite.

Um revés para o governo

No dia dois de maio, o presidente Duque declarou que não iria avançar com o projeto de reforma tributária, e no da 3 de maio o ministro infame, Carrasquilla, renunciou a sua posição.

Havia a expectativa por parte dos representantes do Estado e de seus meios de comunicação de que isso levaria a um retorno à normalidade, mas a mobilização continuou. Os trabalhadores, pobres e oprimidos da Colômbia sabem que não querem as políticas neoliberais já existentes, como as duas reformas tributárias anteriores, e vão às ruas exigir mudanças.

É claro que o movimento não é apenas sobre esse projeto de lei específico, mas os ataques contínuos aos trabalhadores e aos pobres durante todo um período. Aqueles que protestam contra o projeto de lei de reforma também estão cientes da próxima tentativa de aprovar uma reforma da saúde que completará a privatização do sistema e dará aos provedores de saúde mais poder para rejeitar serviços ou cobrar mais: tudo com pior remuneração para os trabalhadores da saúde. Da mesma forma, após os escândalos do sistema previdenciário, o governo também pretende empurrar outra onda de privatizações do sistema de aposentadoria das pessoas.

Tudo isso está na cabeça das pessoas quando permanecem nas ruas e, além disso, uma declaração prometendo a retirada do projeto de lei não equivale ao ato em si. Dado que o governo pretende aprovar uma legislação tributária, isso significa apenas que vão fazer um projeto ainda mais opaco e que vai demorar semanas para desvendar, como em ocasiões anteriores.

Uma crise persistente: nenhuma saída capitalista para o fracasso econômico da Colômbia

A economia da Colômbia é baseada na dívida. É sustentado por empréstimos do FMI que contêm demandas neoliberais para o país seguir e, por sua vez tornam cada vez mais difícil para a economia se recuperar adequadamente no longo prazo. Mesmo se antes da pandemia o país viu um aumento do PIB, isso foi pouco mais do que o resultado de uma futura financeirização predatória da vida das pessoas. Isso se refletiu no aumento dos ganhos para as grandes empresas, sem um crescimento equivalente considerável na produção.

O país é administrado a mando dos grandes latifundiários, banqueiros e grandes industriais – estes últimos dotados de numerosas Zonas Econômicas Livres sob a alegação duvidosa de gerar investimentos na comunidade – e por último, mas não menos importante, os cartéis de drogas , que estão intimamente ligados a esses três setores de uma forma ou de outra. Estes se apropriam de grande parte dos cofres do Estado por meio de contratos públicos com muito pouca supervisão.

O principal produto de exportação da Colômbia são as matérias-primas. Há pouco espaço para o país se tornar competitivo com outras nações que estão mais bem posicionadas para oferecer as condições de uma produção industrial em larga escala. Isso é acentuado pela adesão fiel à doutrina neoliberal, desde que se tornou dominante na esfera de influência dos Estados Unidos. Não há esperança de recuperação econômica nas condições atuais, e nenhuma medida de repressão à classe trabalhadora para incentivar o capital estrangeiro vai mudar isso.

O capitalismo não oferece nenhum caminho para Colômbia avançar, nem em sua forma atual, nem por meio do reformismo social-democrata. As massas colombianas entendem o primeiro, mas também têm grandes esperanças no segundo na figura de Gustavo Petro. O ex-membro do M-19 (uma organização guerrilheira urbana de esquerda) agora parece ser a pessoa mais provável de ganhar as próximas eleições presidenciais com seu movimento “Colômbia Humana”. Ele poderia se tornar o primeiro presidente de esquerda em toda a história da Colômbia. Mas a classe trabalhadora colombiana não pode ter ilusões em reformas governamentais que resolvam os problemas intrínsecos do capitalismo global. Só um movimento organizado da classe trabalhadora, armado com um programa socialista, pode romper com o imperialismo e o capitalismo, verdadeira fonte da pobreza, exploração e opressão que assola as massas colombianas.

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