Um novo partido de esquerda na Alemanha
Na iminência de novas eleições gerais,a Alemanha vê o nascimento de uma nova formação política de esquerda formada a partir de dirigentes sindicais e ex-membros da social-democracia.
A direção do SPD, o partido social democrata de Schröder, entrou em pânico após ver o resultatdo obtido pelo novo partido, denominado WASG (Iniciativa Eleitoral – Trabalho e Justiça Social), em eleições regionais recentes.
Foi a primeira vez que o novo partido participou de eleições. Após três meses de sua fundação, o WASG alcançou 2,2% (180 mil votos) na eleição regional de Renânia-do-Norte-Vestfália. Os social-democratas perderam o controle da região pela primeira vez em 40 anos.
Dez minutos depois do resultado anunciado, o presidente do SPD afirmou que seu partido desejava antecipar as eleições congressuais de 2006 para setembro de 2005. O objetivo é não dar tempo para o novo partido se consolidar.
A antecipação de eleições é um fenômeno muito raro na Alemanha. A crise do governo é resultado da política neoliberal, de cortes sociais e ataques aos direitos dos trabalhadores.
Doreen Ullrich e Conny Dahmen, membros da executiva do WASG em Aachen, contam para o nosso jornal sobre a situação política do seu país. Elas também são militantes da Alternativa Socialista, SAV, que é a seção alemã do CIO, a organização socialista internacional da qual o Socialismo Revolucionário é a seção brasileira.
Como foram os protestos contra o governo e qual a relação disso com a formação do novo partido?
Doreen: Tudo começou com o movimento contra o programa de cortes aplicado por Schröder, a chamada Agenda 2010. Cem mil pessoas foram às ruas em 2003, o SAV, a seção alemã do CIO, jogou um papel importante nas manifestações.
Conny: No final de 2003 e começo de 2004 houve muitas discussões em sindicatos, como o poderoso IG Metall (metalúrgicos).
Dessas discussões surgiram duas diferentes iniciativas apontando para a formação de um novo partido, iniciadas por líderes sindicais locais, regionais e de segundo escalão. As discussões sobre um novo partido tiveram uma repercussão imediata na mídia.
Doreen: Klaus Ernst foi um dos que deu inicio ao processo. Ele é um líder sindical local na Bavaria que liderou a primeira greve contra os ataques do governo.
O programa de Schröder, a Agenda 2010, contém uma série de pacotes de cortes sociais. A Agenda 2010 começou com um ataque ao setor de saúde, gerando cortes gigantescos.
Mas, a proposta que teve maior resistência foi o corte no seguro desemprego, o chamado Hartz IV. Hartz é um chefe da Volkswagem que é o arquiteto das propostas de contra-reformas.
No segundo semestre de 2004, houve uma onda de manifestações de massas em todo o país. Em todas as segundas-feiras ocorriam manifestações, como no movimento contra o stalinismo na antiga Alemanha Oriental em 1989.
Nós do SAV jogamos um papel importante em Rostock (na antiga Alemanha Oriental), onde nossa vereadora Christine Lehnert foi a mais conhecida dirigente dos protestos.
Como avançou a proposta de novo partido a partir daí?
Conny: Em junho de 2004, as duas iniciativas originais que discutiam sobre um novo partido se juntaram e colocaram uma proposta conjunta. Decidiram pela formação de um novo partido dos trabalhadores, desempregados e jovens. O problema é que as propostas vinham de cima. Havia pouca discussão na base.
Doreen: Na primeira reunião regional em Renânia-do-Norte-Vestfália, os líderes sindicais disseram: “aqui está o programa” e pornto. Houve apenas 15 minutos para a discussão. Depois propuseram um comitê regional que eram eles mesmos.
O bom foi que os participantes da reunião, cerca de 150, começaram a organizar reuniões próprias e discussões sobre o novo partido pela cidade. O WASG também jogou um papel importante regionalmente no movimento contra o Hartz IV.
A decisão de participar na eleição estadual da Renânia-do-Norte-Verstfália foi muito importante. A direção era contra, mas a base tomou a decisão. O partido ficou muito mais conhecido e mostrou o potencial.
Como se deu a aproximação de Oskar Lafontaine?
Conny: Foi aí que o Oskar Lafontaine entrou em cena. Lafontaine era o presidente do SPD quando Schröder ganhou a eleição e foi o ministro da economia nos primeiros meses do governo.
Ele renunciou aos cargos por não concordar com o curso neoliberal de Schröder. Ele é uma figura popular e não é visto como os outros líderes social democratas.
Oskar Lafontaine colocou que estava disposto a participar nas eleições, mas só se houvesse uma aliança entre o WASG e o PDS (Partido do socialismo democrático).
O problema é que o PDS, que surgiu dos restos do partido stalinista que dirigia a antiga Alemanha Oriental, atualmente participa em governos de coalizão com o SPD em Mecklenburgo-Pomerânia e Berlim. Nestas regiões, implementam a mesma política de cortes.
Doreen: A base do PDS está na parte oriental. É lá que o partido recebe votos e tem a grande maioria de seus 60 mil militantes. Nunca teve uma base na parte ocidental, onde é visto como um partido stalinista.
O bom foi que a idéia sobre a necessidade de um novo partido de trabalhadores, uma nova formação de esquerda como alternativa ao neoliberalismo, está sendo debatida nos locais de trabalho por todo país.
Nós fomos contrários a aliança com o PDS. Mostramos na prática que nem Lafontaine e nem a direção do PDS tem uma alternativa para a classe trabalhadora.
O PDS tem perdido muito terreno. Alguns anos atrás tinham 150 mil membros. Muitos deles morreram, já que é um partido com uma militância velha, mas muitos também deixaram o partido em oposição à política implementada,
Conny: O WASG teve problemas especialmente em Berlim onde muitos dos militantes são ex-membros do PDS que romperam com o partido e lutaram contra a política implementada. Os governos do PDS e SPD estão envolvidos em ataques aos sindicatos.
Qual a base de apoio da aliança WASG – PDS e qual sua linha política?
Doreen: A aliança tem um apoio grande nas pesquisas eleitorais. A última pesquisa mostra que a aliança tem apoio de 11% do eleitorado no país inteiro e seria a terceira maior força. Na parte oriental, a aliança tem 33% e é o maior de todos partidos.
A discussão sobre a aliança foi muito problemática. Na verdade foi um acordo feito pelas cúpulas, sem paricipação da base. Nós colocamos que deveria ter sido uma discussão democrática.
Outro problema foi que o WASG recuou em várias posições. Por exemplo, a aliança não é uma aliança na verdade. Por questões legais, na realidade, serão listas de candidatos inscritos oficialmente no PDS sob o novo nome de “Partido da Esquerda”, na qual membros do WASG poderão ser candidatos. Isso significa que o PDS/Partido da Esquera tomará a decisão final, terão a última palavra sempre.
O problema é que não foi colocada outra alternativa e quando a decisão iria ser tomada pelo Congresso e por um referendo partidário já era tarde demais para o WASG ter um registro eleitoral próprio.
Conny: Dada esta situação, achamos que o WASG deve participar da aliança, mas com uma campanha própria e independente e, assim, construir-se como novo partido.
O WASG está atraindo muita atenção neste momento e essa é uma oportunidade importante para se construir.
Desde a eleição em Renânia-do-Norte-Vestfália, o partido cresceu de 6 mil para 10 mil militantes. É importante que o WASG use o seu próprio programa e não somente o manifesto eleitoral limitado do PDS.
Existe uma discussão sobre uma futura fusão entre os dois partidos que deve continuar depois das eleições. Para a direção do PDS é uma maneira de tentar sobreviver como partido.
Doreen: O WASG tem a oportunidade de continuar a crescer depois das eleições.
Certamente virão novos movimentos contra a política neoliberal. Estes movimentos vão continuar não importa quem vença as eleições, o SPD ou a CDU (democracia cristã). Por isso participamos da construção do partido.
Como trabalha o SAV dentro do novo partido?
Doreen: O SAV trabalha para construir um pólo socialista dentro do novo partido. Pensamos que é fundamental que o partido seja socialista. Desde o começo, nós lutamos para que o partido tenha um programa socialista.
O programa atual tem grandes limitações. Por exemplo, não coloca a necessidade de abolir o FMI ou a OMC, mas de “alterá-los”
Infelizmente somos a única força da esquerda organizada do partido que defende que o WASG deva ter um perfil socialista. Porém, existem independentes que defendem a nossa posição. Alguns dias antes do último Congresso chamamos um reunião nacional da esquerda. Isto será o começo de uma ala socialista do novo partido.
A direção do partido nos vê como inimigos e tentam nos atacar. Nossos companheiros em Rostock, por exemplo, não foram reconhecidos como membros, apesar do papel importante que jogaram no movimento contra Hartz IV na cidade.
Mas, os ataques da direção tiveram um efeito positivo. Nossas posições hoje são bem conhecidas, mesmo em cidades onde não temos uma base organizada.
Aqui na Renânia-do-Norte-Vestfália temos uma posição forte. Na cidade de Aachen temos quatro membros na executiva do novo partido.