Novos partidos de esquerda na Bélgica e Escócia

A queda do muro de Berlim em 1989 acelerou o processo de conversão burguesa dos antigos partidos de origem operária, trabalhistas e social-democratas e muitos dos ditos ‘comunistas’. Esses partidos adotaram as políticas neoliberais e serviram como instrumentos centrais para a implementação dos ataques à classe trabalhadora.

Diante disso, no final da década de 90 e início dos anos 2000, em vários países, presenciamos iniciativas de construção de novos partidos de trabalhadores, impulsionados por uma parcela da classe trabalhadora que fez parte do enfrentamento no último período contra a implementação das políticas neoliberais.

Em números anteriores do nosso jornal, descrevemos a luta por novos partidos de trabalhadores na Inglaterra e Alemanha. Além desses países, nos últimos meses, seções do Comitê por uma Internacional Operária (CIO), a organização internacional à qual o Socialismo Revolucionário se integra, engajaram-se na construção de mais duas iniciativas na Escócia e na Bélgica.

Socializar estas experiências nos dará elementos para compreender melhor a situação e perspectivas para o PSOL neste cenário mundial, além da real dimensão das nossas tarefas enquanto militantes socialistas, nacional e internacionalmente.

O ‘Comitê por uma Outra Política’ da Bélgica

Depois de duas greves gerais em 2005 contra reformas na previdência da Bélgica, dois ex-parlamentares da social-democracia, Jef Sleeckx e Lode Van Outrive, engajaram-se na formação de um novo partido de esquerda. O objetivo inicial é construir uma unidade para enfrentar as eleições de 2007.

No ultimo 28 de outubro ocorreu no país uma conferência impulsionada pelo CAP (Comitê por uma Outra Política), liderado por esses ex-parlamentares, mas também apoiada pelo movimento chamado ‘Uma outra Esquerda’ (UAG), que é menos amplo e menos representativo.

Participaram por volta de 600 militantes, na sua maioria jovens e sindicalistas, representantes de movimentos sociais e organizações de esquerda. Cerca de 200 eram membros e outros 150 simpatizantes do MAS/LSP (Movimento por uma Alternativa Socialista / Partido de Esquerda Socialista), seção belga do CIO.

O CAP surgiu com o objetivo de reunir trabalhadores, jovens, intelectuais, sindicalistas em torno de um programa que expresse de fato os anseios do conjunto da classe trabalhadora. O grande potencial deste movimento, para o MAS/LSP, é justamente a sua proposta de impulsionar a criação de um novo partido político capaz de aglutinar, amplamente, todas as correntes e os trabalhadores que estejam dispostos a lutar contra a política neoliberal.

Construção inclusiva

No CAP as correntes políticas, dispostas a investir nesta construção, devem ter seu espaço. A diversidade não é vista como uma ameaça e sim como um forma de enriquecer as discussões políticas. Não se deseja engessar um programa já pré-definido e sim construir um programa como fruto coletivo do novo partido. Não há um ultimato para o programa surgir de cima para baixo, tampouco se deve limitar a liberdade de discussão, deve ser um partido que desde o início mantenha sua estrutura democrática para que os próprios trabalhadores e trabalhadoras possam elaborar o seu programa.

O CAP está a serviço de todos e todas que lutam contra a política neoliberal, com ou sem carteira assinada, ateus, cristãos ou mulçumanos, belgas ou imigrantes. A construção de uma organização nacional é o objetivo, unindo o movimento por cima das divisões lingüísticas e culturais entre a Valônia (onde se fala francês) e Flandres (onde se fala neerlandês).

O UAG (Uma Outra Esquerda), porém é muito diferente do CAP. Para o UAG, um programa elaborado pelos trabalhadores é qualificado como populista. A idéia em questão é que exista um programa pré-mastigado, já definido como anti-capitalista e que sirva como condição para quem quiser aderir ao UAG. Só os já definidos como anti-capitalistas seriam bem vindos. Defendiam discussões em pequenos grupos coordenados por nomes importantes de intelectuais das ONG’s de esquerda.

O UAG resistiu a participar desta conferência, entretanto, diante do destaque dado pela mídia ao evento, com a constante propaganda feita pelo MAS/LSP no período eleitoral (início do mês de agosto), acabou por decidir participar mediante algumas negociações de data e conteúdo da conferência com o CAP.

Sucesso da Conferência

A conferência do dia 28 de outubro foi um sucesso. O clima era de muita discussão, os grupos de trabalho funcionaram bem, entretanto ainda há muito trabalho a ser feito. A extrema rigidez na postura de não expressar as diferenças pode levar a um engessamento da política. O debate ainda ficou polarizado entre uma discussão mais sindical, que pouco atrai os jovens e, de um outro lado, uma discussão mais acadêmica e técnica, que reflete na verdade o momento histórico em que vivemos, com poucas lutas decisivas. Contudo, acreditamos que com o crescimento deste novo partido esta polarização deve se diluir, possibilitando um maior avanço político.

A resolução da conferencia foi no sentido de construir um programa de combate ao neoliberalismo, participar de forma unificada das eleições em 2007 em áreas onde isso é possível e continuar a colaboração entre CAP e UAG (apesar das diferenças) nos espaços que for possível.

Com certeza a seção belga do CIO, o MAS/LSP, tem muitas diferenças políticas com os ex-parlamentares da social democracia, impulsionadores deste ‘Comitê por uma Outra Política’, contudo, na luta pela unidade da esquerda, dentro de uma estrutura democrática, nos engajaremos na construção deste novo partido, apresentando e disputando democraticamente as nossas posições.

Solidariedade – Movimento Socialista da Escócia

No final dos anos 90 surgiu um novo partido de esquerda na Escócia, o SSP (Partido Socialista Escocês) que despertou o interesse dos socialistas do mundo todo, pois era uma das primeiras experiências de novas e amplas formações dos trabalhadores após a queda do muro de Berlim. Contudo a direção do partido afastou-se de uma política socialista e classista, adotando uma postura de reformismo e nacionalismo de esquerda, defendendo a independência da Escócia sem ruptura com o capitalismo.

Isso foi agravado por disputas internas personalistas pelo controle do partido dentro do próprio bloco majoritário na direção. Juntamente com o desvio eleitoralista, esses fatores acabaram por dividir o partido.

Caso Sheridan

O ponto de inflexão foi quando o deputado da Assembléia Escocesa Tommy Sheridan, um dos dirigentes do SSP e sua maior figura pública, foi acusado pelo jornal sensacionalista News of the World, de propriedade do direitista Rupert Murdock (uma espécie de ‘Roberto Marinho’), de ter ”práticas sexuais não ortodoxas”.

Sheridan entrou com uma ação na justiça contra a campanha difamatória anti-esquedista do jornal. Incrivelmente, quase toda a direção do SSP chegou a testemunhar em favor do jornal contra Sheridan, usando esse processo na luta interna. Antes já haviam exigido que Sheridan renunciasse de sua posição de dirigente, pois sua permanecia poderia atrapalhar os objetivos eleitorais.

Sheridan ganhou o processo contra o jornal e saiu do SSP junto com centenas de militantes para fundar um novo instrumento capaz de organizar a esquerda de fato. A partir daí, surge o ‘Solidarity – Movimento Socialista da Escócia’, nome adotado na conferência nacional de fundação que ocorreu em 4 de novembro de 2007. Essa conferência foi precedido por um Encontro no dia 3 de setembro envolvendo 600 participantes e outros dez encontros regionais com mais de mil participantes. Junto na formação do novo partido está a seção escocesa do CIO, International Socialists. Além dos militantes escoceses do CIO, o grupo escocês do SWP (Socialist Workers Party) britânico também aderiu ao novo partido.

Partido ou movimento?

O objetivo da conferência de fundação, que contou com a participação de mais de 250 militantes, era definir de maneira mais sólida o caráter dessa iniciativa, qual deveria ser o perfil e a estrutura de organização do Solidarity. No debate, a discussão se polarizou entre duas propostas e concepções: (1) que o Solidarity deveria ser uma espécie de movimento dos movimentos, ou seja, essencialmente um aglutinador da luta anti-racismo e contra a guerra e (2) outra que defendia a necessidade concreta de construção de um partido, não apenas um movimento, com as suas fronteiras claramente estabelecidas, capaz de se construir como uma alternativa socialista.

O SWP defendia que deveríamos dar ênfase na questão do racismo (principalmente a islamofobia) e não assumir um perfil socialista, que o partido deveria ser uma coalizão eleitoral e não um novo partido socialista. Para esse grupo o Solidarity deve ser um movimento dos movimentos, aproximaríamos mais pessoas se unificássemos o movimento anti-guerra e o anti-racismo. Eles também argumentarem contra a inclusão da expressão ”socialismo” no nome.

A posição do CIO foi a de defender um partido de verdade, não algo solto. Nossos companheiros ilustraram o argumento a partir de experiências concretas com trabalhadores organizados que vêem no Solidarity a real possibilidade de construção de um partido socialista capaz de superar o reformismo de esquerda que marcou o SSP.

Por fim, a plenária decidiu pela construção de um novo partido de fato, socialista, capaz de organizar os trabalhadores e trabalhadoras. O nome se manteve: o ‘Solidarity – Movimento Socialista da Escócia’ agora é a nova iniciativa para a construção de um instrumento socialista de luta para o conjunto da classe.

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