O Marxismo e a Revolução Nicaragüense

A derrubada da ditadura de Somoza em 1979 tem indubitavelmente ajudado a atiçar uma nova onda de luta revolucionária por toda a América Central. A vitória Sandinista reacendeu a idéia de uma luta insurrecional entre os jovens lutadores que combatiam as ditaduras da América Latina. Os indiscutíveis avanços sociais da Nicarágua desde 1979 também inspiraram aqueles que lutavam contra o capitalismo por todo o mundo.

Isso também permitiu que os Sandinistas conseguissem um grande apoio em muitos países. As bases fundamentais para isso foi o desejo absolutamente firme entre os socialistas e trabalhadores em defender a revolução contra a reação, especialmente pelos contra-revolucionários financiados pelos EUA. Mas ao mesmo tempo os marxistas não podem ser meros seguidores entusiasmados. É necessário tirar as lições corretas de cada luta para melhorar a compreensão da classe trabalhadora sobre as tarefas que ela enfrenta na sua luta para derrotar o capitalismo.

Infelizmente, há aqueles no movimento operário, e em particular em suas margens sectarizadas que deixam seu entusiasmo pela revolução nicaragüense tomar o lugar da análise marxista. Isso não é um fenômeno novo. É similar ao acrítico apoio que muitos autoproclamados “marxistas” deram a Stalin em 1930, Tito nos anos 40 e Mao nos anos 60. Estas pessoas esqueceram completamente, ou nunca conheceram, os fundamentos do marxismo em sua pressa de idealizar aqueles regimes. Por causa dos óbvios ganhos representados pela revolução, que apoiamos totalmente, muitos camaradas, especialmente entre a juventude, tenderam a desenvolver uma concepção inteiramente idealizada da natureza da revolução nicaragüense, e do papel e caráter de classe da liderança sandinista. Em nenhum momento negamos o heroísmo dos Sandinistas, ou da sinceridade de suas intenções. Contudo, a análise marxista não se baseia em examinar as qualidades pessoais da direção sandinista, mas sim a questão se é ou não o proletariado, como classe, que está no poder na Nicarágua. O fato de que atualmente há um esmagador apoio ao regime sandinista não significa que atualmente é a classe trabalhadora que está no poder. Similarmente, o fato de que os líderes Sandinistas fazem pronunciamentos sobre o socialismo não resulta de que os marxistas adotem uma aproximação acrítica com eles. Nós não julgamos as pessoas pelo que eles meramente dizem quem são, mas, mais importante, pelos que eles fazem.

A impressão geral criada é de que os Sandinistas são pessoas “que caminham rumo à revolução socialista”. Mas do que a revolução socialista realmente consiste? Acima de tudo ela é um movimento consciente da classe trabalhadora para tomar o poder em suas mãos. Ela exerce o seu controle sobre a sociedade através da democracia operária, baseada nos princípios da Comuna de Paris de 1871, o primeiro período da Revolução Russa e da Revolução Húngara. Estes princípios, expressados por Lênin em O Estado e a Revolução, fornecem o teste se uma revolução socialista se desenvolve ou não. Sumariamente, estes princípios são:

• Não um exército permanente, mas o povo armado.

• Todos os oficiais, administradores, etc. serem eleitos pelas organizações dos trabalhadores, com o direito de revogação imediata.

• Todos os oficiais devem receber o mesmo salário de um trabalhador qualificado.

• Participação popular em todas as questões administrativas; o gerenciamento e controle direto da sociedade pelos conselhos operários.

A contra-revolução política stalinista na Rússia durante os anos 20 destruiu a democracia operária baseada nestes princípios e tentou enterrar para sempre estes quatro pontos de Lênin.

A degeneração da revolução russa e a criação de regimes stalinistas em outros países após a II Guerra Mundial contribuíram para a enorme confusão dentro do movimento operário internacional sobre o que consiste uma revolução socialista e uma sociedade socialista. A força tremenda do stalinismo após 1945, o atraso da revolução nos países capitalistas avançados e a fraqueza das forças do marxismo no pós-guerra resultou em um desenvolvimento distorcido da revolução em outros países.

As revoluções no Leste Europeu, China, Vietnã, Cuba, Síria, Etiópia, etc., certamente levaram à derrubada do capitalismo (algo que ainda não se pode dizer da Nicarágua, embora isso não esteja excluído no futuro). A posse privada dos meios de produção foi substituída por economias nacionalizadas com a produção planejada. Isso certamente representou um gigantesco avanço e que, como tais, foram saudadas pelos marxistas. Contudo, o modo distorcido que essas revoluções foram conduzidas inevitavelmente levou ao regime de um só partido, um estado burocrático totalitário e uma nova forma de escravização dos trabalhadores. Isso apesar do fato de que, pelo menos nos estágios iniciais, esses regimes tiveram um caráter extremamente popular e foram entusiasticamente recebidos pelas massas.

Porque isso aconteceu? Foi produto de acidente, incompreensão ou “má sorte”? Ao contrário, isso tem raízes na natureza destas revoluções, que aconteceram sem o papel de liderança consciente dos trabalhadores, a mais alta expressão disto é o partido revolucionário marxista.

Apenas a classe trabalhadora, organizada em conselhos democráticos revolucionários, ou sovietes, pode efetuar a transformação socialista da sociedade. Nenhuma outra classe ou grupo social – sejam camponês, lumpens, estudantes, burocratas, guerrilhas ou oficiais radicais do exército – podem jogar o mesmo papel. E mesmo se outro grupo social tentar substituir o proletariado por ele mesmo na revolução, o resultado é uma inevitável conclusão. Mesmo nas mais favoráveis condições, onde tais movimentos assumam após a derrubada do capitalismo e do latifúndio, o melhor que se pode esperar é um novo tipo de escravização burocrática e totalitária, que pode durar por décadas, até que a classe trabalhadora se torne forte o suficiente para derrubá-la através de uma nova revolução política e se mova em direção ao socialismo verdadeiro, removendo o estado parasitário burocrático, e criar um genuíno estado dos trabalhadores, ou “semi-estado”, para usar uma expressão de Lênin. Desde o início destas revoluções, o controle estava firmemente nas mãos de uma elite que criou um regime burocrático modelado no regime stalinista da URSS. Portanto, temos a criação do que os marxistas chamam bonapartismo proletário em muitas partes do mundo.

Contudo, no caso da Nicarágua, os líderes sandinistas, sob a pressão das burocracias cubana e soviética, não levaram o processo de expropriação do capitalismo até o fim. Por causa desta política, não está completamente excluído que a reação capitalista ainda possa ter sucesso em estrangular a revolução nicaragüense. Apenas este fato ilustra o caráter completamente não-marxista da liderança sandinista e sua concepção estreita e nacionalista da revolução, assim como o papel criminoso do stalinismo russo e cubano, que não querem uma posterior complicação em suas relações com o imperialismo americano, por serem vistos abertamente como apoiadores da eliminação do capitalismo na América Central.

Moscou e Havana, claramente, pressionaram pesado os sandinistas a adotar uma posição moderada e tentar um “acordo” com Washington. Isso explica a vã tentativa de conciliar com o que há de esquerda com a burguesia nicaragüense com todo o tipo de concessões, que só servem para animar os contra-revolucionários descarados e fortalecer o risco de uma invasão dos EUA. Longe de ser uma política “realista”, isso levará a desastrosas conseqüências.

Se os sandinistas fossem genuínos marxistas leninistas, Eles levariam a revolução até sua conclusão final, expropriando a burguesia e então fazendo um apelo revolucionário aos trabalhadores e camponeses da América Central e Latina, e também da América do Norte, para virem em sua ajuda. Numa base puramente nicaragüense – ou puramente centro americana – não há possibilidade de vitória. Aqui a lição da revolução permanente está posta em branco e preto: ou a revolução se espalha por outros países, começando com as Américas Central e Latina, ou está condenada. A situação explosiva em todo o subcontinente é uma poderosa reserva para a revolução, e uma arrojada política revolucionária internacionalista é necessária. Mas na base de um ilusório “realismo”, manobras diplomáticas e meias-medidas, não há esperança possível.

A confusão generalizada sobre a natureza do regime nicaragüense é baseada na apreciação superficial do grande entusiasmo que sem dúvida existe entre as massas com os ganhos da revolução. Entusiasmo similar existiu não apenas na Iugoslávia, China e Cuba nos primeiros estágios da revolução, mas também na Rússia de Stalin no período do primeiro plano qüinqüenal, antes do pesadelo dos processos de expurgos afogarem os últimos remanescentes de Outubro num mar de sangue. Mesmo que a natureza do regime sandinista seja claramente diferente daquele de Stalin na Rússia, é um erro crasso imaginar que ele representa uma genuína democracia dos trabalhadores, ou de que seja capaz, no presente curso, de caminhar nesta direção.

Muitos apoiadores do regime sandinista apontam o enorme crescimento de organizações populares desde 1979 e dizem que isso prova na prática que os sandinistas não irão se transformar em uma elite burocrática. Certamente o crescimento destas organizações é impressionante, mas na realidade eles não exercem o poder. O controle real na Nicarágua está nas mãos do partido único sandinista, a FSLN, que possui uma militância muito restrita.

De uma população total de 3 milhões, há 100 mil membros na Central Sandinista dos Trabalhadores (CST), 40 mil membros na Associação dos Trabalhadores Campesinos (ATC), 70 mil na união de fazendeiros (UNAG), 70 mil na organização de mulheres (AMLAE), 50 mil no movimento da juventude sandinista (IMJ191), 500 mil nos 12 mil Comitês de Defesa Sandinista (CDS) e 80 mil na milícia (MPS). Em 1979, apenas 25 mil trabalhadores estavam nos sindicatos e agora há 250 mil membros na CST e outros sindicatos. O crescimento destas organizações de massa representa um importante avanço para os trabalhadores urbanos e rurais, camponeses e a juventude a darem os primeiros passos em sua consciência de classe.

Mas enquanto estas organizações se expandem, a FSLN mesma permanece muito pequena. É muito difícil encontrar militantes do partido único sandinistas, mas foi relatado que em janeiro de 1981 a FSLN tinha 500 membros e planeja dobrar isso para 1.000 no verão de 1981. Também foi relatado que não se planejava aumentar a militância da FSLN para mais de 5 mil membros.

Mesmo quando as organizações de massa crescem rapidamente, tem havido sérias limitações à sua democracia interna. A CST (Central Sandinista dos Trabalhadores) teve o seu primeiro congresso em 1983, três anos e meio depois de sua formação!

A realidade é que a atitude dos sandinistas com as massas é de que eles estão agindo em seu favor. Ao invés de confiar nos trabalhadores para que eles dirijam a sociedade, os líderes sandinistas os vêem como muito ‘imaturos’, por isso a FSLN precisa permanecer pequena. Essa é a razão porque não houve eleições para nenhum tipo de governo durante os primeiros anos da revolução.

A atitude dos sandinistas de convocar as massas apenas para legitimar suas decisões foi ilustrada em seu jornal Barricada que anunciou que o comparecimento de 500 mil pessoas ao comício para comemorar o primeiro aniversário da derrubada de Somoza significou que o “o povo votou” pela aprovação da política da FSLN. Nós apenas temos que comparar essa abordagem com a dos bolcheviques depois de 1917 para ver que os sandinistas estão anos luz do programa de Lênin e Trotsky.

Eles apontam que o enorme aumento das organizações de massa, como um sinal do envolvimento do povo nas tomadas de decisões. Mas embora seja verdade que estas são locais potenciais de tomada de decisão, os CDSs, por exemplo, as decisões principais são tomadas pela pequena FSLN, uma organização que impõe um limite arbitrário no tamanho de sua organização, independentemente da qualidade daqueles que podem se unir a eles.

Enquanto Lênin e Trotsky procuravam prevenir que carreiristas se unissem aos bolcheviques após a tomada do poder em 1917, eles nunca impediam que trabalhadores revolucionários comprovados se tornassem membros. A atitude dos sandinista, além de mostrar sua falta de confiança na classe trabalhadora, carrega consigo as sementes de uma nova elite dominante.

No momento que escrevemos, os sandinistas promovem eleições na Nicarágua. O principal propósito destas eleições é apaziguar o imperialismo americano e oferecer uma cobertura para a oposição burguesa interna. Tentaram encontrar alguma justificação teórica para esta política apelando para a absolutamente falsa e desacreditada teoria das “duas etapas”, de Stalin. Não há nenhuma burguesia “democrática” na Nicarágua. A burguesia está do lado dos “Contras”. Ela boicotou as eleições e faz uso das concessões oferecidas pelos sandinistas como uma plataforma para organizar o apoio à reação armada.

Esta claro que o resultado das eleições será uma vitória esmagadora para os sandinistas. Os partidos burgueses, abertamente identificados com a contra-revolução, estão totalmente desacreditados aos olhos das massas. A coisa certa a se fazer sob estas circunstâncias seria se basear no seu voto de confiança para levar o processo revolucionário até o fim, nacionalizando a propriedade da burguesia reacionária sob a administração democrática e controle da classe trabalhadora. As organizações de massa existentes, sindicatos, comitês populares, ampliando-se para incluir cada sessão da classe trabalhadora, donas de casa, fazendeiros e milicianos para providenciar a base de um estado operário democrático, e um invencível baluarte contra a contra-revolução.

Tal passo teria um efeito eletrizante sobre os trabalhadores, não apenas das Américas Central e do Sul, mas também os dos EUA. Junto com um apelo internacionalista, isto teria um efeito similar ao terremoto produzido pela revolução bolchevique sobre todo o mundo. Mesmo que a Nicarágua seja um país predominantemente camponês, não se pode esquecer que a Rússia de então era como a Índia de agora. O fator decisivo aqui não é a relativa fraqueza do proletariado em relação ao campesinato (ou, no caso da Nicarágua, trabalhadores rurais, o que não é sempre o caso), mas a fraqueza da direção do proletariado na Nicarágua e no mundo. Com uma política diferente, o resultado poderia ser diferente.

A recusa dos sandinistas em completar a revolução pela expropriação dos capitalistas, significa que a direção dela não está assegurada completamente. Não está excluído que, sob certas condições, a burguesia nicaragüense, apoiada pelo imperialismo, comece a puxar todo o processo para trás. O deslocamento econômico, baixas condições de vida e sabotagem dos capitalistas, podem criar um descontentamento entre maiores setores, levando a uma situação contra-revolucionária, um racha entre os sandinistas e um golpe direitista. Paradoxalmente, é a política de Reagan e a ameaça de uma reação aberta representada pelos “Contras” que no momento está retirando o solo debaixo dos pés da oposição interna. As massas podem não saber exatamente o que querem, mas sabem perfeitamente o que não querem: elas irão lutar como tigres contra qualquer tentativa de restaurar a ditadura de Somoza por uma força armada.

Como dissemos antes, se Reagan pudesse esperar alguns anos, há uma possibilidade séria da revolução nicaragüense, ficando a meio caminho, sucumba às suas contradições internas e permita o triunfo da burguesia contra-revolucionária a partir de dentro. Mas a questão é que Reagan e o imperialismo americano não podem esperar. O perigo representado por uma revolução, ainda que distorcida e incompleta, no contexto explosivo da América Central é grande demais para ser tolerado. Tudo aponta na direção de uma intervenção aberta contra El Salvador e Nicarágua, especialmente se Reagan ganhar a próxima eleição. Infelizmente, a política dos líderes sandinistas apenas preparam o terreno para tal desfecho. Suas tentativas de concessões não terão efeito. Apenas uma política revolucionária pode deter as mãos do imperialismo. Apenas levando a revolução ao seu término se pode garantir seu sucesso. Mas não se pode confiná-la às fronteiras de um pequeno e artificial país como a Nicarágua. A verdadeira sobrevivência da revolução depende que se espalhe rapidamente, para a América Central, depois para a América Latina, América do Norte e o resto do mundo.

Mesmo a nacionalização e o planejamento da economia, contudo, não são suficientes para definir o regime nicaragüense como “socialista”. Apesar da inquestionável natureza progressiva da nacionalização, as economias planejadas de Cuba, China, URSS e outros estados operários deformados, a classe trabalhadora é ainda algemada sob a tutela de elite privilegiada burocrática. E isso é inevitável no caso de uma revolução realizada por uma minoria guerrilheira agindo em nome do proletariado, não importando o quanto heróica, sincera ou bem-intencionada esta minoria possa ser.

O marxismo se baseia na classe trabalhadora como a única classe que pode estabelecer o socialismo, não por alguma razão sentimental ou uma escolha arbitrária, mas por causa do papel social do proletariado na produção e por que é a única classe na sociedade com uma instintiva consciência socialista, derivada de suas condições de existência. Do outro lado, a consciência do camponês, do intelectual, do estudante e do lumpem, baseada no individualismo e moldada na psicologia do pequeno proprietário, ou do oficial do exército, usada para o sistema de comando e obediência cega, é menos do que adequada para a tarefa de organizar a sociedade sob linhas democráticas e coletivas.

Sem democracia operária a derrubada do capitalismo pode levar apenas à criação de um regime de bonapartismo proletário. Tal regime pode desenvolver a sociedade até um certo estágio, porque se apóia em uma economia planejada, antes que os trabalhadores peguem a tarefa de realizar uma nova revolução política que começará a se mover em direção ao socialismo.

O princípio disso é que o proletariado como classe controla a sociedade. Através de suas organizações de classe – sindicatos, conselhos, partidos políticos – os trabalhadores (e, num país como a Nicarágua, em aliança com os camponeses pobres), determinam as tarefas a desempenhar. Essa é a essência de uma revolução socialista, o fato de que o proletariado, agindo como um corpo coletivo, toma o poder. De outro lado, a luta de guerrilhas, por si mesma, nunca poderá resultar em uma democracia dos trabalhadores porque se baseia na idéia de criar uma força armada que iria tomar os centros urbanos, o lar dos trabalhadores, de fora.

Em outras palavras, os guerrilheiros vêem a classe trabalhadora jogando um papel auxiliar, uma política que resultou em uma severa derrota para a revolução salvadorenha em 1980. A estratégia guerrilheira, que não é a mesma que vê a necessidade da classe operária de liderar a insurreição, levou o exército guerrilheiro ao poder, não as organizações de classe dos trabalhadores. O meio para se evitar isso é a luta guerrilheira ser vista como uma auxiliar da luta da classe trabalhadora urbana.

As elites burocráticas na China, Vietnã e Cuba saíram precisamente dos líderes de exércitos guerrilheiros vitoriosos. Na Nicarágua, embora fosse os trabalhadores de Manágua que finalmente derrubaram a ditadura de Somoza em julho de 1979, o poder político passou para as mãos da FSLN. Apesar do fato, que o líder sandinista Humberto Ortega ter admitido, o movimento dos trabalhadores forçou a FSLN a mudar a estratégia da guerrilha para privilegiar a insurreição urbana, os sandinistas eram vistos como líderes da revolução em virtude de sua longa e heróica luta contra Somoza. Sem democracia operária, um rompimento decisivo levará ao desenvolvimento de uma forma de bonapartismo proletário, não importa as boas intenções que os sandinistas tenham.

Alguns tentam justificar a relutância dos sandinistas em agir decisivamente contra o capitalismo comparando suas políticas econômicas com as dos bolcheviques nos anos de 1920. Qualquer comparação entre a Nicarágua hoje e a Rússia dos primeiros dias da revolução é completamente falsa porque, como tem sido explicado, um governo de democracia operária, controlado pelos sovietes, e um partido bolchevique de massas existia naquele tempo sob Lênin e Trotsky.

A introdução da Nova Política Econômica em 1921, que deu grandes concessões aos capitalistas e camponeses ricos da Rússia, foi uma necessidade imposta aos bolcheviques por causa da derrota da revolução socialista na Europa e da devastação causada pela guerra civil. Mas apesar disso o comando da economia e todo o comércio exterior permanecia nacionalizada sob o comando de um estado de relativa democracia operária. Em um país como a Nicarágua, que possui muitos elementos de pequenos burgueses, produtores e comerciantes capitalistas, os marxistas podem apenas advogar a imediata nacionalização dos grandes negócios, companhias e comerciantes estrangeiros e bancos. Contudo, os sandinistas estão longe deste caminho ao tentar acalmar os capitalistas locais e governos estrangeiros de que eles querem preservar uma ‘economia mista’.

Um dos principais líderes da FSLN, Tomas Borge, tem falado continuamente sobre o desejo dos sandinistas em manter esta economia mista. Ele disse ao Le Monde de Paris: “nós não falamos sobre pluralismo político e economia mista para agradar os americanos. Esse é o nosso programa”. (19 de dezembro de 1982). Em outra entrevista, poucos dias depois, ao limenho La Republica, Borge admitiu que: “Nós demos aos homens de negócios várias concessões, créditos, facilidades, mas muitos deles permanecem descontentes. Eles não vão se conformar em perder o poder político. (12 de dezembro de 1982).

Isso resume todo o dilema que enfrentam os sandinistas. A revolução de 1979 destruiu a velha máquina estatal, não deixou a burguesia nicaragüense nenhum “destacamento de homens armados” para garantir sua dominação. Sem tal garantia na forma de pelo menos uma máquina estatal relativamente segura os capitalistas não irão investir e sem investimentos numa economia capitalista não pode funcionar. Mas tendo expropriado a maior parte dos capitalistas, e começado a planejar a economia, os sandinistas tentam apaziguá-los, uma política que em parte foram obrigados a adotar devido à pressão das burocracias russa e cubana, que hesitam em provocar um encontro com o imperialismo ao ajudar a estabelecer o primeiro regime bonapartista proletário da América continental.

A relutância em acabar com o capitalismo tem ajudado nas piores escolhas econômicas e, mais importante, não parou Reagan na sua busca por esmagar a revolução. Ele continuará a ajudar na vitória da contra-revolução porque a continua presença da revolução nicaragüense encoraja a luta revolucionária em toda a América Central. Não importa quais compromissos os sandinistas tentem fazer com os capitalistas ou o governo estadunidense, Reagan irá manter sua política a menos que haja um movimento dentro dos EUA ou que a revolução se espalhe para outros países da América Central. De fato a posição da FSLN em tentar não provocar Reagan é muito perigoso porque a melhor salvaguarda para a continuação da revolução é a consolidação de uma democracia dos trabalhadores dentro da Nicarágua e um apelo internacional aos trabalhadores e camponeses da América a seguirem seu exemplo.

Contudo, como Alan Woods apontou no inverno de 1983/84, a política dos sandinistas não é acidental, elas se originam da aceitação, por parte da FSLN, da teoria das ‘duas etapas’… o capitalismo na Nicarágua, como em toda a América Central, é absolutamente corrupto e degenerado. Não há nenhum caminho, com o capitalismo, para a revolução nicaragüense. Mesmo que os sandinistas persistam na vã tentativa de manter algum tipo de setor privado na economia nicaragüense. É um erro imaginar que o capitalismo tem sido eliminado. Ao invés disso, nós temos um peculiar estado onde, por um lado, a velha máquina de Somoza tem sido totalmente esmagada – o estado na concepção dos marxistas, como um corpo de homens armados em defesa das relações de propriedades particulares – e um inteiramente novo estado que tem sido controlado pelos sandinistas. 60% da terra (e indústria), permanecem em mãos privadas. O poder econômico da burguesia portanto ainda não foi decisivamente destruída na Nicarágua.

“Essa situação não pode existir por um grande período de tempo. Ou os sandinistas, liderando os trabalhadores e camponeses, irão levar o processo ao seu final, nacionalizando a economia, ou não está excluído, sob certas condições, que a burguesia reúna novas forças ao seu redor e extinga o estado”.

A situação contraditória onde os capitalistas ainda controlam a economia, mas não o estado, não irá permanecer eternamente. Apenas pode ser resolvida pelo estado tomando o controle da economia ou pela vitória da contra-revolução, permitindo à burguesia criar um novo estado capitalista. A tragédia é que os sandinistas estão dando à burguesia a oportunidade de continuar trabalhando por esta segunda opção.

A natureza totalmente contra-revolucionária dos capitalistas da Nicarágua foi vista na recusa original da sua maior aliança política, CDN, de tomar parte das eleições marcadas para novembro a menos que os sandinistas concordassem em negociar com os bandos armados dos `Contras’ que atacavam o país.

Em meados de agosto a CDN repentinamente retirou sua exigência. O The Guardian relatou que “vários governos latino-americanos e europeus privadamente disseram a CDN que sua desculpa para boicotar as eleições era inadequada. Muitos estavam mesmo irritados porque a CDN permitiu que se tornasse tão abertamente identificada com os Contras.” (16 de agosto de 1984.) Em outras palavras, os apoiadores estrangeiros da contra-revolução disseram a CDN para mudar sua abordagem para fabricar uma melhor desculpa para uma intervenção.

Os capitalistas ainda esperam que um boicote eleitoral por seus partidos irá fornecer a melhor justificação pública para uma eventual intervenção estadunidense se Reagan for re-eleito. Não há nenhuma possibilidade que a burguesia nicaragüense se reconcilie com a revolução, ainda que os sandinistas não estejam preparados para empreender ações contra grupos como a CDN, que é o braço político dos bandos `Contras’, na vã esperança de que esse gesto irá deter a intervenção de Reagan.

A teoria das ‘duas etapas’ dos stalinistas diz que é necessário criar a “ditadura democrática dos trabalhadores e camponeses” (chamada erroneamente algumas vezes de ‘governo dos trabalhadores e fazendeiros’), como uma etapa separada e distinta antes da construção de uma democracia operária nas bases de uma economia planejada nacionalmente.

Isso leva a FSLN tentar o tempo todo um acordo com os ‘capitalistas democráticos’, quando de fato não há tal coisa na Nicarágua. Deixando de lado um pequeno grupo de inexpressivos políticos capitalistas, que pensam que podem ter ganhos pessoais trabalhando dentro do regime, a totalidade da burguesia está determinada a esmagar a revolução.

Mas a teoria das `duas etapas’ significa que os líderes da FSLN relutam em remover os meios de produção capitalistas através da nacionalização. De fato, muitos dos principais líderes dos `Contras’ são líderes burgueses que já foram incluídos pelos sandinistas em seu governo ‘revolucionário’. Arturo Cruz, o candidato presidencial da CDN que até recentemente exigia conversações com os Contras, foi indicado pela FSLN para a Junta de Governo em maio de 1980 no lugar de outro líder capitalista que abandonou a junta em protesto pelas políticas sandinistas. Hoje, Cruz agradece aos seus antigos padrinhos dando a Reagan a desculpa para intervir por causa das eleições ‘antidemocráticas’.

Essa teoria dos stalinistas se basearia no que ocorreu durante a revolução russa, mas a realidade é completamente oposta. Nunca houve um período em que Lênin e os bolcheviques colaboraram num governo com capitalistas, isso é uma perversão de tudo que Lênin lutou contra.

Essas idéias estão sendo agora repetidas pelos antigos seguidores de Trotsky no SWP norte-americano, que capitularam ao stalinismo. Esses renegados do marxismo distorceram as idéias de Marx, Engels, Lênin e Trotsky para criar um novo estágio, que eles chamam de “governo de trabalhadores e fazendeiros”, entre o capitalismo e uma democracia operária, onde os principais setores da economia ainda não foram nacionalizados. Face à dificuldade de conciliar esta posição com a do marxismo, um líder do SWP foi forçado a fazer uma ‘clarificação’ em uma nota de rodapé em um artigo recente admitindo que “Marx, Engels, Lênin e outros usavam democracia operária num sentido que também abrangia um estado no qual o poder político foi arrancado das classes exploradoras e posta nas mãos do proletariado e seus aliados, mas em que formas socialistas de propriedades (i.e. a economia planificada), ainda não predomina.” (pg 92 New International No. 3).

Eles são forçados a admitir que “Lênin usou muitos termos diferentes nos anos seguintes à vitória de Outubro para descrever o processo revolucionário que o Partido Bolchevique liderava: ditadura do proletariado, governo operário e camponês, estado socialista, República Soviética, ditadura dos trabalhadores e camponeses pobres, estado proletário, etc.” (pg 64). Isso mostra que eles tentam dar um novo sentido a demanda de um governo operário camponês, o que implica na manutenção da economia capitalista, como uma justificação da recusa dos sandinistas em se mover contra a burguesia, uma política que coloca o futuro da revolução em perigo.

É claro que a criação de uma democracia operária não irá levar imediatamente ao socialismo. Uma sociedade socialista só pode ser construída nas bases de suprir todas as formas de escassez através do aumento da produtividade do trabalho em níveis tão altos que jamais poderiam ser alcançados sob o capitalismo. Por isso o capitalismo, e portanto o imperialismo, precisa ser derrubado em um certo número nos mais avançados países capitalistas, ou então o stalinismo na União Soviética. Mas sendo subdesenvolvidos e pequenos, países como a Nicarágua não poderiam completar a revolução socialista mundial que eles podem iniciar.

A vitória da revolução socialista na Nicarágua pode não apenas ajudar a transformar a América Central, mas terá um profundo efeito na maioria dos países da América Latina, como México, Brasil, Argentina, Chile, etc. O estabelecimento de uma democracia dos trabalhadores em algum destes grandes países irá mudar toda a situação mundial e garantir a vitória final contra o capitalismo e o stalinismo. É por isso que é tão importante, mesmo em um pequeno país como a Nicarágua, com uma população que é a metade da de Londres, a classe operária se armar com o marxismo. A vitória do programa marxista em um só país hoje pode ser o sinal verde para o início da revolução mundial que irá transformar toda a humanidade.

Cronologia da história da Nicarágua

1821
Independência da Federação da América Central, da qual a Nicarágua faz parte.

1843
Dissolução da Federação da América Central

1909
Tropas americanas invadem a Nicarágua para impedir que o presidente Zelaya construa um concorrente do Canal do Panamá com capitais alemão e japonês. A Nicarágua, devido a isso, se torna uma semicolônia dos EUA.

1912
Tropas americanas intervêm novamente para sufocar uma insurreição nacional dos Liberais, depois da qual uma força permanente de Marines se estabelece na Nicarágua.

1925
Os Marines se retiram da Nicarágua. Dois meses depois a guerra civil começa após os Conservadores quebrarem sua coalizão com os Liberais e darem um golpe. As tropas americanas imediatamente retornam.

1927
Os Liberais concordam em se render sob os termos dos EUA, mas um único líder Libera, General Sandino, se recusa e continua a luta com uma força de 300 homens, no norte.

1932
Com a promessa de que os Marines se retirarão (o que fazem em 1933), Sandino concorda em parar a luta, recebendo promessas de algumas cooperativas camponesas.

1934
Assassinato de Sandino quando ia a um encontro no Palácio Presidencial, em um golpe organizado por Somoza, então chefe da Guarda Nacional, e o embaixador americano.

1936
Somoza sobe ao poder e usa sua posição para se tornar a pessoa mais rica da América Central. Somoza é assassinado em 1956 e é sucedido por seu filho mais velho, que é substituído por seu irmão mais novo depois de sua morte em 1967. Por volta de 1979 a família Somoza tinha uma fortuna de $150 milhões na Nicarágua e mais milhões pelo mundo afora.

1958
Uma nova guerrilha sandinista sob o comando do General Raudeles começa no norte do país.

1962
Fundação da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), por Carlos Fonseca Amador, Silvio Mayorga e Tomas Borge. Fonseca era um antigo membro do PSN (o partido comunista pró-Moscou), que se encontrou com Che Guevara em Cuba depois de ser ferido em 1959 nas guerrilhas sandinistas.

1963
A FSLN começa a atividade guerrilheira.

1970
Depois de pesadas derrotas a FSLN suspende toda a atividade militar.

1972
Um terremoto destrói a capital nicaragüense, Manágua.

1974
A FSLN restabelece a atividade militar poucos dias após a formação da União Democrática de Liberação (UDEL), uma ‘frente popular’ de capitalistas liberais e organizações operárias.

1975
A maioria da FSLN expulsa a ‘Tendência Proletária’, de Jaime Wheelock, que se opunha a toda aventura militar e defendia que FSLN se insira primeiro no meio do proletariado.

1976
Nova divisão dentro da FSLN entre a majoritária Tendência Terceirista e a Tendência ‘Guerra Popular Prolongada’ (GPP). Os Terceiristas de Daniel Ortega favorecem ações de comandos, atividades guerrilheiras urbanas similares aos tupamaros uruguaios, uma orientação para uma insurreição antecipada e defendem alianças com seções da burguesia. A GPP de Tomas Borge, queria manter a estratégia de guerrilha rural.

1977
Somoza suspende o estado de emergência depois de aparentemente esmagar a FSLN, mas um mês depois a Tendência Terceirista lança novos ataques. Em novembro a UDEL publica um manifesto em favor da criação de uma alternativa democrática a Somoza que incluísse a FSLN.

1978
Assassinato do líder da UDEL por Somoza e o movimento de ‘La Prensa’ contra o regime. 120 mil vão ao funeral de Chamorro, patrões e sindicatos chamam a greve geral e a FSLN lança mais ataques.

Julho: Formação da FAO, um corpo de oposição que ia das forças do MDN, do industrial milionário Alfonso Robelo, aos Terceiristas da FSLN. Os Terceristas lançam ataques militares enquanto a GPP defende uma maior propagação do trabalho político. Insurreições e greves se espalham pelo país, embora o movimento de setembro em Leon e Esteli seja suprimido com a perda de 6 mil vidas.

Novembro: Os Terceiristas saem da FAO em protesto pela interferência americana nas negociações entre a FAO e Somoza.

1979

Fevereiro: Formação da Frente Patriótica Nacional (FPN), pelos sandinistas, sindicatos, MPU e pequenos grupos burgueses.

Março: Reunificação da FSLN e retomada da sua ofensiva militar no meio do continuado movimento de massas. Novos frontes são abertos.

Junho: Espontânea insurreição na capital, Manágua. Formação no exílio do governo provisório, composto de 3 Sandinistas e 2 capitalistas.

Julho: Entrada dos sandinistas em Manágua marca o fim da guerra civil que matou mais de 50 mil pessoas (2% da população na Nicarágua). Nesta época a FSLN não tinha mais do que 500 membros. Em 20 de julho o governo provisório se torna a Junta Governamental de Reconstrução Nacional (JGRN), com uma maioria de 3 a 2 para os sandinistas e a nacionalização dos bens da família Somoza. Hoje os dois membros capitalistas da junta apóiam os ‘Contras’.

Esse artigo, publicado no site do CIO (www.socialistworld.net) para marcar os 25 anos da tomada do poder pelos Sandinistas, foi primeiro publicado em 1984 pela Militant International Review, antecessora do Socialism Today, revista do Socialist Party, CIO na Inglaterra e País de Gales.  

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