25 anos da campanha presidencial de 1989 – Quando “Lula lá” significava outra coisa

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Há 25 anos, aconteceram as primeiras eleições diretas para presidente da república realizadas no Brasil depois do golpe de 1964. Naquele momento, a campanha presidencial do PT e da Frente Brasil Popular, encabeçada por Lula, foi o ponto alto de um ascenso das lutas sociais e da esquerda que marcou toda a década de 1980. Hoje, diante da mudança de lado do próprio PT, ainda há lições a tirar para a esquerda que não quer seguir o mesmo caminho.

As eleições de 1989 no Brasil aconteceram em um contexto de profunda crise econômica, social e política. O novo regime político que começava a ser construído a partir da Constituição aprovada em 1988, ainda estava marcado pelo continuísmo. O aparato repressivo, a política econômica subserviente ao FMI e os ataques aos trabalhadores herdados da ditadura se mantinham.

À frente do governo, José Sarney batia recordes de impopularidade. O primeiro presidente civil desde 1964 só havia chegado ao poder em consequência da morte de Tancredo Neves, que havia sido escolhido indiretamente pelo Colégio Eleitoral. A chapa Tancredo/Sarney refletia o grande acordão entre a oposição burguesa moderada ao regime militar (PMDB) e setores oriundos do próprio regime.

O acordo de amplos setores da burguesia em torno da escolha de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral representava a busca de uma transição segura, sem sobressaltos e sem mudanças radicais. Esses setores temiam o crescimento de um movimento pela base, protagonizado pelos trabalhadores, contra o regime burguês-militar.

Um ascenso operário e popular

A partir do final dos anos 1970, a crise do modelo econômico da ditadura, em meio a uma crise generalizada do capitalismo, abriu um período de estagnação e altíssima inflação. Já nos anos 1980, a crise das dívidas colocou o país em total subserviência aos ditames do FMI. Arrocho nos salários, cortes nos gastos públicos, desemprego e repressão. Essa era a resposta do general Figueiredo e continuou sendo a mesma de Sarney.

Do ponto de vista dos que realmente carregavam nas costas o peso da crise, a resposta veio com as greves, mobilizações e a organização sindical de uma nova geração de trabalhadores nascida do intenso processo de industrialização e urbanização dos anos anteriores.

No ABC paulista a fermentação da base metalúrgica encontrou uma direção sindical que, apesar de atuar sob uma estrutura sindical a serviço do peleguismo, acabou por encabeçar o processo de lutas. Na capital paulista e em outras regiões, foram os setores de Oposição Sindical que, em grande parte, jogaram um papel protagonista nas greves operárias.

Nas periferias de São Paulo e outras grandes cidades, antes mesmo das greves do ABC, foram as mulheres da classe trabalhadora que foram à luta contra a alta do custo de vida e por serviços públicos como saúde, educação e transporte. Da mesma forma o movimento estudantil se reerguia, retomando as mobilizações já em 1977 apesar da repressão ainda existente. Desse processo de mobilização nasceram ou renasceram as grandes entidades dos movimentos sociais que dirigiram as principais lutas da década de 1980, como a CUT (1983), o MST (1984/85) e a UNE (reconstruída em 1979). Foi desse processo que também nasceu o Partido dos Trabalhadores (PT), fundado oficialmente em 1980.

A luta por salário, melhores condições de trabalho, redução da jornada, também por postos de saúde, escolas, linhas de ônibus, contra a carestia, ligava-se diretamente à luta por democracia, pela anistia aos presos políticos, por eleições diretas, por uma Assembleia Constituinte exclusiva e pelo fim do regime militar. Depois da onda de greves em todo o país a partir de 1978, que resultou na convocação da primeira greve geral pela Comissão Nacional pró-CUT em julho de 1983, o PT convoca em novembro do mesmo ano o primeiro comício por eleições diretas para presidente em frente ao estádio do Pacaembu (SP).

No ano seguinte, já com a adesão da oposição burguesa ao regime militar, incluindo governadores de estado, a campanha das ‘Diretas Já’ assume dimensões multitudinárias. Milhões tomaram as ruas em todo o país.

Uma velha “Nova República”

Antes mesmo da não aprovação no Congresso Nacional da emenda Dante de Oliveira, que estabelecia eleições diretas, a oposição burguesa encabeçada pelo PMDB em aliança com uma dissidência do partido governista, a Frente Liberal (futuro PFL, depois DEM), já negociava uma saída controlada do regime militar através do Colégio Eleitoral.

Nesse contexto, o PT não apenas recusou-se a participar do Colégio Eleitoral, denunciando a manobra da oposição burguesa, como ainda expulsou três deputados federais que se negaram a aceitar a linha do partido e votaram em Tancredo e Sarney.

Com a morte de Tancredo antes mesmo da posse e a ascensão de José Sarney, o governo da chamada Nova República recusa-se a convocar eleições para uma Assembleia Constituinte exclusiva e acaba por transformar o Congresso eleito em 1986 em Congresso com poderes constituintes. Mesmo assim, a força dos movimentos sociais conseguiu fazer aprovar na nova Constituição promulgada em 1988 uma série de direitos sociais que os governos seguintes, até os dias de hoje, iriam incessantemente buscar revogar ou neutralizar.

Baseado nas esperanças e ilusões diante do primeiro governo civil em mais de 20 anos e nas medidas heterodoxas na economia representadas pelo Plano Cruzado (congelamento de preços e salários, mudança da moeda e controle do câmbio), o PMDB de Sarney e Ulysses Guimarães obteve uma estrondosa vitória eleitoral em 1986, elegendo 22 governadores em 23 estados. Esse partido já havia conseguido um excelente resultado nas eleições municipais um ano antes.

Mas, esse apoio foi efêmero. Depois do estelionato eleitoral de 1986, quando poucos dias depois da eleição o governo descongela os preços e a economia entra em colapso, o governo Sarney se afunda em uma profunda crise. A moratória da dívida externa que se seguiu não foi um ato soberano contra a banca internacional, mas uma atitude desesperada.

Crise do PMDB e avanço da esquerda

Nas eleições municipais de 1988, o PT obtém uma importante vitória com Luiza Erundina em São Paulo, então uma candidata apoiada pelos setores mais à esquerda do partido, em meio à comoção causada pelo assassinato de três operários da CSN em Volta Redonda depois que o Exército foi enviado para reprimir a ocupação da siderúrgica em greve. Além da capital paulista, o PT venceu em outras duas capitais, Porto Alegre (RS) e Vitória (ES). O PMDB, por sua vez, perde 15 das 19 capitais conquistadas nas eleições de 1985.

As eleições de 1989 acontecem nesse contexto radicalizado. O PT crescia e canalizava cada vez mais as esperanças de mudança.

Collor como o anti-Lula

Diante da ameaça de Lula, mas também até certo ponto de Brizola, a burguesia passou a apostar suas fichas num aventureiro populista de direita construído artificialmente pelos meios de comunicação da classe dominante.

Fernando Collor de Melo passou a ser o anti-Lula e, com a imagem de “caçador de marajás” forjada pela mídia, ganhou base social entre os setores mais desorganizados e pauperizados, além do apoio das classes médias mais conservadoras e da grande burguesia nacional e estrangeira.

Lula superou Brizola no primeiro turno por uma pequena margem de votos e credenciou-se para disputar o segundo turno com Collor. Foram 16,08% para o candidato do PT e da Frente Brasil Popular (que incluía PCdoB e PSB) e 15,45% para o candidato do PDT. Uma diferença de menos de 500 mil votos.

A base social do PT era fundamentalmente os setores mais conscientes e organizados da classe trabalhadora, amplos setores da juventude e parcelas mais radicalizadas das classes médias. A nova geração de trabalhadores formada com a industrialização recente e o crescimento do setor público não mantinha os mesmo vínculos políticos com o velho trabalhismo que permanecia residual em alguns estados (RJ e RS principalmente) e se expressava no Brizolismo.

Uma campanha de esquerda com contradições

O ano de 1989 começou com uma grande greve geral de 48 horas convocada pela CUT para os dias 14 e 15 de março e que mobilizou 35 milhões de trabalhadores por todo o país. A greve foi contra as medidas do chamado Plano Verão do governo Sarney e sua política de arrocho salarial, desemprego, recessão e cortes.

A campanha da Frente Brasil Popular (PT, PCdoB e PSB) foi marcada pela denúncia do governo Sarney e das alternativas eleitorais da burguesia, apoio às lutas dos trabalhadores e a defesa de um programa então denominado de “democrático e popular”.

Esse programa incluía importantes reformas no capitalismo (não pagamento da dívida externa, reforma agrária, desenvolvimento sobre novas bases de sentido anti-imperialista e antimonopolista) e reivindicava, ao menos em palavras, a construção de uma hegemonia dos trabalhadores que permitisse o avanço em direção ao socialismo.

No contexto da queda das mobilizações antistalinistas no Leste Europeu e das reformas de Gorbatchev na antiga União Soviética, o PT era insistentemente identificado na mídia e nas campanhas da direita como representante do “atraso socialista” enquanto o mundo girava para o lado do mercado.

Apesar de reiterar sua defesa de um socialismo democrático, de fato o PT não tinha uma resposta categórica e clara sobre os processos no Leste stalinista. A própria concepção de socialismo do PT era limitada e pouco conclusiva não armando a militância com uma clara estratégia de luta pelo socialismo. Pra completar, nos anos anteriores houve uma aproximação de setores dirigentes do PT com os partidos stalinistas daqueles e de outros países.

A estratégia do programa e do governo “democrático e popular” também refletia uma visão essencialmente reformista da estratégia do PT. As reformas defendidas não estavam ligadas de forma clara a medidas de ruptura com caráter anticapitalista e socialista. O não pagamento da dívida presente no programa, por exemplo, não implicava necessariamente na estatização dos bancos e do sistema financeiro com controle dos trabalhadores.

Uma estratégia essencialmente eleitoral

Além disso, apesar da grande ênfase na importância das lutas populares, a estratégia de poder do PT era essencialmente eleitoral. Tratava-se de eleger Lula e começar as transformações gradativamente amparando-se no apoio ativo dos trabalhadores.

Porém, em um contexto internacional que já começava a ser mais difícil com o colapso da União Soviética e a ofensiva neoliberal, um governo de esquerda só poderia avançar em um país como o Brasil se apontasse para um caminho de ruptura e, dessa forma, ajudasse a compor uma relação de forças internacional mais favorável à esquerda. Caso contrário retrocederia e acabaria por se adaptar à lógica de administração do estado burguês.

Elementos dessa situação ficaram claros nas administrações do PT em nível municipal. Desde as vitórias em Diadema (SP) e Fortaleza (CE) em 1985, passando pelas capitais São Paulo, Porto Alegre e Vitória em 1988, o PT enfrentou a contradição de administrar uma parcela do estado burguês e ao mesmo tempo questioná-lo. Mesmo com conquistas importantes em alguns casos, acabou prevalecendo a adaptação.

Pressão burocrática e parlamentar

Além de um setor da burocracia sindical que foi radicalizada pela conjuntura e que existiu desde a fundação do partido, na medida em que o PT conquistava mandatos parlamentares e até do Executivo, crescia também no interior do partido uma camada burocrática vinculada diretamente ao Estado burguês.

Cada vez mais prevalecia a vontade dos setores ligados aos mandatos e decrescia o peso dos núcleos de base e da militância ativa nos movimentos sociais.

Esse processo foi qualitativamente agravado quando se iniciou um período de refluxo das lutas sociais, principalmente nos anos 1990. O refluxo refletia o cansaço da década anterior de intensas lutas e poucas vitórias e também a avassaladora ofensiva ideológica burguesa mundial com o colapso do mal chamado “socialismo real”.

Além disso, um fator central foi a transformação na base material da classe trabalhadora. A desindustrialização, a adoção de novas formas de gerenciamento da produção, a precarização das relações de trabalho, todos esses foram fatores que dificultaram a ação e a consciência classista.

O PT foi incapaz de enfrentar essa situação mais complexa da classe e acabou por gradativamente abandonar a visão classista que marcou suas origens. Nesse contexto, o peso dos aparatos burocráticos e parlamentares tornaram-se absolutamente hegemônicos.

Derrota de Lula e giro à direita

No final das contas, a derrota de Lula em 1989 se deu por uma margem incrivelmente pequena. No segundo turno, Lula obteve 31 milhões de votos (47%) enquanto Collor chegou aos 35 milhões (53%).

Para a vitória de Collor foi fundamental o verdadeiro terrorismo midiático que se criou contra Lula e o PT.

A conclusão que o setor majoritário do PT tirou da derrota de 1989, em um contexto de forte ofensiva ideológica neoliberal, é que o partido deveria moderar sua linha. O I Congresso do PT realizado em 1990 foi marcado por um importante giro à direita na linha política do partido.

A ala esquerda do partido resistiu e posteriormente alguns desses setores chegaram até a ganhar posições internamente, dirigindo parcialmente a campanha eleitoral de 1994. Mas, na prática o giro à direita continuou até o salto de qualidade nessa mesma direção dado de 2002. Nesse momento, apesar das aspirações populares serem outras, o PT se credenciava como instrumento de manutenção da ordem capitalista.

Chegar ao governo federal representou a pá de cal sobre aquele velho PT fundado nas lutas na década de 1980. Um novo PT, ou ex-PT como preferem alguns, nasceu como ferramenta política de uma fração da burguesia brasileira. Sua relação eleitoral com os trabalhadores nada tem a ver com os anos 1980.

O PSOL e o velho PT das origens

Sobrou muito pouco hoje daquele PT que disputou as eleições presidenciais de 1989. Desse pouco que resta, é possível dizer que quase nada está no próprio PT. Os parlamentares “radicais” expulsos do partido em 2003 só sofreram essa perseguição porque insistiram em manter posições políticas defendidas pelo conjunto do partido em 1989.

É no PSOL que encontramos, para o bem ou para o mal, muito daquele projeto político predominante no PT das origens.

O PT dos anos 1980 representou um grande passo adiante para a classe trabalhadora. Quando comparado com o PT de hoje chega a parecer tão melhor que quase ficamos satisfeitos com ele. Mas, não podemos nos contentar com isso. Aqueles que querem reconstruir uma ferramenta de luta dos trabalhadores não podem simplesmente tentar reconstruir o velho PT das origens. É preciso aprender com os erros e limites daquele PT. É preciso superar aquele PT e não tentar repetir seus momentos áureos.

Uma nova esquerda que supere o PT deve buscar resgatar aquilo que o partido tinha de mais positivo: o enraizamento nas lutas populares. Mas, deve rejeitar a estratégia eleitoral como centro, mesmo reconhecendo que a disputa eleitoral é parte importante da política do partido.

Deve rejeitar a concepção reformista e etapista do programa democrático e popular e reconstruir um programa e uma estratégia anticapitalista e socialista. Sua atuação deve se dar sobre a base do internacionalismo da classe trabalhadora.

Deve ainda adotar um funcionamento interno de caráter militante e radicalmente democrático. O controle da base sobre a direção é o único mecanismo capaz de conter as pressões degenerativas.

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