Repúdio a Aécio e nenhuma ilusão em Dilma! Organizar a resistência contra os ataques do próximo governo

Declaração do Comitê Nacional da corrente LSR – Liberdade, Socialismo e Revolução

A polarização eleitoral entre PT e PSDB, que marcou as disputas eleitorais brasileiras nos últimos 20 anos, repete-se mais uma vez no segundo turno de 2014.

A agressividade de ambos os lados nas poucas semanas que antecedem as eleições não pode esconder o fato de que ambas as candidaturas representam o mesmo sistema político e econômico que provocou a ira de milhões de jovens e trabalhadores nas mobilizações de junho de 2013 e nas greves e lutas que se seguiram.

A esquerda socialista encabeçada pelo PSOL cresceu no primeiro turno e conseguiu levantar com força as bandeiras de junho, das greves e das lutas populares. Ajudou também a desmascarar a falsa alternativa de Marina Silva, combateu a direita fundamentalista e denunciou a falsa polarização entre PT e PSDB. Foi, portanto, um ator relevante na luta política e acumulou forças importantes para as lutas futuras.

Isso se deu principalmente através da candidatura de Luciana Genro do PSOL que obteve mais de 1,6 milhão de votos e também de candidaturas estaduais como as de Tarcísio Motta no Rio de Janeiro e Robério Paulino no Rio Grande do Norte, ambas pelo PSOL, que ultrapassaram os 8% de votos.

Apesar desse avanço, a esquerda socialista não se vê representada no segundo turno. Também o potencial transformador das jornadas de junho de 2013 não se refletiu com a mesma força no processo eleitoral.

Isso se dá em primeiro lugar porque a disputa eleitoral no sistema atual é um jogo de cartas marcadas. Aliás, é também contra isso que muitos se levantaram em junho. Trata-se de um terreno controlado pelas elites no poder, marcado pelo abuso do poder econômico, o aparelhamento do Estado, o controle da mídia por uma ínfima minoria e a existência de um conjunto de privilégios e prerrogativas exclusivas para os setores mais conservadores da sociedade.

Junto com isso está o fato de que ainda estamos dando os primeiros passos na enorme tarefa de reconstruir uma esquerda socialista com força política e influência de massas no país depois da perda definitiva do PT para cumprir esse papel. A degeneração do PT e os limites da alternativa de esquerda ao PT ainda provocam todo tipo de confusão na consciência de milhões de insatisfeitos com a situação atual.

O alto índice de abstenções, votos nulos e brancos, que somados chegaram a 29% em todo o país (39 milhões de eleitores, superando a votação de Aécio, por exemplo) e em muitas regiões foram ainda mais expressivos, também reflete de alguma forma a insatisfação em relação ao sistema político.

O momento presente esta marcado por uma polarização política e social que se refletiu em vitórias obtidas tanto pela esquerda mais radical como pela direita mais reacionária. Uma polarização que, no limite, expressa um conflito de classes e que tende a se aprofundar no próximo período.

Mas, enganam-se seriamente aqueles que acham que essa polarização de classe se apresenta como tal, de forma direta, no segundo turno das eleições presidenciais. Isso se dá apenas na forma distorcida e manipuladora com que setores do PT apresentam a situação.

Depois de governar durante mais de uma década para a direita, setores do PT precisam mais uma vez vestir a fantasia de esquerda nas vésperas das eleições para tentar mais uma vez derrotar a direita tradicional tucana.

O aparente radicalismo no enfrentamento entre PT e PSDB nas vésperas das eleições esconde uma enorme convergência de políticas e projetos.

Falsa polarização

Isso não significa que PT e PSDB sejam iguais. Não são. Esses partidos têm origens e trajetórias muito distintas e no governo apresentaram nuances que não podem ser ignoradas. No jogo político burguês são cartas de naipes diferentes para situações diversas, mas sempre dentro das regras do mesmo jogo.

O PT nasceu das lutas operárias e populares como uma alternativa claramente de esquerda. Mas degenerou-se a ponto de se tornar, no auge do “lulismo” no poder, a principal ferramenta política do grande capital, do agronegócio, das empreiteiras e bancos.

No final do segundo mandato de FHC, o país viveu um quase colapso resultante das políticas neoliberais radicais adotadas pelo PSDB. A “privataria” tucana combinou entrega do patrimônio público com corrupção extrema. Recessão, desemprego e arrocho salarial foram as marcas do tucanato no poder. As ilusões iniciais resultantes da redução da inflação, logo se transformaram em raiva popular. Nem mesmo a intensa repressão foi capaz de segurar o ressurgimento dos movimentos sociais na luta contra essa situação.

Diante do enorme desgaste do PSDB, o quase colapso do país, a ameaça da radicalização das lutas e o amplo apoio popular a Lula como alternativa, parte importante do grande capital percebeu que o PT poderia ser um instrumento útil para conter as lutas e garantir seus interesses. Aos poucos perceberam que a direção do PT estava disposta a cumprir esse papel.

A aposta do grande capital mostrou-se correta e garantiu a estabilidade almejada pelas elites. Doze anos depois da eleição de Lula, porém, o quadro se inverteu. O que vemos hoje é o esgotamento do modelo “lulista”.

Diferentemente de FHC, esse modelo aproveitou-se de uma conjuntura internacional específica (que já não existe mais da mesma forma) e, baseando-se na exportação de produtos primários, consumo a crédito e programas assistenciais focados, conseguiu sucesso temporário para sua política de conciliação de classes que mantém os privilégios dos de cima e oferece migalhas aos de baixo.

Diante da terra arrasada do governo FHC, mesmo um programa privatista como o Prouni, que repassa dinheiro público para empresas educacionais privadas, pareceu aos olhos de milhões de jovens como algo progressivo, pois de fato abriu a oportunidade de obtenção de um diploma de terceiro grau.

A contrapartida foi o sucateamento dos serviços públicos e sua privatização progressiva, mesmo quando há expansão de oferta como no caso das universidades federais, etc. Sem investimentos adequados, a precarização das relações de trabalho, as péssimas condições da assistência estudantil, da infraestrutura dos campi, etc, tornam-se a norma geral.

Apesar das diferenças, a essência das políticas do PT no governo representou muito mais uma continuidade do que uma ruptura com os anos FHC.

Durante os governos do PT, os lucros dos bancos bateram recordes anuais. Os juros permaneceram altíssimos, o pagamento de juros e o serviço da dívida pública (que tem como principais credores um punhado de especuladores) comprometeu sempre mais de 40% do orçamento federal e o Banco Central e a política econômica estiveram sempre submetidos aos interesses do grande capital.

O PT no governo continuou os ataques iniciados por FHC como a contrarreforma da previdência, a manutenção do fator previdenciário, o congelamento salarial do funcionalismo e os cortes orçamentários.

Além de recusar-se a reverter as privatizações de FHC, o PT manteve o fim do monopólio do petróleo para a Petrobras e os leilões das bacias para o setor privado, incluindo o pré-sal. Mas, também inovou com novas privatizações ao estilo petista nos setores de infraestrutura (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, etc). Também nos serviços públicos (educação, saúde, etc) adotou amplamente a privatização indireta através das chamadas “organizações sociais” e terceirizações.

Um exemplo marcante da continuidade entre FHC e Lula/Dilma é a questão dos direitos das mulheres e da população LGBT. Mesmo com uma retórica mais aberta aos movimentos desses setores, Dilma capitulou sistematicamente à bancada fundamentalista e aos setores mais reacionários da sociedade brasileira. Dilma não só manteve a legislação atual que prevê cadeia para mulheres que interrompem a gravidez como recuou na regulamentação da lei que já permite o aborto no caso de feto anencéfalo ou concebido por estupro. O mesmo aconteceu no caso do kit anti-homofobia nas escolas e na criminalização da homofobia de forma geral.

O genocídio da juventude negra das periferias também é reflexo de uma política truculenta e racista por parte dos governos estaduais, mas conta também com a conivência cumplice do governo federal. Que medida concreta foi tomada diante de uma situação em que o número de jovens negros mortos chega a ser, segundo dados de 2011, 126% superior ao de jovens brancos da mesma idade?

O Estatuto da (des) Igualdade Racial aprovado em 2010 foi sendo esvaziado politicamente pela base aliada. O debate sobre a liberdade religiosa dos cultos afro-brasileiros também foi ignorado. A conquista da politica de cotas, mérito do movimento negro, não foi garantida por este estatuto. Nenhuma medida real e concreta foi tomada para defender a vida dos jovens e trabalhadores negros e negras.

Na política externa, enquanto FHC subordinava sem nenhum pudor os interesses nacionais ao imperialismo, principalmente estadunidense, os governos do PT, sem romper realmente com essa subordinação, estimularam um nefasto subimperialismo brasileiro principalmente na América Latina.

Empreiteiras e outras empresas brasileiras escolhidas a dedo e com total apoio dos governos petistas, ganharam muito dinheiro nesses países destruindo o meio ambiente e pisando nos direitos de populações originárias.

Ao mesmo tempo em que os governos do PT, ao contrário do que fariam os tucanos, não compactuaram com golpismos na América Latina, jogaram, porém, um peso enorme no sentido de barrar qualquer radicalização das lutas sociais e maior aprofundamento das transformações em países como Venezuela, Bolívia, etc.

As tropas brasileiras no Haiti não cumprem nenhum papel social progressivo. Pelo contrário, auxiliam o imperialismo estadunidense na repressão e manutenção de uma ordem injusta que só impõe mais miséria e sofrimento à população daquele país.

Crise internacional e esgotamento do modelo

Hoje vivemos uma nova situação nacional e internacional que impede a continuidade mesmo dos pequenos elementos vistos como conquistas por muitos trabalhadores e trabalhadoras.

A crise capitalista mundial que tomou corpo a partir de 2008 afeta hoje de forma mais direta os ditos países emergentes, a América Latina e o Brasil em particular. As exportações de produtos primários, em queda no que se refere a preços e volume exportado, já não servem mais como motor poderoso da economia.

O estímulo ao consumo interno baseado no crédito chegou ao seu teto com o alto endividamento das famílias. O aumento do salário-mínimo e dos investimentos do Estado, por exemplo, esbarram nas más condições das finanças públicas já que, como foi dito, mais de 40% do orçamento federal está comprometido com a dívida pública e a arrecadação de impostos não cresce o necessário devido ao desaquecimento econômico.

Qualquer que seja o próximo governo, se governar dentro da lógica do capitalismo, será obrigado a cortar gastos, fazer ajuste fiscal, impor ataques e retirar direitos.

Desgaste do PT

Com a crise e a insatisfação crescentes, claramente manifestas nas jornadas de junho de 2013 e mesmo antes, o PT no governo perdeu apoio tanto entre setores da elite como entre os próprios trabalhadores.

Parte dos grandes empresários e banqueiros, depois de usar e abusar do PT no governo, descartaram esse partido da mesma forma que fazem com aquele pelego desgastado que já não consegue segurar a insatisfação dos trabalhadores na base.

Já entre os trabalhadores, uma parcela não desprezível começa a perder a esperança numa melhoria contínua de sua situação em razão da estagnação econômica, alta dos preços, as dívidas acumuladas no crediário, os altos aluguéis e falta de moradia, a precariedade dos serviços públicos de saúde, educação, transporte, etc.

É fácil para os setores petistas acusarem o conservadorismo do povo paulista pela vitória de Alckmin e a arrancada de Aécio. O que eles não explicam é porque o PT perdeu apoio eleitoral em seus antigos bastiões nas periferias da zona sul e leste da cidade de São Paulo, por exemplo. Esses trabalhadores e trabalhadoras tem razão em estar insatisfeitos com o PT. Mas, não veem uma saída efetiva e se iludem com falsas alternativas.

O que se precisa agora é de um trabalho paciente e firme para reconquistar a classe trabalhadora para um projeto de esquerda consequente, um projeto que o PT é incapaz de oferecer.

Derrotar qual direita?

Hoje, mais do que nas últimas três eleições presidenciais, existe a possibilidade concreta de uma derrota eleitoral do PT e o retorno do PSDB ao governo. O ressurgimento da ameaça tucana é fruto direto do fracasso do PT como consequência de seu giro irreversível à direita.

É evidente que pensar na possibilidade de um governo federal de volta nas mãos do PSDB provoca calafrios em qualquer um que tenha sentido na pele os anos FHC ou a experiência desastrosa dos governos tucanos em São Paulo ou Minas Gerais. Seria um verdadeiro pesadelo.

Entendemos a lógica que leva muitos setores da classe trabalhadora e da juventude a tapar o nariz e votar em Dilma como uma forma de barrar o retorno do PSDB. Mas, temos a obrigação de alertar que essa política não trará as consequências desejadas.

Um novo governo de Dilma Rousseff não será nada parecido ao sonho cor de rosa inventado pelos marqueteiros petistas. Diante do agravamento da crise, Dilma também terá que aprofundar a lógica que já vinha adotando.

Também será um governo de ataques aos direitos dos trabalhadores, ajuste fiscal, cortes nos gastos públicos, privatizações, elevação das tarifas dos serviços públicos e manutenção da lógica política espúria do “toma lá da cá”, corrupção e colaboração com o que existe de mais nefasto na política brasileira.

Dilma não irá mudar radicalmente sua política econômica, rompendo com a política neoliberal e passando a adotar um programa de esquerda. Isso vale também para a política de mulheres, negros e negras, LGBT, etc. Não fez isso até agora e não fará daqui para frente.

A única forma de fazer com que o governo Dilma (e isso vale também para Aécio) deixe de implementar medidas de ataque aos trabalhadores será derrotando esse governo nas ruas, nas greves, nas lutas de massas. Será repetindo junho, porém com muito mais força e um programa claro de reivindicações.

O segundo turno das eleições definitivamente não servirá para isso. Chamar o voto em Dilma não é a melhor maneira de preparar a resistência contra os ataques que seu governo, assim como o de Aécio, promoverá contra os trabalhadores.

Iludem-se também aqueles que acham que o cassetete da repressão petista será mais suave. Depois de junho é muito mais difícil conter as lutas sociais com blá blá blá vazio como tentou fazer o PT inúmeras vezes utilizando sua verdadeira rede de pelegos profissionais, a direção da CUT, da UNE, etc. Quanto mais a cooptação falha, mais repressão direta será necessária.

Já vimos como, nas vésperas e durante a Copa do Mundo, o governo federal do PT agiu de forma coordenada com os governos estaduais do PSDB e outros partidos, incluindo Geraldo Alckmin em São Paulo e Pezão no Rio, para reprimir de forma arbitrária os movimentos sociais, realizar prisões ilegais, legitimar demissões de grevistas, etc.

Fomentar hoje qualquer ilusão no caráter mais “democrático” da repressão petista é prestar um desserviço aos movimentos sociais exatamente no momento em que precisamos estar mais alertas e preparados para a luta dura contra o governo, ganhe quem ganhe as eleições.

Além disso, como se pode barrar a direita votando no PT se alguns dos aliados mais próximos de Dilma e do PT estão na vanguarda do reacionarismo político e fundamentalista religioso? Barrar a direita votando em uma coligação, como a de Dilma, que inclui o PP de Bolsonaro e Maluf, o PMDB de Sarney e Katia Abreu ou mesmo políticos como Fernando Collor, não parece nada sensato.

A real correlação de forças

A correlação de forças na sociedade criada a partir das jornadas de junho de 2013 e as greves e lutas que se seguiram abrem mais oportunidades para conquistas dos trabalhadores e um avanço de sua luta.

O novo cenário, porém, também torna mais evidente a polarização social e política existente no país. A direita mais dura e reacionária coloca sua cara para fora e disputa o terreno da insatisfação palmo a palmo com a esquerda socialista.

Uma parte do voto em Aécio, assim como foi com Marina, não é um voto explicitamente neoliberal. O antipetismo racista e reacionário está presente na base social tucana e precisa ser combatido sem que nos confundamos com o PT. Mas, também existe um voto iludido e inconsequente na oposição de direita que apenas busca mudar a situação atual. Essa é uma análise que até mesmo os comentadores burgueses neoliberais fazem alertando para as dificuldades que terão para adotar as medidas duras que entendem como necessárias em um futuro governo do PSDB, por exemplo.

Isso significa que mesmo que Aécio consiga vencer aproveitando-se do desgaste e traições promovidas pelo PT, as bases para a aplicação das políticas neoliberais mais duras não estão dadas de forma tão tranquila. Há espaço para a luta e a resistência.

É preciso estar alerta e saber enfrentar a direita que ressurge, mas isso não se faz aliando-se com o governo ou fomentando qualquer ilusão no PT. É preciso limpar a bandeira da esquerda e do socialismo de todo o mal provocado pelo PT. Essa é uma condição para podermos fortalecer nossa base social na disputa com a direita.

Nossa posição

É por essas razões que a corrente LSR, através de seu Comitê Nacional, toma posição contrária ao apoio a qualquer candidato no segundo turno das eleições presidenciais, orienta no sentido do voto nulo e, principalmente, trabalha no sentido da preparação da dura luta que virá pela frente nos próximos anos, seja quem for o presidente ou a presidenta da República.

Porém, independente das diferenças táticas no processo eleitoral, reforçamos nosso apelo pela unidade da esquerda socialista e dos diferentes setores dos movimentos sociais que se mantêm independentes de governos e patrões, para uma resistência firme e decidida contra os ataques que virão.

Reafirmamos o chamado que fizemos por um Encontro Nacional dos movimentos em luta para unificar a resistência dos trabalhadores da cidade e do campo, da juventude, mulheres, negros e negras, LGBT e todos os setores oprimidos e explorados.

O ano de 2015 precisa ser um ano de muita greve, mobilização de rua, organização de base e conscientização política. Sem isso, a contra ofensiva burguesa tentando fazer terra arrasada das conquistas de junho, será uma dura realidade, ganhe quem ganhe o segundo turno em 26 de outubro.

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