Revoltas em Hong Kong: A propaganda do medo promovida pelo governo de Pequim

A mídia de Hong Kong, ligada à agenda política do Partido “Comunista” Chinês, diz que os protestos que estão ocorrendo na cidade são, na verdade, planejados pelas potências ocidentais, com o objetivo de desestabilizar a China, dividí-la e impedir seu crescimento econômico. Essas acusações são parte do programa nacionalista do governo de Xi Jingping, premier chinês, comprometido com desmerecer todas as demandas por mais democracia na China, ao acusá-las de serem parte de uma conspiração estrangeira para trazer caos e desordem para o país.

A acusação do Partido “Comunista” Chinês é refutada facilmente. Primeiro, socialistas e militantes de esquerda, que combatem ativamente o imperialismo norte-americano, estão presentes nos protestos em Hong Kong, ainda que sejam apenas uma fração dos manifestantes. A Ação Socialista (seção do CIT e organização irmã da LSR em Hong Kong), por exemplo, vem organizando nos últimos meses protestos em apoio a Edward Snowden, atos em solidariedade ao povo da Palestina contra a agressão Americana e Israelense, e contra os ataques americanos na Síria e Iraque. O fato de nós nos opormos aos governos tanto dos EUA quanto da China não é contraditório, haja visto que ambos representam os interesses dos bilionários e praticam a opressão contra a grande maioria do povo.

Em segundo lugar, a liderança de Pequim é hipócrita, ao utilizar seletivamente a ameaça de “influência americana” apenas quando lhe interessa. Na verdade, a elite da China está ligada intimamente com a burguesia norte-americana. É verdade que esse relacionamento fica mais turbulento a medida que o crescimento econômico da China bate de frente com interesses norte-americanos pelo mundo – ainda assim, em números, esse é o maior e mais importante relacionamento da história do capitalismo mundial e força ambos os governos a lidar com cuidado com seus conflitos.

As duas economias são ligadas por grandes acordos de comércio e finanças, e também pelos títulos do governo norte-americano nas mãos de investidores chineses. Todas as grandes empresas norte-americanas têm investimentos na China. Para muitas delas, como General Motors, Boeing e Apple, o mercado chinês é maior que o mercado dos EUA. E 2014 foi o primeiro ano em que investimentos chineses nos EUA foram maiores que investimentos norte-americanos na China.

Essas conexões lucrativas explicam porque os governos dos EUA e da China preferem abafar os protestos em Hong Kong e ter certeza de que eles não afetarão os negócios. Como, segundo várias fontes, a secretária de estado Hillary Clinton teria dito, “não é uma boa ideia criticar a política de direitos humanos de seu banqueiro”. É exatamente assim que o Consulado dos Estados Unidos em Hong Kong agiu, ao declarar que o país “não tomará partido nas questões políticas do território”, logo após a polícia ter atacado manifestantes com gás lacrimogêneo no dia 26 de setembro.

Por essa mesma razão, os gritos de “infiltração americana” normalmente vêm de setores mais extremistas e pró-guerra da mídia controlada pelo Estado, como o Global Times, mas raramente vêm da alta liderança do Partido. O papel da mídia é esse, o que permite que os porta-vozes do governo soem mais “razoáveis” em comparação.

Amizade com ‘neo-cons’ dos EUA

É verdade que muitas figuras da elite “pan-democrática” de Hong Kong têm ligações com políticos de direita dos Estados Unidos e outros países. Há pouco tempo, revelou-se que antes da devolução de Hong-Kong à China, o ex-governador britânico (não-eleito) Chris Patten ofereceu ao chefe da Next Media, Jimmy Lai Chee-ying ,ajuda em conseguir a cidadania britânica (algo que o governo de Patten negou a 100 mil cidadãos comuns). Lai, cujos jornais criticam o sistema pós-Beijing, foi reportado como “bom amigo” de Paul Wolfowitz, líder neo-conservador norte-americano, que arquitetou a desastrose invasão de Iraque em 2003. É graças a Wolfowitz que hoje temos o grupo terrorista Estado Islâmico (IS).

O conselheiro politico de Lai, Mark Simon, foi uma figura central na filial de Hong Kong do “Republicans Abroad” (uma organização para membros do Partido Republicano dos EUA para cidadãos que moram fora do país) e fez campanha para George W. Bush. Outra ‘neo-conservadora’ americana proeminente, Ellen Bork, declarou que tem amizade com Martin Lee Chu-ming, antigo líder do Partido Democrático de Hong Kong. O papel do National Endowment for Democracy (NED) também chamou atenção da mídia chinesa. O NED é um grupo de reflexão de direita financiado pelo governo dos Estados Unidos, que direcionou US$755 mil de recursos em Hong Kong em 2012 e US$695 mil em 2013 em verbas para diversas ONGs.

Os socialistas não estão nem um pouco surpresos com as ligações políticas entre os principais pan-democratas de Hong Kong e representantes do capitalismo não-democrático dos EUA. Mas a ‘revolução dos guarda-chuvas’ não aconteceu por iniciativa desses líderes – aconteceu apesar deles! Isso mostra as contradições dos pan-democratas, cuja perspectiva de democracia está enraizada no capitalismo de livre mercado e, consequentemente, apoiam negociações e reformas graduais, apesar dessa abordagem ser testada há 30 anos e só ter produzido fracassos. A ditadura chinesa tem amigos poderosos nos conselhos corporativos mundo afora que – como os magnatas de Hong Kong – seguem a linha do Partido “Comunista” Chinês de que democracia faz mal à China.

Os líderes pan-democráticos e seus amigos norte-americanos temem que uma luta de massas contra a ditadura não irá se limitar em exigir liberdades democráticas, mas também mudanças sociais amplas que poderiam ameaçar o capitalismo. Isso fica evidente com a ‘revolução dos guarda-chuvas’ – que esses líderes não previram e nem quiseram.

Em vez de incitar revolução, os ‘amigos norte-americanos’ dos líderes pan-democráticos parecem desencorajar os protestos. Vemos isso na declaração de neutralidade do Consulado dos Estados Unidos, e também nos boatos de que Wolfowitz, quando notoriamente se encontrou com Jimmy Lai em um iate em Sai Kung no início do ano, teria pedido que adiassem os protestos ‘Occupy Central’ (o que, seja verdade ou não, foi o que realmente aconteceu).

Tal posicionamento é totalmente coerente com a política norte-americana perante Hong Kong. Em 2010, quando cinco legisladores se abstiveram de promover um referendo de fato para sufragem universal, representantes do Consulado dos Estados Unidos se encontraram com líderes da Liga de Social Democratas (LSD) e os pressionaram para evitarem confrontos com o regime chinês. Por parte de Lai, seus jornais em vez de apoiarem a tática do referendo em 2010, apoiaram a ala que buscava acordo com os pan-democratas que mais tarde fizeram um acordo inútil com o PCC em relação à reforma eleitoral. Entre os que fizeram parte das ‘negociações’ com a ditadura na época foi Chan Kin-man, hoje um dos líderes do movimento ‘Occupy Central’ jogado para escanteio.

‘Porta de entrada para a Asia’ dos EUA

Os teóricos da conspiração que apoiam a ditadura do PCC e ignoram as demandas democráticas em Hong Kong como sendo um plano dos EUA, e isso inclui uma parcela da esquerda ex-Stalinista internacional, apontam para a ‘porta de entrada para a Asia’ dos EUA para provar o seu argumento. Mas enquanto não há duvidas que a administração Obama está tentando construir novas alianças militares e econômicas pela Asia para conter o avanço econômico chinês, isso não significa que eles estariam buscando um conflito imediato com Pequim por Hong Kong. A ideia de que a classe capitalista dos EUA busca uma mudança de regime na China para uma ‘democracia liberal’ é falsa. A politica norte-americana busca conter a China, mas prefere lidar com a ditadura atual – que significa mais ‘estabilidade’ na geração de lucros – do que o desconhecido que poderia substituí-la.

Especialmente nesse momento com uma grave crise no Iraque e na Síria, onde o IS controla aproximadamente um terço de ambos os países, e a óbvia falha da campanha de bombardeios liderada pelos EUA em fazer avanços, o governo em Washington deseja evitar mais tensões nas suas relações com a China. Ele também não deseja dar mais motivação à construção de uma aliança do regime Chinês com a Rússia de Putin. Como o Wall Street Jounal (19 de Setembro de 2014) publicou, “Com uma série de outras questões geopolíticas, espera-se que a administração [dos EUA] vá com calma ao lidar diplomaticamente com Pequim.”

Da mesma forma, e ainda mais pronunciadamente, o governo Britânico direitista em crise busca acalmar Pequim abertamente e evitar uma disputa sobre Hong Kong. A mídia sob o controle do PCC fez grande estardalhaço sobre a decisão do parlamento do Reino Unido de enviar um time de investigação para Hong Kong – na verdade um gesto vazio. Mas quando o Premier chinês Li Keqiang visitou a Grã-Bretanha em Junho, o Primeiro Ministro David Cameron teve uma preocupação central – assegurar o equivalente a £40 bilhões (HK$222 milhões) em investimentos chineses em energia, ferrovias e bancos. Londres já tinha garantido à delegação chinesa que não haveria ‘sermões sobre direitos humanos’ ou repetições do encontro de Cameron em 2012 com o Dalai Lama, pelo qual Pequim exigiu – e conseguiu – um pedido de desculpas.

Os políticos pró-democracia Anson Chan Fang On-sang e Martin Lee Chu-ming também visitaram a Grã-Bretanha no verão para uma tentativa frustrada de ganhar apoio – ao menos puramente verbal – dos políticos capitalistas britânicos. O momento mais revelador da visita foi quando Cameron recusou encontrar-se com a dupla honconguesa. Cameron mantém uma política de completo silêncio, tendo “delegado a questão de Hong Kong para o seu vice, Nick Clegg,” de acordo com o Wall Street Journal (2 de Outubro de 2014). Clegg é o lider de um partído minoritário prestes a encarar destruição eleitoral nas próximas eleições. Logo ele deve usar qualquer oportunidade para conseguir publicidade, o que é de pouca ajuda para a luta por democracia em Hong Kong.

Socialistas rejeitam completamente a posição dos lideres pan-democratas de que a luta por democracia deve buscar apoio de governos externos e lideres empresariais. As massas em Hong Kong devem ganhar aliados fora de suas fronteiras, mas entre os trabalhadores e a juventude de outros países incluindo e especialmente na China, onde a luta contra a ditadura do PCC será decidida. Vale notar também como os grupos nativistas de Hong Kong tem se feitos de trouxas levantando a bandeira colonia Britânica – emblema de um governo e de uma classe capitalista nem remotamente interessados nos seus protestos e que estão muito ocupados fazendo negócios com Pequim.

Você pode gostar...