25 anos da queda do Muro de Berlim: ‏Da onda de revolta contra o stalinismo ao retorno do capitalismo

A queda do Muro de Berlim, 25 anos atrás, foi um dos momentos mais simbólicos do processo de colapso do stalinismo. Marcou o auge de um movimento contra a casta burocrática que regia até então a Alemanha Oriental. Movimentos semelhantes aconteceram também nos outros países do Leste Europeu e na União Soviética, impulsionados pela estagnação econômica e social desses países.

Foi uma mobilização em escala continental, com um potencial enorme, que derrubou regimes ditatoriais que estavam no poder há décadas. Mas, pela ausência de organizações socialistas enraizadas na classe trabalhadora, que seriam capazes de fornecer uma saída socialista, o movimento foi desviado para o beco sem saída do capitalismo.

Para entender esse processo, é necessário considerar como surgiram esses regimes. Na Rússia, em 1917, houve uma revolução das massas liderada pelos bolcheviques, o partido de Lenin, que derrubou a monarquia dos czares, mas também o capitalismo. Foi uma revolta contra o regime autocrático, os horrores da Primeira Guerra e a fome. Também em outros países aconteceram levantes revolucionários, mas só na Rússia (que, posteriormente, se transformaria na União Soviética) o novo regime conseguiu se manter vitorioso. Porém, esse novo sistema, que visava a construção do socialismo baseado na participação ativa das massas trabalhadoras, sofreu um processo de burocratização. Isso se deu por causa do atraso econômico e social do país, devastado pela Primeira Guerra Mundial e pela Guerra Civil, além do isolamento causado pela derrota da revolução nos outros países.

Ditadura da burocracia

Apesar do surgimento dessa burocracia, que levou ao crescimento de um regime extremamente ditatorial que não tolerava nenhuma oposição, a economia conseguiu avançar através do sistema de planificação. Essa classe de burocratas cresceu como um parasita na economia estatizada e planificada, governando em nome do “comunismo” e da revolução, sob a direção do Stalin. Na verdade, esse processo foi a completa negação das políticas do partido bolchevique nos tempos de Lenin. Por isso, Stalin teve que conduzir o extermínio de toda aquela geração de dirigentes que participou da revolução.

Após a libertação dos países do Leste Europeu da ocupação nazista pelo Exército Vermelho, no final da Segunda Guerra Mundial, foram instalados regimes seguindo o modelo stalinista da União Soviética, acabando com o capitalismo e o latifúndio, mas instalando ditaduras burocráticas. Em outros países, como China, Cuba e Vietnã, revoluções e movimentos de libertação levaram a regimes seguindo o mesmo modelo.

Revoltas contra o stalinismo

Em várias ocasiões, houve revoltas contra os regimes burocráticos do Leste Europeu – como em Berlim, capital da Alemanha Oriental em 1953, na Hungria em 1956, na Tchecoslováquia em 1968 e na Polônia em 1970 e 1980-81. Os avanços econômicos, além da intervenção militar da União Soviética em vários casos, garantiu que esses regimes se mantivessem no poder.

A economia planificada permitiu que a União Soviética se tornasse a segunda maior potência econômica do planeta, atrás apenas dos EUA. O regime conseguiu mobilizar os vastos recursos do país para construir uma base industrial pesada, obras de infraestrutura e também grandes avanços tecnológicos. Mas a falta de uma gestão democrática dos trabalhadores fez com que o custo econômico e social desses avanços fosse muito alto.

Crise econômica

Como Trotsky, um dos principais líderes da Revolução Russa ao lado de Lenin, explicou na década de1930, a economia planificada precisa da participação democrática dos trabalhadores como o corpo precisa de oxigênio. Sem isso, a gestão burocrática passaria de um freio relativo na economia para um freio absoluto. Essa teoria se comprovou nas décadas seguintes, à medida que a economia se diversificou e crescia a necessidade de uma indústria de bens de consumo, maior qualidade nos produtos e adoção de novas tecnologias. Nos anos 1970, a economia soviética começou a desacelerar e entrar em uma crise, que se aprofundou nos anos 1980.

Foi nessa situação que Mikhail Gorbachev chegou ao poder na União Soviética, representando uma ala mais “liberal” da burocracia, prometendo “glasnost” (abertura/transparência) na política e “perestroika” (reestruturação) na economia. A perestroika visava introduzir elementos de mercado para tentar animar a economia. Porém, a intenção de Gorbachev não era inicialmente restaurar o capitalismo, mas sim evitar uma revolução por baixo implementando reformas por cima. O plano falhou. As medidas econômicas não tiveram o efeito necessário. Ao mesmo tempo, a implantação de uma certa liberdade para críticas ao governo, medida adotada inicialmente como arma contra a ala mais conservadora, abriu as comportas para a insatisfação na sociedade e inspirou protestos não só na União Soviética, mas também no Leste Europeu e além.

Onda de protestos

1989 foi o ano em que os protestos explodiram.

Em janeiro de 1989, 120 mil pessoas protestam durante dois dias e conseguem derrubar a direção da região de Montenegro, que ainda fazia parte da Iugoslávia.

O regime polonês concorda em legalizar o movimento de oposição “Solidariedade” também em janeiro. O Solidariedade ganha 99 de 100 cargos abertos para eleição direta no parlamento em junho. A Hungria abre as suas fronteiras para a Áustria em agosto e para a Alemanha Oriental em setembro. Isso abriu a possibilidade para milhares de pessoas da Alemanha Oriental emigrarem para a Alemanha Ocidental.

A União Soviética retira suas tropas do Afeganistão em fevereiro, após 10 anos de ocupação. Em março são realizadas as primeiras eleições legislativas com múltiplos candidatos no país (até então, havia apenas um candidato para cada cargo). Em julho começa uma onda de greves de mineiros, que assumem o controle de várias cidades.

Na China, estoura o protesto de estudantes em abril, que ocupam a Praça da Paz Celestial em Pequim. Em maio, as manifestações chegam a juntar um milhão de participantes. Trabalhadores declaram a formação de uma federação de sindicatos autônomos. O governo decreta lei marcial e esmaga os protestos com força militar, causando milhares de mortes.

Em agosto, dois milhões de pessoas protestam por independência formando uma corrente humana em três repúblicas da União Soviética: Estônia, Letônia e Lituânia.

A queda do muro

Na Alemanha Oriental, em outubro, começam as manifestações de segunda-feira na cidade de Leipzig, que crescem e se espalham rapidamente. No dia 4 de novembro, até um milhão de pessoas tomam as ruas em Berlim. No dia 9 de novembro, é liberado o acesso entre o lado Oriental e Ocidental de Berlim através do Muro de Berlim, que começa a ser derrubado no dia seguinte. O líder do governo, Honecker, renuncia em outubro. Em novembro, o governo renuncia e, em dezembro, toda a direção do partido do governo, o SED, renuncia. É declarado o fim do regime de partido único.

Na Tchecoslováquia, as manifestações chegam a reunir 500 mil pessoas na capital Praga em novembro e o partido comunista promete eleições. Em dezembro, Havel, líder do movimento de oposição Fórum Cívico, é eleito presidente pelo parlamento. O líder da Bulgária é deposto em novembro e em dezembro é declarado o fim do regime de partido único. Na Romênia os protestos começam em dezembro e terminam com o fuzilamento do líder supremo Ceaușescu.

“Socialismo para o povo”

Em geral esses protestos começaram com movimentos contra a burocracia, reivindicando democracia e reformas, mas sem ilusões no capitalismo. Manifestantes na Rússia seguravam cartazes dizendo “Socialismo para o povo, pelo fim dos privilégios especiais dos políticos e burocratas”. Pesquisas mostravam que somente 3% votariam em um partido capitalista se houvessem eleições com vários partidos.

Tanto na Alemanha Oriental quanto na Praça da Paz Celestial em Pequim, os manifestantes cantavam a Internacional nos protestos. Os movimentos de oposição reivindicavam um socialismo democrático e livre. Somente o grupo social-democrata falava de “economia de mercado social”.

Somente na Polônia havia uma ilusão maior no capitalismo. Isso tinha a ver com a derrota das mobilizações de 1980-81, quando uma onda de greves e ocupações levou ao surgimento do Solidariedade, movimento que chegou a ter milhões de filiados. Mas a direção do Solidariedade, influenciada por intelectuais e pela Igreja Católica segurou o movimento, com medo de que uma radicalização pudesse levar a uma intervenção soviética. O resultado foi um golpe militar e uma desmoralização do movimento. Quando o movimento é retomado no final dos anos 1980, seus líderes já tinham uma visão mais pró-capitalista, algo que muitos trabalhadores aceitavam simplesmente por falta de alternativa.

Exceto na Polônia, em nenhum dos países stalinistas havia qualquer movimento de oposição presente antes dos protestos, por causa da forte repressão. Os movimentos que surgiram não tiveram tempo de construir uma visão clara de como prosseguir. Por falta de alternativa, muitos acabaram sendo influenciados pelos movimentos da Europa Ocidental, que também possuíam grandes recursos para intervir, comparado com os pequenos grupos de esquerda.

Quanto mais se conseguia acesso à informação, mais claro ficava também a profundidade da crise dos países stalinistas, comparada com a aparente abundância dos países capitalistas, que passavam por um período de grande crescimento econômico. Isso contribuiu para o crescimento de ilusões no capitalismo.

Burocratas se tornam capitalistas

Um outro elemento forte foi que a própria burocracia começou a chegar à conclusão de que não iriam conseguir manter seus privilégios com o antigo sistema e começaram a abandonar o barco. Como Trotsky colocava em sua brilhante análise do stalinismo em “A Revolução Traída” (1936), se os trabalhadores não conseguissem derrubar a burocracia através de uma revolução política que acabasse com o regime burocrático e instalasse uma democracia dos trabalhadores, os burocratas em algum momento iam tentar se instalar como uma nova classe dominante. Na maioria dos países, foram os próprios burocratas que se tornaram os novos capitalistas, pilhando as empresas estatais no processo de privatização. Na Rússia hoje, os oligarcas bilionários são justamente aqueles que mais conseguiram roubar durante o processo de abertura econômica.

Na Alemanha Oriental, o processo foi um pouco diferente. Com a abertura do Muro de Berlim, milhares de pessoas visitaram o lado ocidental e ficaram vislumbradas com a abundância de mercadorias disponíveis. Sem qualquer caminho alternativo visível, cresceu a o apoio pela reunificação com a Alemanha Ocidental capitalista. As pessoas que tinham uma posição crítica a esse caminho não possuía organizações que as representassem, pela imaturidade da oposição de esquerda, e se confundiam com a ala “reformista” da burocracia, que não tinha mais credibilidade. À medida que os protestos cresciam e mais detalhes dos privilégios dos burocratas e das políticas de repressão se tornavam públicos, a maioria da burocracia apostou no processo de reunificação. Todos os grupos de oposição passaram a apoiar essa medida, menos a Esquerda Unida, um grupo político de Trotskistas que surgiu algumas semanas antes da queda do muro.

Desindustrialização devastadora

Nas eleições de março de 1990, na qual os partidos da Alemanha Ocidental investiram com tudo, ganharam aqueles que prometeram o processo de unificação mais rápido, os cristãos-democratas. A unificação foi implementada no dia 3 de outubro. Mas, ao invés do prometido avanço econômico, o lado oriental passou por um processo de desindustrialização relâmpago, perdendo a metade de suas indústrias. Muitas empresas quebraram por conta da nova concorrência, outras eram compradas e fechadas imediatamente por firmas do lado ocidental. Até hoje, 24 anos depois, o desemprego é muito maior e os salários menores no lado oriental. No final desse processo, esse movimento continental contra a burocracia acabou na restauração do capitalismo em todo o Leste Europeu e na ex-União Soviética. O mapa estabelecido após a Segunda Guerra Mundial foi redesenhado completamente. Não existem mais a União Soviética, República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), Iugoslávia ou Tchecoslováquia.

Foi um processo que levou a uma grande miséria para a grande parte da população, com uma recessão econômica que superou a crise dos anos 1930 dos países capitalistas. Na Rússia, a expectativa de vida para homens caiu para 58 anos em meados dos anos 1990, um índice menor do que um século antes! Em alguns países, as economias ainda não se recuperaram e a desigualdade é muito maior do que antes. Os conflitos nacionais levaram a várias guerras civis e conflitos armados, como na ex-Iugoslávia, na Chechênia, na Geórgia, e agora na Ucrânia.

Hoje, vemos regimes autoritários, como o de Putin. Outros beirando a ditadura aberta, como na Bielorrússia ou Cazaquistão. Outros com um elemento fascista forte, como na Hungria e Ucrânia. Alguns são democracias burguesas instáveis, podendo cair com a próxima crise.

Efeitos internacionais da queda do stalinismo

A queda do stalinismo teve um efeito monumental na situação mundial. Significou o fim da divisão do mundo em dois blocos, o “Ocidente” capitalista e o “Oriente” “comunista”. Surgiu um mundo “monopolar”, dominado pelos EUA, mas cujo poder vem diminuindo. Sem a presença do bloco stalinista, que funcionava como uma “cola” que manteve a unidade do Ocidente, os conflitos entre as potências imperialistas vão tender a aumentar.

Mas mais importante foi o efeito para a classe trabalhadora internacional. A queda do stalinismo levou junto com as burocracias ditatoriais a principal conquista da Revolução Russa: a economia planificada. Isso foi uma perda grande que afetou toda a esquerda, mesmo a esquerda que não tinha ilusões no “socialismo real”. Isso por que permitiu uma enorme ofensiva contra a própria ideia do socialismo. “Nós ganhamos” declarou o Wall Street Journal em 1990. “É o fim da história”, declarou o economista americano Francis Fukuyama, afirmando que foi demostrado que só um sistema é possível, o capitalismo liberal, que iria superar suas crises e ser um sistema de estabilidade permanente – ele mesmo reconheceu posteriormente que estava errado.

A socialdemocracia abraça o neoliberialismo

Os partidos “socialdemocratas”, “socialistas”, “comunistas” ou “trabalhistas” que pregavam algum tipo de terceira via fizeram um giro definitivo à direita, abraçando a política neoliberal, que se tornou o pensamento único dos governos pelo mundo. Isso significou uma onda de ataques aos direitos dos trabalhadores, que ficaram desamparados com a traição de suas antigas organizações de massas. Aqui no Brasil vimos isso com o processo de adaptação ao poder do PT e do governismo passivo da CUT, UNE e outros movimentos.

Porém, a política neoliberal está enfrentando uma oposição crescente desde o final dos anos 1990. Esse processo se aprofundou com a atual crise que abala o capitalismo mundial desde 2008. Vimos isso na Primavera Árabe, no movimento dos Indignados na Espanha e na Grécia, nas greves gerais em vários países na Europa, no movimento Ocupe nos EUA, nas explosões de luta na Turquia, no Brasil em junho 2013 e agora em Hong Kong. Esses movimentos ainda buscam uma expressão política clara. Novos partidos de esquerda estão surgindo pelo mundo, como o PSOL. É nossa tarefa contribuir para que uma nova geração tire as conclusões desses processos históricos e achem o caminho do socialismo democrático, livre das distorções do stalinismo.

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