Trump 2.0: o mundo se prepara para mais turbulências
Conflito imperialista entre EUA e China deve se intensificar em todas as frentes
O retorno de Donald Trump como presidente dos EUA marca um ponto de inflexão para um sistema capitalista global em crise e desordem. A agenda econômica e política de Trump promete um novo nível de ruptura e conflito de maneiras que não podem ser totalmente previstas nesta fase. A rivalidade imperialista entre os EUA e a China, que é a principal força motriz por trás dos processos globais, incluindo as políticas de Trump, deve aumentar em todas as frentes.
De forma mais imediata, o cenário está preparado para uma guerra comercial intensificada, que supera o conflito que começou há sete anos, durante o primeiro mandato de Trump. As tarifas impostas naquela época já tiveram um grande impacto na economia da China, iniciando um processo no qual as cadeias de suprimentos centradas na China são rompidas e redirecionadas. A participação da China nas importações dos EUA caiu de 21,6% em 2017 para 15% em 2023. Mas, em comparação com Trump 2.0, isso foi um “protecionismo inicial”, nas palavras de Martin Wolf, do Financial Times.
Por trás disso, há uma reversão completa da doutrina capitalista predominante de mais de três décadas (globalização neoliberal) e a reafirmação do poder e do controle do Estado pelas maiores economias imperialistas, com uma estratégia para reindustrializar suas economias (mais fácil falar do que fazer), em última análise, impulsionada pelos preparativos para a guerra entre as potências imperialistas.
Apesar das tarifas cobradas em 2018 e desde então, a China exportou US$ 500 bilhões em mercadorias para os EUA em 2023. A The Economist calcula que esse valor poderá cair 85% se Trump cumprir sua promessa de impor tarifas de 60% sobre os produtos chineses. Alguns especulam que Trump não cumprirá suas medidas na íntegra. Na verdade, o choque na própria economia dos EUA, que Trump evidentemente não entende, poderia agir como um freio para seu governo. Uma pesquisa da Reuters com especialistas prevê que as novas tarifas de Trump provavelmente ficarão em 40%, o que ainda é muito alto.
Mas muitos republicanos e democratas no Congresso querem ir além, incluindo o cancelamento do status de “relações comerciais normais permanentes” (PNTR) da China, concedido pelo Congresso dos EUA em 2000. Se isso acontecer, a China seria relegada, em termos de acesso ao mercado dos EUA, a um grupo de “estados párias” fortemente sancionados, incluindo Rússia, Cuba, Belarus e Coreia do Norte.
A Oxford Economics calcula que a perda do PNTR reduziria a participação da China nas importações dos EUA para apenas 3%. Embora a revogação do PNTR seja talvez improvável no curto prazo, uma lei patrocinada pelos republicanos para esse fim começou a tramitar no Congresso, e Trump provavelmente permitirá que essa ameaça fique pendurada como uma “espada de Dâmocles” sobre as negociações comerciais com o regime chinês. A suspensão da PNTR é favorecida por várias figuras de peso no novo gabinete de Trump, incluindo Marco Rubio, que será o Secretário de Estado.
Incapacitando a máquina de exportação da China
A próxima fase de intensificação da guerra comercial “abalará o mundo” e arrastará cada vez mais países para o conflito, de acordo com a The Economist. Para o regime de Xi Jinping, que luta contra a mais grave crise econômica desde que o capitalismo foi restaurado na China há mais de três décadas, o Trump 2.0 marca o início de um período desesperador e perigoso. A China está em uma situação muito pior do que em 2017 e a distância entre as duas superpotências aumentou. Em última análise, o regime ditatorial enfrenta ameaças existenciais, algo que se reflete no aumento da repressão, da militarização e do forte foco na “segurança nacional” de todas as suas políticas econômicas. A última rodada de expurgos na cúpula das forças armadas, para reafirmar o controle de Xi, é um sinal claro do nervosismo do regime.
A economia chinesa está atolada na “japonização”: crise da dívida, bolhas de ativos em colapso e queda nos preços (deflação). Ironicamente, o setor de exportação da China tem sido o único motor de crescimento econômico que se manteve em funcionamento enquanto a economia em geral caía. Apesar das tarifas dos EUA (mantidas e ampliadas por Biden), a combinação de um yuan mais fraco, o aumento dos investimentos em manufatura apoiados pelo Estado e a deflação, que torna seus produtos mais baratos, ajudaram a China a manter sua posição como o maior exportador do mundo. Em 2023, a China detinha uma participação de 14,2% nas exportações globais, em comparação com 8,5% dos EUA e 7,1% da Alemanha.
A blitzkrieg tarifária prometida por Trump inevitavelmente afetará gravemente as exportações da China e, ao mesmo tempo, levará seus exportadores a buscarem mercados alternativos na Europa e no Sul Global. Mas aqui eles já estão se deparando com um protecionismo muito mais rígido. Isso não ocorre apenas na Europa, que em 2024 lançou sua própria guerra tarifária contra a China por causa dos veículos elétricos, mas também em estados nominalmente “amigos da China” no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e na América Latina.
Os governos do Brasil, Chile, Indonésia, México, África do Sul, Tailândia, Turquia e Vietnã estavam entre os que impuseram tarifas em 2024 sobre produtos chineses, desde aço até painéis solares. Muitos dos mencionados acima são membros do BRICS ou “países parceiros”, mostrando que o grupo BRICS alinhado à China está longe de ser uma aliança coesa contra o bloco ocidental liderado pelo imperialismo estadunidense.
Esses governos estão sob pressão de seus próprios capitalistas, que reclamam que a enxurrada de importações chinesas os está levando à falência. As exportações totais da China cresceram 12% em termos de volume em 2024, contra um crescimento do comércio global de apenas 3%.
A propaganda “anti-hegemônica” (anti-EUA) do regime de Xi encontra um eco imediato em muitas partes do mundo, especialmente no Sul Global, tanto por parte dos regimes quanto da população em geral. Isso não é nada surpreendente com base em décadas de agressão militar dos EUA e austeridade econômica imposta por agências controladas pelos EUA, como o FMI. Mas as próprias práticas imperialistas e o mercantilismo capitalista da China, que levam ao aumento do desemprego e da desindustrialização nas economias afetadas, produzem o efeito oposto, gerando uma reação anti-China cada vez maior.
Mirando em “países terceiros”
As políticas tarifárias de Trump serão mais abrangentes do que durante seu primeiro mandato. O novo governo buscará maneiras de bloquear as “soluções alternativas” da China, por meio das quais ela exporta mercadorias para os EUA e a Europa por meio de países terceiros, como México e Vietnã. Isso pode se assemelhar a um jogo de gato e rato, com regras contornadas apenas para serem substituídas por regras ainda mais rígidas. A mesma coisa já está acontecendo com as sanções tecnológicas dos EUA que cortam o acesso da China a microchips avançados e equipamentos de fabricação de chips. Apesar das brechas, essas medidas cobraram seu preço, prejudicando partes da economia chinesa e reforçando o afastamento das cadeias de suprimentos da China.
Pequim se conformou com o fato de que o conflito entre os EUA e a China e a desglobalização (desacoplamento) continuariam, independentemente de quem ganhasse a eleição nos EUA. Mas, no segundo mandato de Trump, o mundo deve se preparar para a intensificação: um “desacoplamento duro” entre Washington e Pequim na esfera da economia, do comércio, da tecnologia e dos vínculos financeiros, juntamente com uma campanha de pressão igualmente alta de reforço e contenção militar liderada pelos EUA.
Isolacionismo?
O caráter imprevisível e as declarações frequentemente contraditórias de Trump confundem muitos comentaristas. Embora não possamos fingir que somos capazes de prever todas as eventualidades, há certos cenários que podem ser descartados. Os principais contornos da política de seu governo, assim como aconteceu com Biden e Obama, serão ditados pelo imperativo histórico do ponto de vista do capitalismo dos EUA de defender sua hegemonia global derrotando seu principal oponente, o capitalismo chinês.
Lenin explicou que o imperialismo não era uma “política” como alguns, inclusive Karl Kautsky, imaginavam. Trata-se de uma fase histórica inevitável do desenvolvimento do capitalismo, pois ele esgota todas as vias nacionais de desenvolvimento. O capitalismo é forçado a entrar no mercado global, onde os Estados capitalistas mais poderosos disputam o domínio.
Os EUA são uma potência global, o “império” mais formidável que o mundo já viu. Recuar para sua base estadunidense não é uma opção para os capitalistas dos EUA, cujos lucros são, em grande parte, derivados de sua posição hegemônica na economia mundial e no sistema financeiro. Em última análise, o poder econômico deve ser defendido pelo poder militar.
Em vez de isolacionismo, portanto, como alguns interpretaram a agenda de Trump, o novo governo defenderá o exercício do poder imperialista bruto, por meios econômicos e militares, em uma escala sem precedentes. Mesmo antes do início de seu mandato, Trump declarou novamente seus planos para a Groenlândia, que ele quer pressionar a Dinamarca a “vender” para os EUA. Isso não é brincadeira; durante seu primeiro governo, Trump ordenou que sua equipe do Conselho de Segurança Nacional examinasse a opção da Groenlândia. Por trás disso está o desejo de expandir a presença do imperialismo dos EUA no Ártico, onde um “Grande Jogo” polar está se desenrolando entre o bloco China-Rússia e o bloco liderado pelos EUA. Trump também declarou seu desejo de retomar o controle do Canal do Panamá. Essa lista de compras imperialistas é uma imagem espelhada das reivindicações territoriais de Xi Jinping sobre o Mar do Sul da China e Taiwan.
Muitos conselheiros do PCC [Partido “Comunista” Chinês] calculam erroneamente que será mais fácil para Pequim lidar com o novo governo do que com o de Biden, porque o Trump “transacional” está interessado apenas em fazer acordos econômicos. Ele não está interessado em alianças militares e poderia até abrir mão de Taiwan pelo preço certo, argumentam falsamente.
A doutrina militar de Trump, se é que pode ser assim descrita, é terceirizar o custo das guerras o máximo possível para aliados imperialistas médios e pequenos. Um exemplo claro disso são suas ameaças aos aliados da OTAN, chegando a dizer que “incentivaria” a Rússia a atacar os membros da OTAN que não aumentassem seus gastos com defesa. Nesse processo, o presidente atuará como um intermediário para a indústria de armas dos EUA, que responde por quase 42% das exportações militares do mundo.
O Financial Times (20 de dezembro de 2024) informou sobre conversas entre representantes de Trump e autoridades europeias para evitar a ameaça de tarifas comerciais de 10% a 20% em troca de governos europeus aumentarem seus gastos com defesa da meta atual de 2% para cerca de 3,5% do PIB, se não para “5% do PIB”, como Trump exigiu publicamente. Esses aumentos, que vários governos da OTAN abraçarão de bom grado, só podem significar cortes enormes em programas sociais e serviços públicos, preparando o cenário para uma dura reação das organizações de trabalhadores.
Muitos conselheiros do PCC, repetindo seus erros de oito anos atrás, se concentram demais nas idiossincrasias pessoais de Trump e muito pouco nos processos fundamentais que “criaram” Trump. Esses processos estão enraizados no capitalismo, que colocou as duas superpotências em uma rota de colisão. Trump pode emitir sinais contraditórios que, obviamente, chamam a atenção, como sua recente intervenção para tentar evitar que o Tiktok, de propriedade chinesa, seja proibido nos EUA. Mas isso não indica um desvio do principal impulso anti-China da política dos EUA sob o comando de Trump.
Retrocesso para a classe trabalhadora
A reeleição de Trump é um grande retrocesso para todos os trabalhadores, mulheres, migrantes, pessoas trans e negros nos EUA e em todo o mundo. Como explicou nossa organização internacional ASI, a vitória de Trump refletiu o descontentamento em massa com o Partido Democrata e o governo Biden-Harris, mas também uma guinada à direita na sociedade impulsionada pelo giro reacionário da classe dominante e o fracasso abjeto da esquerda. Na eleição de 2024, Harris obteve 6,2 milhões de votos a menos do que Joe Biden recebeu em 2020. A vitória de Biden, que obteve a maior votação de todos os tempos para um presidente dos EUA (81,2 milhões), foi impulsionada por um enorme clima anti-Trump que não existia na mesma medida desta vez. A mudança para a direita entre setores da população dos EUA deve ser vista no contexto de uma situação muito polarizada, em que, dentro do voto de Trump, há agora um núcleo de extrema direita endurecido, algo que também vimos em outros países. Esse é o caso hoje, na ausência de uma alternativa de esquerda considerável e séria, que pode mudar e ser revertida pelas lutas de massa nos próximos anos.
Esse é o preço das políticas inabalavelmente pró-capitalistas dos democratas, engolidas sem protestos pela “esquerda” do partido, levando a um aumento das dificuldades para as famílias da classe trabalhadora. Isso abriu espaço para que Trump, apesar de seu caráter reacionário repugnante, se apresentasse como o candidato da “mudança”. Com relação à economia, que acabou sendo a questão mais decisiva da eleição, Trump declarou que iria “acabar com a inflação” e “tornar os Estados Unidos acessíveis novamente”. Essas são promessas que acabarão por prejudicá-lo no próximo período. A nova guerra comercial de Trump – se levada a cabo em sua totalidade – tem o potencial de acender uma bomba inflacionária nos EUA.
A vitória de Trump foi comemorada por forças reacionárias e de extrema direita em todo o mundo, desde o primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, até Marine Le Pen, da França, e Yoon Suk Yeol, da Coreia do Sul. Este último, que chegou a ser apelidado de “K-Trump” devido à semelhança política, desde então foi expulso do cargo por um movimento de protesto em massa e uma greve geral parcial, depois que ele declarou a lei marcial e tentou proibir partidos políticos, manifestações e greves. Esse é um sinal do que poderia ocorrer nos EUA caso Trump tentasse seguir suas próprias tendências autoritárias. A Argentina oferece outro exemplo, com greves em massa e protestos de rua contínuos ao longo do ano passado contra a pobreza em larga escala criada por Javier Milei, que, assim como Netanyahu, planeja comparecer à posse de Trump.
A cerimônia de 20 de janeiro parece que será um “quem é quem” espalhafatoso da reação global. Xi Jinping, cujas credenciais nacionalistas de direita e contrárias à classe trabalhadora em outra situação o faria uma opção perfeita, quase certamente recusará o convite de Trump para comparecer à posse. O PCC provavelmente enviará um substituto, suspeitando que o objetivo real de Trump é expor Xi em uma luz menos lisonjeira. Na mentalidade de Xi, um imperador não presta homenagem na coroação de um mero presidente. O regime de Xi também vê uma armadilha: Trump poderia lançar novas tarifas contra a China logo em seu primeiro dia no cargo (como prometeu recentemente), com o avião de Xi mal tendo deixado o espaço aéreo estadunidense, fazendo com que o líder chinês pareça fraco.
Também é possível que Trump tente obter a ajuda do regime chinês para influenciar Putin a aceitar um cessar-fogo na guerra da Ucrânia. Trump está sob alguma pressão nesse sentido, porque ele se gabou de que acabaria com a guerra em seu “primeiro dia”. Trump poderia até mesmo oferecer incentivos a Pequim, incluindo um alívio nas tarifas, se conseguisse a assinatura de Putin em um acordo. Mas é extremamente improvável que isso dê frutos por uma série de motivos.
Mesmo que Xi estivesse motivado a atender a Trump, o que é improvável, ele não controla Putin. O acordo entre a Coreia do Norte e a Rússia para fornecer 10 mil soldados coreanos para o esforço de guerra russo, um desenvolvimento indesejável aos olhos de Pequim, é um exemplo desses limites. Uma aliança ou bloco geopolítico não significa que o parceiro dominante, como a China é por uma margem esmagadora nesse caso, possa simplesmente impor uma política a seus aliados se isso for contrário a seus interesses principais.
Putin sente que a guerra se moveu em sua direção e será difícil mudá-la por meio de pressão diplomática. Qualquer negociação de paz provavelmente será lenta, baseada na premissa de aceitar as linhas de frente atuais – algo que nem Moscou nem Kiev provavelmente aceitarão, certamente não como uma solução permanente. É improvável que o regime de Xi coopere com Trump nessa questão porque ele também sabe que qualquer concessão dos EUA em relação às tarifas seria revertida posteriormente.
Por mais que Trump e seus assessores queiram se afastar da guerra da Ucrânia para “focar na China”, as complexidades do atual conflito do bloco imperialista não permitem essa opção. Uma vitória de Putin e a percepção de que a OTAN e os EUA estão em desvantagem fortaleceriam e encorajariam o regime chinês, algo que os EUA devem evitar a todo custo.
Elon Musk é o homem de Pequim?
Como em seu primeiro mandato, Trump montou um governo de bilionários – nada menos que 13 – mostrando, sem sombra de dúvida, quais interesses de classe ele representa. A riqueza combinada de sua equipe de gabinete é de impressionantes US$ 383 bilhões. O mais rico de todos é, obviamente, Elon Musk, que não é formalmente um membro do gabinete, mas foi escolhido para co-liderar o “Projeto Manhattan” de Trump – o recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE). Esse departamento visa a demissões em massa de funcionários federais e grandes cortes no financiamento de programas sociais. O currículo de Musk está repleto de episódios de destruição de sindicatos, incluindo a demissão em massa da força de trabalho do Twitter quando ele assumiu o controle da empresa.
Musk é o “CEO ocidental favorito” do regime chinês, que tem esperanças exageradas de que ele possa exercer uma influência restritiva dentro do governo Trump, que, de outra forma, é dominado por falcões anti-China. As fábricas de Musk na China produzem mais da metade da produção global da Tesla e foram construídas com US$ 500 milhões em empréstimos de bancos controlados pelo PCC. Musk se alinhou com o PCC em muitas questões, como Taiwan (“uma parte integral da China”). Isso diz muito sobre a política de ambos, o fato de um capitalista detestável com simpatias fascistas abertas estar em tão bons termos com a ditadura do PCC.
Mas Musk provavelmente decepcionará Pequim, que está repetindo erros de cálculo que cometeu quando Trump assumiu o cargo pela primeira vez em 2017. Naquela época, o regime de Xi subestimou a ameaça da guerra comercial, acreditando que o “lobby da China” em Wall Street conteria Trump. Eles não entendiam que o cenário global havia mudado e que a guerra comercial era apenas um componente de uma nova Guerra Fria imperialista. Não podemos prever por quanto tempo Musk permanecerá no círculo íntimo de Trump. Nesse meio tempo, ele tentará se equilibrar entre Trump e a China para proteger seus interesses bilionários, mas, em última análise, a luta pelo poder imperialista entre os EUA e a China é impulsionada por forças mais profundas.
Os lobos guerreiros de Trump
O novo governo é fortemente influenciado pela versão de Trump de “lobos guerreiros” – falcões ideológicos contra a China, como Rubio, que na verdade está sob sanções do PCC por seu “apoio” – completamente falso – aos protestos democráticos de Hong Kong. Isso pode causar um constrangimento considerável para o regime chinês em negociações futuras, quando ele terá que decidir se recusará a se encontrar com essa “persona non grata” ou se violará suas próprias sanções.
Como congressista, Rubio também iniciou vários projetos de lei para reforçar a posição militar e diplomática de Taiwan contra a China. Isso inclui acelerar a venda de armas para a ilha e aumentar o treinamento conjunto com as forças militares dos EUA (Lei da Paz de Taiwan através da Força, 2023). Em julho, Trump levantou suspeitas com comentários amplamente divulgados sobre a necessidade de Taiwan “nos pagar pela defesa” e insinuou que a ilha estava muito distante para que os EUA interviessem militarmente.
Mas Taiwan, infelizmente para seu povo, continuará sendo uma “peça de xadrez” geopolítica crucial na luta pela supremacia entre o imperialismo estadunidense e o chinês. O DDP, partido governista de Taiwan, demonstra toda a intenção de atender às demandas de Trump por mais “dinheiro de proteção”, com um contrato de armas de US$ 385 milhões selado três semanas após a eleição de Trump. Para referência, a primeira presidência de Trump vendeu três vezes mais armamentos para Taiwan do que o governo de Biden. É provável que essa tendência se repita com Trump 2.0.
Mike Waltz, ex-oficial das forças especiais do exército que se tornou assessor de segurança nacional de Trump, chamou a China de “ameaça existencial”. Embora anteriormente fosse um firme defensor da Ucrânia contra a invasão da Rússia, ele alinhou sua posição com a de Trump e outros que veem a Ucrânia como “a guerra errada”.
Waltz disse ao Financial Times em setembro: “Temos que nos voltar para o Pacífico”, onde, segundo ele, a China orquestrou “o mais rápido crescimento militar desde a década de 1930”. Vários dos outros escolhidos por Trump se encaixam no mesmo perfil. “Isso é como a manhã de Natal para os falcões anti-China”, disse um analista global ao Financial Times.
Começar com um estrondo
Embora haja incertezas sobre o tamanho e o cronograma exato, é muito provável que o “segundo mandato de Trump comece com um forte estrondo protecionista”, como prevê Nicholas Spiro no South China Morning Post. Após a eleição, Trump anunciou que imporá tarifas de 10% sobre a China, o Canadá e o México desde o primeiro dia. Os dois últimos países podem esperar – a um preço – negociar uma saída para isso, mas para a China essas tarifas provavelmente são apenas um “pagamento inicial” com mais medidas por vir.
Trump também declarou que imporia “tarifas de 100%” sobre os países do BRICS se eles decidissem criar uma nova moeda para substituir o dólar estadunidense como a principal moeda de reserva. Apesar de anos de conversas, essa ideia ainda não é uma perspectiva séria no curto prazo e apenas uma moeda – o yuan chinês – poderia assumir esse papel no futuro. Mas Pequim não é capaz ou não está disposta a fazer isso nas condições atuais.
Há divergências no governo Trump entre aqueles que veem as tarifas como uma arma “ideológica” para degradar a economia da China e fortalecer a capacidade industrial dos EUA, além de forçar outros países a se alinharem e se submeterem à direção dos EUA, e os “pragmáticos” que, em particular, não compartilham a obsessão tarifária de seu chefe. Esses últimos percebem que isso pode ser uma faca de dois gumes que pode causar grandes danos à economia dos EUA e inviabilizar muitas das promessas eleitorais de Trump. Eles esperam que as tarifas sejam principalmente uma ferramenta de negociação em vez de se tornarem uma realidade. O campo pró-tarifas tem muito mais chances de vencer essa luta pelo poder.
A China está ficando para trás
Uma mudança crucial desde o primeiro mandato de Trump é a escala da crise econômica e social na China, que enfraqueceu significativamente sua posição em relação ao imperialismo dos EUA. Em sua primeira visita presidencial à China, em novembro de 2017, a revista Time declarou que Trump estava lá para “conhecer o homem mais poderoso do mundo”. Se isso era verdade na época, hoje não é mais. O equilíbrio de poder no conflito imperialista mudou na direção dos EUA. Enquanto o PIB da China era 75% do nível dos EUA em 2021, esse número caiu para 63% em 2024.
É claro que essa não é a palavra final, com o capitalismo global como um todo em uma crise histórica e o imperialismo dos EUA não sendo exceção. Mas a crise estrutural do capitalismo chinês, que foi irrevogavelmente descarrilada de sua trajetória anterior de rápido crescimento de recuperação para “décadas perdidas” no estilo japonês, dá ao imperialismo dos EUA e a Trump uma vantagem no conflito por enquanto. A economia dos EUA também está lutando contra desequilíbrios crônicos, afogada em dívidas, com uma bolha do mercado de ações em rápido crescimento e um sistema democrático burguês disfuncional. O país também entrou em uma era de explosões sociais e políticas.
No entanto, até agora, o capitalismo estadunidense tem conseguido sair de crise em crise por meio de empréstimos, em virtude de possuir a moeda de reserva mundial ainda incontestável, o poderoso dólar, que lhe permite repassar a conta para o resto do mundo. Em última análise, esse arranjo deve se desfazer. Mas ainda não chegamos a esse ponto.
A agonia econômica da China é mais iminente. Sua participação no PIB global está diminuindo, encerrando uma tendência de expansão de mais de 40 anos. A participação da China atingiu o pico de 18% do PIB global em 2021 e agora é de 16%. Mesmo esses números provavelmente subestimam a extensão do declínio devido à manipulação de dados econômicos pelo PCC, que se tornou mais extrema nos últimos três anos.
Em um discurso viral, agora excluído, o ex-conselheiro econômico do PCC, Gao Shanwen, estimou que o PIB da China foi exagerado em 10% nos últimos três anos, o que colocaria sua taxa de crescimento real próxima de zero. Para os economistas chineses, desafiar os dados oficiais fictícios está se tornando cada vez mais arriscado. Em dezembro, o regime ordenou que as corretoras monitorassem os discursos dos economistas-chefes e os “demitissem” caso expressassem opiniões “inadequadas” sobre a economia.
Um relatório de setembro de 2024 do Rhodium Group, um think tank, diz que é “extremamente improvável” que a China recupere seu pico anterior (2021) como proporção da economia global. Mesmo com um crescimento do PIB de 5,5% ao ano, que excede até mesmo as metas inflacionadas de Pequim, a China não recuperaria sua participação no PIB global de 2021 até 2036, de acordo com o relatório.
A estratégia de enfrentamento do PCC
O regime de Xi está preso em um grande dilema enquanto espera para ver a extensão total do novo regime protecionista de Trump. Muitos comentaristas chineses acreditam que Pequim não adotará inicialmente uma postura dura, mas expressará uma abertura para negociações, nas quais sua estratégia será protelar o máximo possível. É provável que isso encontre uma linha ainda mais agressiva dos negociadores de Trump, que estão firmemente convencidos de que o regime chinês não cumpriu o “acordo comercial de fase um” de 2020 e, de fato, nunca teve a intenção de honrá-lo. Na época, Trump saudou esse acordo como “importante”. Mas não foi.
Com a economia em uma condição tão frágil, o PCC não vai querer assustar ainda mais os capitalistas estrangeiros e pode até mesmo combater as políticas de Trump com novos incentivos financeiros e de investimento – concessões ao capitalismo estrangeiro em vez de concessões a Trump diretamente. Mas o país está entre a espada e a parede. É muito provável que haja uma mistura contraditória e caótica de “cenouras” e “porretes” – incentivos lado a lado com medidas retaliatórias. Ao mesmo tempo, Xi Jinping vai dobrar a aposta em sua estratégia econômica voltada para a exportação, apesar das crescentes tensões que isso está gerando até mesmo entre os aliados da China.
A China não pode retaliar “na mesma moeda” que o governo dos EUA, embora possa impor medidas seletivas, como já fez com os controles de exportação de minerais essenciais usados na fabricação de tecnologia avançada (gálio, germânio e grafite, entre outros). Essas medidas aumentarão os custos para os EUA e seus aliados, em vez de cortar completamente seu acesso a essas commodities. Ao mesmo tempo, está aumentando a pressão para que os EUA, sob o comando de Trump, expandam as sanções tecnológicas da era Biden (sobre semicondutores avançados) para abranger os setores farmacêutico, automotivo e de aeronaves civis da China.
Em um determinado momento, com base em um agravamento extremo de sua crise interna, o regime chinês poderia recorrer à “opção nuclear” de uma desvalorização significativa do yuan, conhecido internacionalmente por seu nome oficial RMB (renminbi). Isso significaria o abandono de uma estratégia de 20 anos para “internacionalizar” o yuan em busca dos muitos objetivos econômicos e geopolíticos globais do PCC (por meio da Iniciativa Cinturão e Rota, BRICS, etc.). O caso da desvalorização seria para compensar os efeitos das tarifas dos EUA, mas também para mitigar a deflação (um yuan mais fraco agiria para “importar” a inflação). Porém, a desvalorização do yuan causaria danos consideráveis a si mesmo por meio do aumento da fuga de capitais da China e, acima de tudo, por abalar a autoridade do regime do PCC e seu poder econômico, aos olhos dos regimes aliados, dos parceiros comerciais e de sua própria população. Para o capitalismo global como um todo, isso abriria uma caixa de Pandora, pois vários outros países seriam forçados a desvalorizar suas próprias moedas em sintonia com a China. A guerra cambial global resultante seria muito pior até mesmo do que a guerra comercial para a economia mundial.
Embora o PCC possa demonstrar disposição para entrar em negociações com Trump e até mesmo oferecer algumas concessões parciais, como fez em 2020 (que nunca teve a intenção de cumprir), um acordo entre as duas superpotências em qualquer sentido significativo ou duradouro não é possível. A ideia lançada por alguns comentaristas capitalistas de um “novo Acordo de Plaza” não tem chance de dar certo. Isso faz referência ao acordo de 1985 entre os EUA, a Alemanha Ocidental e o Japão, segundo o qual os dois últimos foram forçados a revalorizar suas moedas em relação ao dólar, efetivamente diminuindo suas próprias perspectivas econômicas para permitir que os EUA reduzissem seu déficit comercial.
Os regimes dos EUA e da China têm uma “linha vermelha” que o outro lado não pode respeitar. Para o regime de Xi, o desmantelamento de sua versão estatal do capitalismo, com intervenção governamental em larga escala, subsídios e controle dos principais setores, não é negociável, pois isso levaria ao colapso do próprio regime. No entanto, essa é a verdadeira essência das exigências do lado estadunidense, como foi demonstrado nas negociações comerciais do primeiro governo Trump. As pressões econômicas não são os únicos ingredientes da mistura, mas também a autoridade política dos dois regimes e a enorme perda de prestígio decorrente de qualquer demonstração de fraqueza, o que poderia desencadear uma grave crise política.
Nem Trump nem Xi
Algumas pessoas, incluindo alguns grupos equivocados da esquerda, argumentarão a favor do regime da China, acreditando que ele atua como um contrapeso a Trump e ao imperialismo dos EUA e, portanto, é um “mal menor”. Outros, incluindo alguns na própria China, em Taiwan e em toda a região, podem torcer por Trump, acreditando que seus golpes contra Pequim constituem “vitórias” para os oprimidos. Isso ressalta como a consciência das massas se tornou distorcida em uma era de nacionalismo exacerbado e de luta da classe trabalhadora ainda politicamente limitada. O histórico de Trump é absolutamente claro: ele expressou aprovação da detenção em massa de um milhão de muçulmanos em Xinjiang por Xi Jinping e também disse que a repressão policial selvagem contra os protestos democráticos em massa em Hong Kong em 2019 era “assunto interno” da China.
A classe trabalhadora da China, dos Estados Unidos e de todo o mundo precisa se opor a todos os lados do confronto de imperialismos. Trata-se de um conflito brutal entre os regimes mais reacionários do mundo sobre quem pode explorar mais plenamente o proletariado mundial e saquear seus recursos naturais. Os trabalhadores devem se opor às políticas econômicas e militares capitalistas de Washington e Pequim e lutar por uma alternativa baseada no socialismo, nos direitos democráticos e no fim de toda opressão.