Argentina: os “fundos abutres” e a dívida

Dezesseis anos depois da grande recessão de 1998-2002, a economia Argentina está à beira de uma nova crise. E, novamente, poderão ser os trabalhadores que pagarão pelos erros do governo e pela ganância dos capitalistas.

Em 1998-2002, a Argentina enfrentou uma crise econômica, levando à desvalorização de sua moeda e ao calote da enorme dívida externa do país. A recessão causou alto desemprego, hiperinflação e protestos que culminaram com a queda do governo do presidente Fernando de la Rúa, em dezembro de 2001.

Diante da impossibilidade de pagar a dívida, o governo anunciou, na última semana de 2001, a moratória (ou seja, o não-pagamento) da dívida dos títulos públicos, no total de 132 bilhões de dólares. Títulos públicos são documentos financeiros emitidos pelo governo de um país. O objetivo é a captação de recursos para o financiamento de obras e projetos públicos. O funcionamento é simples: o governo vende os títulos, através de bancos e das bolsas de valores, para investidores privados de todo o mundo. Ao final de um certo período, o governo paga aos compradores o valor do título, mais uma taxa de juros.

Em janeiro de 2005, o governo argentino iniciou um processo de reestruturação dessa dívida. Num primeiro momento, 76% dos títulos públicos foram renegociados com os credores e trocados por outros, mais baratos. Uma segunda rodada de negociação, em 2010, deu fim em 93% do total devido. Para os mercados internacionais, esse processo de reestruturação transformou a Argentina em um modelo de como esse tipo de crise pode ser derrotado.

Os abutres entram em cena

Entretanto, no último período, os títulos não-renegociados se tornaram um motivo de tensão. Uma decisão de um juiz nos EUA defendeu os interesses de um grupo de credores liderado pelo bilionário Paul Singer, que havia comprado os títulos daquela pequena parcela que não tinha aceito o acordo. Esse grupo exige que o governo argentino lhe pague um total de 1,4 bilhão de dólares, ao invés do valor menor proposto durante a reestruturação da dívida.

O motivo desse caso ser julgado por uma corte norte-americana é um erro histórico do governo argentino: acreditava-se que, com uma economia instável, poucos investidores estrangeiros comprariam títulos públicos sob a jurisdição argentina. Portanto, desde 1976, os títulos argentinos são emitidos por bancos em Nova York, sob legislação dos EUA.

Essa não é a primeira investida de Paul Singer contra o governo Kirchner. Ele, que foi um dos principais financiadores das campanhas de George W. Bush, já tentou utilizar o judiciário americano para tomar bens do governo argentino, como reservas em bancos de Nova York, o avião presidencial ou até mesmo navios de guerra, como garantia de pagamento da dívida. Paul Singer e seu grupo já foram chamados de “fundos abutres” pela imprensa, por utilizar a mesma estratégia contra outros países da América Latina e África.

O governo da presidente Cristina Kirchner recusou-se a cumprir a decisão da corte americana. A grande preocupação é que isso gere um efeito dominó sob os demais títulos não-renegociados. Caso os outros credores entrem na justiça, o governo argentino poderá ser intimado a pagar um total de 15 bilhões de dólares.

Inflação de 40%

A economia da Argentina já se encontra numa situação fraca. O crescimento do PIB diminuiu, a inflação chega a 40% por ano e os salários não acompanham. Cerca de 25% de população se encontra abaixo da linha de pobreza.

O que os “fundos abutres” querem é que os países se submetam às suas exigências para pagar as dívidas. Para fazer isso, os governos precisam pegar mais dinheiro emprestado e adotar medidas de austeridade, como corte de gastos públicos, fim de investimentos em saúde e educação e aumento das privatizações. E quem paga por isso são os trabalhadores, com inflação, desemprego e queda da qualidade de vida.

Ir além do não-pagamento

Isso mostra que o não-pagamento da dívida em si não resolve os problemas, se não for acompanhado pela nacionalização dos bancos e do sistema financeiro, junto com a implementação do controle do fluxo de capital. Do contrário, qualquer governo permanecerá refém do mercado financeiro.

Vemos o começo do fim da era Kirchner, que sofre com a crise mundial e não tem uma política de romper com o sistema capitalista. Por isso, é fundamental o avanço da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, a aliança de esquerda que conseguiu 1,2 milhão de votos na última eleição, como um passo importante para começar a construir uma alternativa socialista no país.

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