Taxar grandes fortunas para combater o COVID-19 e garantir renda e direitos

A pandemia do coronavírus se espalhou por todo o planeta com uma velocidade assustadora. A isso soma-se a crise econômica que já estava tomando conta das maiores potências e que prenunciava um futuro sombrio para o sistema capitalista. Frente ao desmoronamento de seu sistema, os capitalistas buscam antes de tudo preservar sua própria riqueza. Pressionam pelo fim do isolamento social e pela reabertura do comércio com um discurso – falso – de preocupação com a fome e desemprego. A realidade é que os efeitos nefastos da pandemia e da crise econômica atingem e atingirão de forma muito mais violenta a classe trabalhadora. A maior preocupação do lado de lá não é com as vidas humanas, mas com manter o crescimento de seus lucros e patrimônio.  

Neste cenário de crise, o governo Bolsonaro mostra claramente de que lado está. O foco do governo, em meio às próprias crises políticas, tem sido em reduzir salários, retirar direitos, se contrapor ao isolamento social e destinar enormes recursos para salvar bancos e grandes empresas. 

A garantia de um auxílio mensal de 600 reais para trabalhadores informais, enquanto durar a crise, é um alívio mais do que bem vindo para milhares de trabalhadores pobres que estão numa situação desesperadora. Mas o governo começou propondo 200 reais, demorou para assinar essa medida provisória, enrolou para criar o aplicativo que possibilitava as pessoas pedirem o benefício, e adiou até quando pôde a liberação do dinheiro. Enquanto isso, o ministro da economia Paulo Guedes conseguiu aprovar uma lei que permite ao governo comprar títulos podres, resgatando o lucro dos grandes bancos; A Medida Provisória 936 prevê retirada de direitos dos trabalhadores com carteira assinada, como reduzir salários em até 70%!

Os trabalhadores e o povo pobre, através de suas organizações democráticas, devem se organizar para impedir que os custos da crise do coronavírus e do sistema capitalista recaiam sobre suas costas. O argumento de que não se tem dinheiro para socorrer a maioria da população é mentiroso, pois os diversos governos já mostraram que quando se trata de socorrer bancos, dinheiro se arranja. É hora de exigirmos que os ricos paguem pela crise. E quando falamos ricos, não estamos falando do dono de empresa que emprega umas trinta pessoas e se acha parte da elite. Estamos falando dos super-ricos, grandes bilionários que quase não pagam impostos e ganharam ao longo dos anos diversas regalias de governos de todas as cores. 

O Imposto sobre grandes fortunas (IGF) está previsto na Constituição, mas nunca foi regulamentado porque o Congresso está nas mãos desses grandes empresários. Diversos projetos de lei estão parados há anos nos corredores das comissões. 

Frente a atual pandemia, um conjunto de entidades[1] publicaram um manifesto com propostas de mudanças tributárias que envolveriam cobrar mais das grandes elites brasileiras, dentre estes impostos estaria o IGF. Estimativas dessas entidades mostram que o Brasil poderia arrecadar até R$ 272 bilhões por ano com esse conjunto de medidas 

Mesmo propostas bem mais moderadas, como a que hoje está no senado, de autoria de um senador do PSDB, apresenta um potencial alto de arrecadação: R$116 bilhões[2]. Os números se baseiam em cálculos do presidente da Fenafisco, Charles Alcântara, que aponta que o Brasil tem hoje 206 bilionários, cuja fortuna somada chega à R$1,3 trilhão. Lembremos que o orçamento total da união com a área da saúde em 2019 foi de R$122 bilhões[3].

Algumas figuras públicas da direita se colocam enfaticamente contra, dizem ser uma proposta muito radical e que prejudicaria a economia, mas a realidade é que muitos países possuem esse tipo de imposto[4] e isso não trouxe nenhum dos prejuízos tão alardeados por esse setor. Alguns exemplos de países em que há vigência do IGF são a Argentina, Suíça, Noruega, Colômbia e Espanha.

Além do IGF, há outras formas de arrecadação tributária que recairiam sobre a burguesia, que são praticados em outros países e aqui não são, ou são muito suavemente. Por exemplo, a taxação da distribuição de lucros e dividendos, aponta-se, poderia gerar um incremento na arrecadação na ordem de R$59 bilhões/ano de acordo com uma das estimativas[5]. Cabe ressaltar que, dos 35 países da OCDE, apenas a Estônia não tributa a distribuição de lucros e dividendos[6]. Outro exemplo é a cobrança de IPVA de Jatinhos, Lanchas e Helicópteros, que hoje não são taxados e, caso fossem, estima-se que se arrecadaria cerca de 4,5 bilhões[7]. Imposto sobre herança é outro por exemplo, no Brasil a alíquota máxima é de 8%, enquanto que nos EUA e Japão são de 25% e 40%[8].  

“Mais impostos? Já não pagamos demais?”

É normal – e até mesmo previsível – que a classe trabalhadora, ao ouvir falar em cobrar mais imposto, expresse a pergunta apresentada acima. E apesar de ser real a afirmação – sim, podemos dizer que já pagamos impostos demais – é fundamental que desfaçamos uma confusão generalizada sobre suposta alta carga tributária. Crucial dizer que tal confusão não é a toa, mas proveniente dos discursos da direita e guiados por uma desonestidade intelectual.

Nós, classe trabalhadora, pagamos impostos demais. Mas para a burguesia brasileira a situação é o oposto, pagam proporcionalmente uma baixíssima carga tributária. Vivemos uma enorme desigualdade na distribuição da cobrança dos impostos, o que é chamado de uma carga tributária regressiva – pois quanto mais rico, mais regride a porcentagem de valor gasto em impostos.

Para ilustrar essa questão: Uma parte significativa dos ganhos dos ricos vem da distribuição de lucros e dividendos, que, como dito acima, são isentos. O resultado disso é que um assalariado que ganha 5 mil reais, um pouco mais do que deveria ser o salário mínimo segundo o DIEESE, vai pagar 27,5% de imposto sobre sua renda, enquanto que um milionário que receba 1 milhão de reais dos dividendos de ações de um banco ou grande empresa não pagará nada de imposto sobre esse valor.

Mesmo que os ganhos não venham de lucros e dividendos a desigualdade ainda é gritante, pois a tabela do IRPF, apesar de progressiva, tende a favorecer os mais ricos. Quem ganha 5 salários mínimos irá pagar a mesma alíquota efetiva do que quem possui renda acima de 320 salários mínimos. Inclusive, devido a enorme defasagem da tabela e não correção pela inflação, a faixa de isentos hoje é muito abaixo do que deveria. A correção, se realizada, conforme proposto no manifesto das entidades citado acima, levaria a isenção para pessoas que ganhassem até 4 mil reais, aliviando para uma enorme parcela da classe trabalhadora. Essa mudança, é fato, pode levar a uma perda de arrecadação de 109 Bilhões. No entanto, tal perda poderia ser compensada, apontam as entidades, com a criação de alíquotas de 35% a 60% para quem recebe de 62,7 mil para cima[9].

Ademais, parte significativa dos impostos recaem sobre o consumo, o que também atinge muito mais o povo trabalhador do que burgueses, pois o imposto sobre consumo é o mesmo, independentes de qual classe está comprando. Estudo da Oxfam citado em reportagem da Globo aponta que “28% de tudo o que ganham os mais pobres é consumido para este fim [impostos sobre produtos e serviços], enquanto os mais ricos pagam somente 10% do rendimento neste tipo de imposto[10]

Em suma, a realidade brasileira é de impostos sufocantes para nós, classe trabalhadora, mas para eles é um paraíso fiscal.

No cenário de pandemia uma das pautas mais defendidas por setores da direita como MBL e Partido Novo é o uso das verbas do fundão eleitoral e partidário para a saúde. O PSOL votou contra o fundão eleitoral, decisão correta, mas se diferencia desses partidos que enfatizam essas verbas como se fossem a questão chave quanto a falta de dinheiro público. Tal política geraria cerca de 2 bilhões de reais, valor que de fato seria uma boa ajuda ao SUS nesse momento, mas muito pouco perto do potencial de arrecadação das políticas já citadas e que tem como alvo os bilionários e multimilionários. Óbvio que tais setores nunca citam imposto sobre grandes fortunas como uma possibilidade, pois no fundo o compromisso deles é com os setores burgueses de nossa sociedade. 

Soma-se a esse quadro a absurda realidade do contraste entre os valores destinados a combater os efeitos do coronavírus junto a população e os valores destinados a socorrer os bancos. Juntando todos os gastos com ajuda emergencial, ajuda às pequenas e médias empresas, o incremento dos recursos para a saúde e etc. somam cerca de R$140 bilhões[11]. Enquanto isso, o pacote de injeção de dinheiro aos bancos totaliza R$1,2 trilhão[12] de reais. Não fosse escandalosa por si só essa disparidade, vale ressaltar que essa verba aos bancos ocorreu sem exigir qualquer contrapartida social.

O repetido argumento de falta de recursos do governo cai por terra quando vemos essa realidade de tratamento desigual do estado entre as classes. Uma forte mudança na estrutura tributária brasileira que a torne altamente progressiva pode disponibilizar enormes quantias de recursos para garantir direitos como saúde, educação, moradia, emprego e segurança alimentar à população brasileira.  

No momento atual a taxação sobre grandes fortunas se faz urgente, e nesse sentido a Frente Povo Sem Medo está organizando um abaixo assinado sobre o tema, convidamos as pessoas a assinarem e se juntarem na luta conosco para construir uma saída imprescindível que garanta recursos para o combate ao avanço do coronavírus e aos efeitos da crise econômica. 


[1] Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e o Instituto Justiça Fiscal (IJF)

[2]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/23/senador-sugere-taxar-grandes-fortunas-para-bancar-combate-ao-coronavirus

[3]https://www.brasildefato.com.br/2020/02/21/orcamento-da-saude-perdeu-r-20-bilhoes-em-2019-por-conta-da-emenda-do-teto-de-gastos

[4]https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/03/16/imposto-sobre-fortunas-ricos-milionarios-distribuicao-de-renda.htm?cmpid=copiaecola

[5]http://unafisconacional.org.br/default.aspx?section=13&articleId=8368

[6]https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/04/09/tributacao-lucros-dividendos-arrecadacao-estudo-ipea.htm

[7]https://noticias.r7.com/economia/se-cobrado-ipva-para-helicopteros-barcos-e-jatos-renderia-r-46-bi-12092018

[8]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44020436

[9]https://impostometro.com.br/Noticias/Interna?idNoticia=719

[10]https://g1.globo.com/economia/noticia/super-ricos-pagam-menos-tributos-que-os-10-mais-pobres-diz-estudo.ghtml

[11]http://www.portaltransparencia.gov.br/despesas/programa-e-acao/consulta?de=01%2F01%2F2020&ate=30%2F04%2F2020&acao=21C0%2C00S4%2C21C2%2C00S5&ordenarPor=mesAno&direcao=desc

[12]https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/03/24/internas_economia,836224/pacote-anunciado-pelo-governo-deve-liberar-r-1-2-trilhao-aos-bancos.shtml

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