O EAD como exploração dos professores, enganação dos alunos e força de lucro das empresas
As entidades abaixo assinadas vêm a público manifestar sua preocupação com o recente aprofundamento do modelo negocial de educação superior em curso no Brasil, especialmente a expansão desordenada dos cursos na modalidade à distância (EaD). No Brasil, desde os enormes aportes de recursos públicos oriundos do FIES (Programa de Financiamento Estudantil) dirigidos às empresas privadas com fins lucrativos, consolidaram-se verdadeiros “negócios de educação”, representados por grandes conglomerados comerciais como a Cogna (antiga Kroton), grupo Estácio, Laureate Brasil, Ser Educacional e tantos outros. Um denominador comum é que são todos calibrados pelas expectativas de mercado e das bolsas de valores. Diante da crise no repasse dos recursos do FIES, sentida desde 2015, os comerciantes da educação têm no horizonte duas linhas principais de ação como alternativas para manter sua lucratividade nos negócios: a expansão massiva de cursos semipresenciais ou totalmente EaD e a crescente presença na educação básica.
Para nós, a utilização de tecnologias digitais na criação de ambientes virtuais de aprendizagem não consiste, necessariamente, em um problema. Ao contrário, interações tecnológicas e virtuais mostram-se cada vez mais úteis ao redor do mundo, aproximando pessoas e democratizando o acesso à informação. Contudo, o caráter mercantil da expansão em curso tem comprometido a qualidade do ensino e transformado completamente o papel do trabalho docente.
Atendendo aos pedidos dos empresários do setor, a Portaria 2.117, publicada pelo MEC de Abraham Weintraub e Bolsonaro em dezembro de 2019, expandiu em até 40% a carga horária EaD que poderá ser ofertada nos cursos presenciais. Além da generosa reserva de mercado para as grandes empresas do setor, a portaria proporciona também uma considerável redução de custos operacionais, representados principalmente pelo corte dos salários de professores e com os custos com a estrutura física necessários na rotina presencial. Estimativas apontam uma redução de até 30% nos custos totais das instituições de ensino no caso de se alcançar 40% de EaD na carga horária, um cenário extremamente vantajoso e atrativo para grandes investidores e grupos empresariais interessados lucrar com a educação.
Demissões massivas de educadores e o aumento expressivo da precarização dos postos de trabalho remanescentes são alguns dos resultados sentidos nos últimos anos em função da expansão acelerada dos cursos EaD. Dos profissionais que permanecem, são exigidos ritmos cada vez mais alucinantes de trabalho. Muitos são obrigados a administrar de 20 mil a 40 mil alunos por semestre. A sobrecarga física e emocional destes profissionais pode ser sentida pelo crescimento de doenças posturais e psicossociais na categoria.
Do outro lado, aos demitidos, restam vínculos cada vez uberizados, sob a forma de pessoa jurídica (CNPJ), sem acesso a direitos trabalhistas e de proteção social. Oportunidades possíveis de trabalho hoje se encontram na elaboração pontual de materiais didáticos ou na produção e venda de vídeo-aulas, cujos direitos autorais e de imagem são cedidos à baixíssimo custo às empresas. Tais materiais, oferecidos repetidamente a milhares de estudantes em todo o país, substituem gradativamente a figura do professor e do processo de dialógico que dá substância à relação de ensino-aprendizagem.
O tamanho da precarização do trabalho docente e da perda de qualidade que tomou conta do ensino superior privado brasileiro pode ser observado, por exemplo, no caso recente da Laureate Brasil. Após demitir um expressivo contingente de docentes em todo o país, a empresa tem utilizado algoritmos e programas de inteligência artificial para corrigir atividades dissertativas de mais de 200 mil estudantes. O programa se chama “LTI” e tem sido utilizado largamente sem o conhecimento dos alunos, que pagam suas mensalidades convencidos de que acessarão a melhor educação e os melhores educadores. Tal estratégia, recorrente entre os grandes conglomerados, expressa a completa dissociação entre o processo social de educar e o trabalho docente, reduzindo o primeiro à mera transferência e reprodução passiva de conteúdos – como se o ensino superior fosse meramente a aprendizagem de um conjunto de técnicas – e o segundo a um custo a ser cortado da folha de pagamento.
Na outra ponta, milhares de estudantes são vítimas de fraudes e engodos de todos os tipos, tendo o sonho de uma formação de ensino superior frustrado e posto à mercê de estratégias empresariais que visam unicamente o lucro. Entendemos que a situação exige das forças progressistas um amplo debate e a construção de propostas e alternativas que façam um contraponto efetivo à mercantilização da educação superior brasileira. É hora de mostrar que falar de educação superior é falar de soberania nacional e da garantia da inventividade política das futuras gerações.
Assinam esta nota:
Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG
Bancada Ativista (PSOL/SP)
Coletivo de Estudos Marxistas – Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ)
Coletivo Luta Educadora
Daniel Cara – Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Deputada Estadual Erica Malunguinho (PSOL/SP)
Deputada Estadual Isa Pena (PSOL/SP)
Deputada Federal Taliria Petrone (PSOL/RJ)
Deputado Estadual Carlos Giannazi (PSOL/SP)
Federação dos Professores do Estado de São Paulo (FEPESP)
Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR/tendência do PSOL)
Marcio Pochmann – Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP)
Movimento Universidade Popular (MUP)
Rede de Educadores do Ensino Superior em Luta
Resistência (tendência do PSOL).
Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO/SP)
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
SINTIFRJ – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Instituto Federal do Rio de
Janeiro
Travessia – Coletivo Sindical e Popular.
UNE – União Nacional dos Estudantes