Construir uma saída pela esquerda da crise
Fora Temer, eleições gerais! Greve geral pela base para barrar os ataques!
O quadro de crise generalizada no país continua a se agravar. A crise econômica está longe de acabar e alimenta a contínua crise política, que derrubou Dilma e colocou em seu lugar o ilegítimo governo Temer, com a tarefa dada pela classe dominante de implementar duros ataques contra a classe trabalhadora para garantir que a conta da crise não caia no colo dos ricos.
O governo Temer, em tese, tem uma maioria tranquila no congresso, apoiado pelo PSDB e bando habitual de partidos fisiológicos. Assim, conseguiu votar projetos importantes, apesar de grandes protestos. A MP do ensino médio foi votada, mesmo com a onda de ocupações de escolas no país. A PEC 55, que congela os gastos públicos por 20 anos, passou na segunda votação hoje no Senado. O governo conta em poder votar a reforma da previdência, um novo duro ataque.
Mas essa unidade em atacar os trabalhadores e trabalhadoras do país não significa estabilidade política. Pelo contrário, a crise política continua a se agravar e ameaça o futuro do próprio governo Temer. Nos bastidores está sendo discutido quem poderia ser candidato a presidente em uma votação indireta, pelo congresso nacional, no caso de Temer cair depois da virada do ano (caso caia antes seriam convocadas novas eleições).
Sistema político em crise
Depois do começo desastroso do governo Temer, no segundo semestre a situação parecia se acalmar, especialmente depois da vitória da direita nas eleições municipais. Mas a crise política não é meramente conjuntural, alimentada pela aguda crise econômica e pelo fato de que o Temer é visto como ilegítimo pela maioria da população. Não é só o modelo lulista, com sua conciliação de classes, que se esgotou. É todo o sistema político que está em crise.
Nas últimas semanas uma relativa calma do governo Temer mostrou ser uma ilusão, com uma série de acontecimentos. A renúncia do ministro da Cultura, Marcelo Calero, levou a queda de um dos ministros mais próximos de Temer, Geddel Vieira Lima. Logo depois houve o debacle sobre o presidente do Senado, Renan Calheiros, afastado por liminar pelo ministro da STF, Marco Aurélio Mello, mas recebendo de volta o cargo por decisão do conjunto da STF. Pouco depois vazou a primeira delação dos 77 funcionários da Odebrecht, incriminando Temer, Renan, Maia, Jucá e outras figuras centrais do governo e do congresso.
A pesquisa do Datafolha publicada no domingo confirmou o que todo mundo já sabia. Temer só é considerado bom/ótimo por 10% da população. A parcela que pensa que seu governo é ruim/péssimo cresceu de 31% a 51% desde a última pesquisa. E quase dois em cada três, 63%, considera que ele deve renunciar, o que abriria para novas eleições.
O Congresso como um todo tem também uma rejeição recorde, com 58% avaliando como ruim/péssimo. A pesquisa do Instituto Paraná de dezembro traz dados adicionais que confirmam o quadro. 69% dos entrevistados são a favor de novas eleições agora para o Congresso e 91% são contra que um novo presidente seja eleito de forma indireta, pelo Congresso, caso Temer caia. Além disso, 49% preferem “votar em um candidato que nunca tenha participado da Política”, o perfil usado por políticos como Dória, ou mesmo Trump. A pesquisa também mostra riscos caso a esquerda e as lutas não consigam levar a uma alternativa positiva: 35% apoia uma “intervenção militar provisória”, enquanto 59% são contra.
A direita liderada pelo PSDB, apesar do resultado positivo das eleições municipais, também continua fragilizada. Mesmo com a crise e queda da Dilma, impopularidade do Temer e vitórias importantes nas eleições, como a de Dória no primeiro turno em São Paulo, nenhuma figura do PSDB consegue se destacar para as eleições 2018. Na pesquisa do Datafolha, as três principais figuras do PSDB continuam a perder apoio. Aécio Neves, que em dezembro de 2015 estava em primeiro lugar com 27% nas pesquisas, agora está em terceiro com 11%. Lula, que antes perderia para qualquer um dos candidatos tucanos (Aécio, Alckmin ou Serra) em simulação de segundo turno, agora ganha contra todos e só perderia para Marina Silva.
A saída não é judicial
Diante dessa crise, vimos que uma parte do judiciário tenta agir para “limpar” o sistema político, principalmente através da Operação Lava Jato (OLJ). Há aqueles na esquerda que têm feito uma análise simplista e exagerada sobre o OLJ, seja vendo ela como simplesmente uma conspiração para derrubar Dilma e incriminar Lula, que logo que tivesse cumprido seu dever seria abafada, ou aqueles que a veem como algo progressivo na luta contra a corrupção, que deve ser apoiado “até o fim”.
Primeiramente, não devemos ter nenhuma ilusão no judiciário, que é uma parte importante da classe dominante, com o papel de agir como força conservadora e zelar pela estabilidade do sistema. Por isso tem o poder de intervir quando representantes políticos ameaçam essa “estabilidade”. Decisões pontuais positivas, como a descriminalização do aborto, não revertem esse caráter geral.
A atuação do STF no caso do Renan Calheiros é esclarecedora. Fizeram um acordão político, para garantir a maior estabilidade do sistema, o que não impede que o Renan possa acabar seguindo o mesmo caminho que Eduardo Cunha e ser preso. Mas nesse momento estava em jogo a votação da PEC 55, central para classe dominante.
Além disso, o judiciário brasileiro é tão corrupto como o resto dos poderes e agem segundo interesses próprios. Em assuntos como os super salários, acima do teto constitucional, ou a garantia de mordomias como auxílio moradia para aqueles que têm os salários mais alto dos funcionários públicos do país, ou garantia de aumento salarial para o alto escalão do judiciário em tempo de arrocho salarial do funcionalismo, vemos esses interesses.
A Operação Lava Jato é uma tentativa de limpar o sistema dos piores excessos de corrupção, mas usando mecanismos que a classe dominante usará contra qualquer um que ameaça seus interesses. Isso inclui toda a esquerda combativa e lutadores dos movimentos sociais. Hoje o judiciário já é usado para proibir greves e criminalizar lutas. Novos poderes para o judiciário, que é um poder que não pode ser destituído pelo voto popular, vão ser usados contra os movimentos, do mesmo jeito que a lei antiterrorismo da Dilma já foi usada contra ativistas do MST em Goiás.
Temos que redobrar nossa cautela diante do argumento de que o “fim justifica os meios”, quando ele vem de representantes de um Estado construído em cima da opressão e exploração. Em nome de combater a “corrupção” e o “terrorismo”, fins “louváveis”, se passam leis que servem para garantir a “finalidade” suprema do Estado hoje: garantir a sobrevivência do Estado capitalista. Entre as 10 medidas contra corrupção propostas pelo Ministério Público Federal, havia propostas que seriam perigosas se passassem, como a possibilidade de usar provas obtidas por meios ilegais, desde que seja em “boa fé”.
Por outro lado, entre as emendas haviam novamente propostas que só mostravam que o interesse central da maioria dos deputados não é colocar um fim a corrupção. É o caso da proposta de emenda que daria anistia ampla para crime de caixa 2.
A experiência do “Mãos Limpas”
Independente se a intenção original do Sergio Moro era de repetir a experiência da “Mãos Limpas” que acabou com a maioria dos partidos políticos e prendeu boa parte dos políticos na Itália nos anos 1990, a Lava Jato hoje tem uma lógica própria e não poderá ser simplesmente abafada. Lembramos que Romero Jucá, um dos principais nomes do governo Temer, teve que renunciar como ministro simplesmente por falar sobre a necessidade de conter a Lava Jato.
Mas o próprio exemplo da Itália é ilustrativo. A saída política depois de todo o processo foi a chegada ao poder do super corrupto Berlusconi, que além de ser um governo de direita que atacava duramente os trabalhadores, usou seu poder implementando leis para se manter fora da prisão. Não há solução jurídica para o problema da corrupção, já que o judiciário é parte do mesmo sistema vigente.
Qual deve ser a posição da esquerda, dos socialistas, então? Nós queremos sim atacar o problema da corrupção, incluindo punir os corruptos que roubam recursos que deveriam ir para saúde, educação, moradia, etc. Para que isso realmente seja levado a cabo, e para garantir que o processo não seja seletivo e com excessos, como hoje, ou abafado, é necessário que ele seja colocado sob controle público efetivo, com representantes dos movimentos sociais que tenham acesso a todo o processo.
Mas precisamos também atacar as raízes da corrupção: a relação promíscua entre o poder público e o privado. Acabar com o financiamento privado de campanhas eleitorais é um passo limitado. Enquanto há contratos bilionários em jogo, não faz diferença fundamental se o suborno é pago antes das eleições em forma de contribuição de campanha (legal ou ilegal) para os candidatos, ou diretamente para quem ganhar as eleições. O sistema de privatizações e licitações, onde dinheiro público é colocado à disposição de enriquecimento individual, sempre vai gerar corrupção. O próprio sistema político também corrompe, já que os mandatos trazem muito poder e recursos para indivíduos. Cada parlamentar pode virar um polo de poder, com interesses próprios, como o sistema é hoje. O mesmo vale para o judiciário, já que juízes também representam um poder, com o agravante que eles não têm que se reeleger regularmente.
Vemos, portanto, diferentes setores do Estado capitalista entrando em conflito entre si em busca de uma saída para a crise. Esses setores refletem diferentes interesses e diferentes visões de como reformar, ou não reformar, o sistema. Mas uma coisa eles têm em comum, mesmo entre aqueles que não têm nenhuma noção de como resolver a crise, que é a certeza que deve ser a classe trabalhadora que irá pagar a conta.
Construir uma saída pela esquerda
Hoje já temos um endurecimento do regime, com brutais ataques aos parcos direitos conquistados desde o fim da ditadura e mais repressão contra movimentos e protestos. Com um agravamento da crise política, por exemplo, se Temer cair, é possível que alternativas ainda mais autoritárias, um populismo de direita com mão de ferro, ganhe mais espaço. Especialmente em um cenário de continuidade da crise econômica e a falta de uma alternativa de esquerda consequente de massas. Algo que combina um Trump dos EUA com Putin da Rússia e Erdogan da Turquia, ou o recente eleito presidente das Filipinas, Duterte. Não podemos apostar que o judiciário estará no nosso lado em uma situação como essa, como o exemplo desses países mostram.
O caminho de combater essa saída pela direita é construir uma saída pela esquerda. Diferentemente da Rússia e Turquia, a classe trabalhadora no Brasil não passou por grandes derrotas que abriu caminho para esses regimes autoritários. Ainda temos uma resistência viva em forma de importantes lutas: as ocupações, greves, lutas contra cortes e ataques, além de ter um espaço importante na política para o PSOL. Mas ainda são lutas fragmentadas e que não têm uma expressão política de massas. Esse é o nosso desafio.
A saída pela esquerda passa, portanto, pela unificação das lutas contra os ataques. Para isso é necessário a construção de uma greve geral pela base, já que não podemos deixar essa tarefa com as direções burocratizadas das grandes centrais. Um passo importante seria a construção de um encontro nacional para organizar e coordenar a luta, incluindo a construção de uma greve geral.
A saída passa também por uma alternativa política. A nossa luta é pelo Fora Temer, mas também todo esse Congresso corrupto. Defendemos novas eleições gerais, para que o povo realmente decida. Mas precisamos ir além. Se o sistema político está se tornando imprestável para a própria classe dominante, esse é mais ainda o caso para o povo trabalhador. A reforma política votada por esse congresso não serve para nós, e tem como um de seus objetivos barrar o crescimento de uma verdadeira alternativa de esquerda. Novas eleições com as mesmas regras de hoje não traria a mudança necessária. Precisamos de uma assembleia constituinte exclusiva para refazer o sistema político, com representação dos movimentos sociais do país. Para disputar o poder, precisamos construir uma Frente de Esquerda Socialista, que una os partidos da verdadeira esquerda: PSOL, PCB e PSTU, com os movimentos sociais combativos, como MTST, CSP-Conlutas, Intersindical, etc.