Teses sobre América Latina

A reunião do Comitê Executivo Internacional do CIT, realizada entre  28/11 e 03/12, votou esse documento sobre a situação política na América Latina. Em breve publicaremos os outros documentos votados.
Depois de um período de relativa estabilidade política e crescimento econômico vinculado ao boom das commodities, a América Latina voltou a entrar em uma etapa de gravíssima crise econômica e de grandes turbulências sociais e políticas. O pano de fundo dessa nova etapa é o impacto mais agudo da crise internacional do capitalismo sobre o subcontinente. Isso se dá particularmente em decorrência da desaceleração chinesa, mas reflete também os limites estruturais do capitalismo dependente e periférico na região.

Ao mesmo tempo, há um esgotamento das alternativas políticas que, na última década e meia, capitalizaram a insatisfação popular com o neoliberalismo. A experiência dos governos autointitulados progressistas, de centro-esquerda ou mesmo bolivarianos, em vários países da região, atingiu o seu limite. Mesmo sendo muito diferentes entre si, como nos casos mais paradigmáticos do lulismo brasileiro e o chavismo venezuelano, nenhum deles rompeu com a dominação do capital. Por isso, não foram capazes de enfrentar suas próprias contradições, superar uma estrutura econômica primário-exportadora e fazer frente à gravíssima crise internacional.

A crise desses governos “progressistas” poderá abrir espaço para novas alternativas de esquerda capazes de aprender as lições de seus erros, limites e traições. É para isso que luta o CIT e suas seções latino-americanas. No entanto, como esse processo de reorganização da esquerda é ainda muito incipiente, a característica principal do momento atual na região é o recrudescimento de forças políticas de direita. É nesse cenário que teremos que lutar para recompor as forças do socialismo revolucionário.


Crise da centro-esquerda e giro à direita

Esse é o cenário em países chave da região. Em novembro de 2015, tivemos a eleição de Mauricio Macri à presidência na Argentina. Poucos dias depois (dezembro de 2015), na Venezuela, a oposição de direita conseguiu eleger uma ampla maioria na Assembleia Nacional o que levou o país a um grave impasse político. Em 2016 houve a ascensão de Michel Temer, munido de um programa neoliberal duro, à presidência do Brasil através de uma manobra parlamentar golpista que destituiu Dilma Rousseff do PT (Partido dos Trabalhadores) depois de 13 anos desse partido no poder. As eleições municipais de outubro desse ano no Brasil também foram marcadas por um crescimento dos partidos de direita junto com a debacle do PT.

Esse avanço da direita não se deu apenas através da derrota dos governos considerados “progressistas”, mas aconteceu no interior desses mesmos governos que já vinham, quase que invariavelmente, promovendo ou aprofundando um giro à direita em suas políticas. Esse giro à direita dos governos “progressistas” só serviu para aprofundar sua crise, confundir sua base social de apoio e abrir espaço para uma direita mais explícita e agressiva.

Na Argentina, por exemplo, o candidato presidencial apoiado por Cristina Kirchner, o empresário e ex-governador de Buenos Aires Daniel Scioli, já simbolizava um giro conservador do kirchnerismo, tornando sua derrota para o direitista Mauricio Macri ainda mais desmoralizante.

Ainda mais emblemático é o caso brasileiro. Dilma Rousseff (PT) havia sido reeleita em 2014 com um discurso alertando para os riscos de um neoliberalismo duro caso seu adversário do PSDB, Aécio Neves, vencesse as eleições. Porém, depois de reeleita, Dilma assumiu na prática o programa neoliberal de seu adversário promovendo um duro ajuste fiscal, privatizações e retirada de direitos sociais e trabalhistas. O descrédito e repúdio popular que sofreu abriu caminho para o colapso do governo e facilitou as manobras golpistas da direita.


Desgaste dos governos “bolivarianos” na Bolívia e Equador

No caso da Bolívia, esse processo ainda está em curso e já provocou a primeira derrota eleitoral de Evo Morales desde que chegou ao poder em 2006. Morales foi derrotado no referendo realizado em fevereiro que lhe daria a chance de disputar uma nova reeleição. Depois da extrema polarização social e política da primeira década do século, com as “guerras” da água e do gás e o confronto aberto com a direita reacionária da região da “media luna” (oriente boliviano), Evo Morales achou que esvaziaria toda oposição de direita oferecendo concessões e incorporando parte desses setores ao seu partido e governo.

Ao seguir esse rumo, o governo de Evo Morales enfrentou forte resistência operária, popular e indígena contra medidas como o aumento do preço dos combustíveis (2010) ou a tentativa de construção de uma rodovia cortando o território indígena de TIPNIS para atender a demanda dos latifundiários do oriente boliviano (2011). Em 2013 foi o movimento operário que protagonizou uma luta contra a nova Lei de Pensões apresentada pelo governo, incluindo uma greve geral convocada pela COB.

O governo conseguiu impor uma derrota aos trabalhadores e ainda por cima desmantelou o projeto de formação de um Partido de Trabalhadores a partir da COB. Esmagando potenciais concorrentes pela esquerda, Morales faz com que somente a direita capitalize com a insatisfação em relação a seu governo. Sua derrota no referendo abre uma incógnita em relação ao futuro do MAS boliviano. A seu favor, só existe o fato de que a crise ainda não atingiu dimensões tão grandes na Bolívia quanto em outros países e a oposição de direita ainda é débil e fragmentada. Mas, ambos os fatores devem ser revertidos no próximo período.

Um processo parecido se deu no Equador. O presidente Rafael Correa, que ascendeu ao poder depois de um grande movimento de massas e a derrubada de dois presidentes, hoje se confronta e perde apoio entre setores organizados dos trabalhadores e das populações indígenas. Os movimentos indígenas organizadas pela CONAIE, além de outros movimentos sociais, já romperam com o governo há tempos.

Mais recentemente, a decisão do governo de atacar e na prática dissolver a União Nacional de Educadores, cassando o registro legal da entidade sindical, provocou mais repúdio por parte do movimento sindical em relação ao governo. Correa já declarou que não disputará uma nova reeleição no pleito de fevereiro de 2017 e, depois de dez anos no poder, existem riscos para a manutenção de sua aliança política no governo depois de dez anos.


Pseudo-esquerda no Peru e Nicarágua

No auge do prestigio do chavismo venezuelano, alguns setores se aproximaram desse modelo “bolivariano” na busca pelo poder político em seus países. Em alguns casos, porém, essas alternativas já nasceram deformadas, abrindo caminho para um retorno da direita, como no caso do Peru, ou girando elas mesmas à direita, como no caso da Nicarágua.

No Peru, a direita neoliberal reacionária retornou ao poder em 2016, depois de uma experiência malsucedida de governo identificado com uma variante de centro-esquerda nacionalista. O ex-militar do Partido Nacionalista Ollanta Humala foi eleito presidente da república em 2011 com a expectativa de que seria uma espécie de Hugo Chávez peruano. No governo, porém, adotou uma política muito mais moderada – mais próxima do modelo Lulista do que do Chavismo – e seguiu atendendo os interesses das grandes mineradoras e do grande capital.

O resultado foi que Humala perdeu apoio popular e abriu caminho para uma contraofensiva da direita. O presidente peruano acabou não apoiando nenhum candidato à sua sucessão. Uma candidatura mais alinhada com a esquerda ficou em terceiro lugar e o segundo turno das eleições presidenciais, realizado em junho, acabou se dando entre dois candidatos da direita neoliberal, a filha do ditador Alberto Fujimori, Keiko Fujimori e o ex-banqueiro e homem do grande capital financeiro Pedro Pablo Kuczynski, com a vitória deste último.

Na Nicarágua, o Sandinismo que retornou ao poder desde 2007 é apenas uma caricatura deformada e degenerada da velha FSLN que dirigiu a revolução de 1979. Daniel Ortega acaba de vencer sua terceira eleição presidencial no dia 6 de novembro. Porém, Ortega disputou praticamente sozinho, depois da essa vitória está marcada por um claro abuso autoritário do poder por parte de Ortega contra qualquer oposição, seja de direita ou de esquerda.

Ortega não vacilou em usar medidas autoritárias para barrar qualquer oposição, mas isso não significa que esse endurecimento seja para aplicar políticas de esquerda contra a burguesia local e o imperialismo. Todo o contrário. Apesar de seu alinhamento internacional com os governos “bolivarianos” e frequentes escaramuças com os EUA, a marca da gestão Ortega é o conservadorismo, a aliança com os empresários e velhas oligarquias locais e o abandono de qualquer programa minimamente de esquerda.


Chile: Bachelet prepara o caminho para o retorno da direita pinochetista?

O Chile já passou por uma experiência de um governo da direita, de origem pinochetista, com Sebastián Piñera, que governou entre 2010 e 2014. Piñera foi eleito sobre a base do desgaste do primeiro governo de Michelle Bachelet do Partido Socialista e da Concertación, coligação que governou o Chile desde a retirada de Pinochet sempre com políticas conservadoras e neoliberais.

Bachelet teve que assumir um perfil ligeiramente mais à esquerda para vencer novamente as eleições e retornar ao governo em 2014, dessa vez como parte da Nova Maioria que incorporava o apoio do Partido Comunista. Seu governo, porém, continuou uma linha moderada, com pequenas mudanças cosméticas que não atendem as principais demandas populares como no caso da educação pública, previdência social, etc.

Uma das marcas da conjuntura chilena é a insatisfação popular que tem se manifestado em ações de luta de massas, como no caso da campanha No + AFB, com intensa participação da seção do CIT e as lutas da juventude pelo direito à educação pública.

O desgaste de Bachelet levou a um resultado desfavorável nas eleições municipais desse ano e um horizonte nebuloso para as eleições presidenciais de 2017. Não se pode descartar um retorno da direita mais explícita ao poder.


Honduras e Paraguai: antecedentes de golpes institucionais

A experiência dos golpes institucionais promovidos em Honduras e Paraguai, embora tendo sido experiências isoladas em pequenos países, não deixa de ser importante para entender uma dinâmica que pode ser utilizada pelas classes dominantes locais e o imperialismo em sua luta para garantir governos plenamente afinados aos seus interesses.

Em Honduras, no ano de 2009, uma manobra do Congresso Nacional e do Poder Judiciário, em meio à decretação do estado de sítio, destituiu o presidente eleito Manuel Zelaya para evitar que seu governo iniciasse um processo de consulta popular sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte nas linhas do que já havia sido feito em países como Venezuela, Bolívia e Equador.

A derrubada de Zelaya abriu caminho para mais conflitos sociais, porém a direita neoliberal mais dura, aliada do imperialismo, conseguiu impor sua política. Um governo conservador encabeçado por Porfirio Lobo foi constituído a partir de eleições que, em um primeiro momento, não foram reconhecidas pela maior parte dos organismos internacionais e demais países da América Latina e Europa, mas que posteriormente acabou se consolidando.

O outro caso de golpe institucional se deu no Paraguai em 2012, quando o presidente eleito Fernando Lugo, um ex-bispo católico de centro-esquerda, apesar de adotar uma política muito moderada, foi destituído de seu cargo em um processo de impeachment totalmente arbitrário. O processo encaminhado pelo parlamento durou apenas 48 horas e usou como justificativa oficial para a destituição de Lugo o “fraco desempenho de suas funções”.

Tanto no caso de Honduras como do Paraguai, os golpes institucionais abriram caminho para medidas repressivas e políticas neoliberais mais duras. Mas, foram processos que buscaram manter uma aparência de normalidade democrática. Essas experiências foram úteis para a classe dominante, a direita e o imperialismo no caso brasileiro e podem ainda servir para outros países.


O fim do ciclo lulista/petista no Brasil

Dilma Rousseff foi afastada temporariamente do cargo de presidente do Brasil em 12 de maio de 2016, depois que o Senado votou pela aceitação da admissibilidade do processo de impeachment. A mesma votação já havia sido feita, com ampla margem favorável, pela Câmara dos Deputados em 17 de abril. O afastamento definitivo da presidente se deu em votação do plenário do Senado em 31 de agosto. A queda de Dilma Rousseff marca o esgotamento do ciclo do PT no governo iniciado com a eleição de Lula em 2002 e seu projeto de pacto social e conciliação de classes.

A opção pela derrubada de Dilma não foi adotada de forma imediata dentro da própria classe dominante e dos partidos de direita. A opção preferencial era a de pressionar o PT a fazer o trabalho sujo do ajuste econômico antipopular e, por fim, retirá-lo do governo de forma menos tumultuada nas eleições de 2018. Um ano antes de seu afastamento definitivo, os principais órgãos de imprensa do país, assim como os principais banqueiros e associações empresariais, anunciaram publicamente posição contrária ao impeachment de Dilma. Porém, o agravamento da crise política e econômica acabou por exigir saídas mais extremas.

De fato, Dilma havia jogado na cesta do lixo sua retórica “antineoliberal” da campanha e, imediatamente após sua reeleição em outubro de 2014, fez todo o possível para provar à classe dominante seu compromisso com as contrarreformas e o ajuste fiscal. O governo do PT em 2015 aprofundou a recessão, elevou juros, cortou gastos, intensificou as privatizações e apresentou ao Congresso uma séria de propostas de contrarreformas nas áreas trabalhista, fiscal, previdenciária. Além disso, passou a negociar e apoiar um projeto feito pelo PSDB (principal partido da oposição de direita) no Senado que abria a exploração do petróleo pré-sal para as companhias privadas.

Mas, não foi suficiente. Quanto mais aderia ao programa de seus opositores de direita, mais Dilma perdia base de apoio popular sem necessariamente garantir o apoio da classe dominante ou a condescendência da oposição de direita. No final das contas, Dilma não tinha força sequer para aplicar o plano de ajuste que o empresariado, banqueiros e a direita neoliberal tanto queriam. A força do fenômeno do Lulismo no poder baseou-se exatamente na capacidade de aplicar medidas em favor do grande capital, recebendo seu apoio entusiasmado em muitos momentos, e ao mesmo tempo conter as camadas mais pobres e com algumas concessões. A gravidade da crise econômica impediu que essa política se mantivesse.

Os escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras e o financiamento de campanhas eleitorais para praticamente todos os partidos da ordem (incluindo o PMDB do vice-presidente Michel Temer e o próprio PSDB) foram habilmente manipulados, com um papel protagonista dos juízes e procuradores da chamada Operação “Lava Jato”, para incriminar centralmente o PT.

Derrubar Dilma acabou se tornando a única forma de aplicar os ajustes e contrarreformas a fundo e, ainda por cima, criar um novo ambiente político capaz de conter a Operação “Lava Jato” e seu potencial de desestabilização política sobre todos os partidos burgueses e o próprio regime político. A grande vantagem da manobra golpista do impeachment foi a de evitar que a burguesia tivesse que submeter seu programa de ataques e suas manobras para salvar os corruptos dos demais partidos a uma consulta popular através de eleições.

Houve resistência organizada e massiva contra a conspiração golpista do vice-presidente Temer e dos líderes do Congresso, incluindo manifestações com centenas de milhares que não eram movidos em sua maioria pela defesa do governo, mas sim pela denúncia do golpe em curso. Porém, a direção desse movimento sempre esteva nas mãos do PT e seus aliados que foram absolutamente incapazes de conduzir esse movimento à vitória. Alguns insistiam em defender um governo indefensável como o de Dilma. Outros já haviam capitulado e olhavam para as eleições de 2018, com um retorno de Lula como candidato, como única saída possível.

A única possibilidade de que o movimento contra o golpe fosse vitorioso seria se assumisse uma clara independência em relação ao governo Dilma, levantando um programa claramente contra o ajuste neoliberal e em defesa de novas eleições. Não havia bases mínimas para que Dilma permanecesse no poder e a escolha era entre a farsa do impeachment ou uma consulta popular massiva que colocaria obstáculos aos planos de ajuste contrarreformas. Essas bandeiras, o PT e seus aliados não poderiam levantar e uma nova esquerda alternativa em ascensão (o PSOL e movimentos sociais combativos) ainda não tinham condições (e, em alguns aspectos, clareza política) para impulsionar com a força necessária.

O mesmo se coloca na luta contra o governo ilegítimo de Michel Temer. Mesmo sendo um governo impopular, há um enorme descrédito em relação ao sistema político. Mesmo a palavra de ordem de “Fora Temer”, que tem a simpatia de ampla maioria da população, só vai se transformar em uma bandeira de luta efetiva se estiver vinculada à luta contra os duros ataques do novo governo, ataques que serão sentido na carne pelos trabalhadores, trabalhadoras e a juventude.

Nessa luta, o CIT no Brasil deve defender a mais ampla unidade de ação contra os ataques do governo ilegítimo de Temer e dos governos estaduais e municipais. Ao mesmo tempo, nesse processo de resistência, é fundamental que se construa uma alternativa de esquerda ao PT e seus aliados do campo Lulista. O projeto de conciliação de classes do PT é o responsável pelos retrocessos atuais para a classe trabalhadora e somente uma nova esquerda socialista de massas poderá conduzir a luta à vitória e oferecer uma alternativa política da classe trabalhadora para o país.


Venezuela na encruzilhada

Durantes anos, no campo da esquerda, houve certa concorrência entre os modelos do Lulismo no Brasil e o Chavismo venezuelano. O Chavismo foi levado a radicalizar-se principalmente devido à resistência oferecida pelo imperialismo e a burguesia local, como no caso do golpe de 2002, que foi derrotado pela força das massas. Com isso, apesar de falta de um programa e estratégia socialistas consequentes, inspirou e motivou toda uma parcela da classe trabalhadora e do povo. No caso do Lulismo, a orientação era oposta, na direção da conciliação de classes e da acomodação ao sistema.

Apesar das diferenças, ambos os modelos entraram em profunda crise, cada um a sua maneira, e isso coloca na ordem do dia a necessidade de uma nova alternativa política da esquerda socialista e revolucionária.

A Venezuela vive a mais grave crise econômica de sua história. No ano de 2016, o país enfrentará seu terceiro ano seguido de queda no PIB, atingindo 8% negativos segundo projeção da CEPAL. A escassez de bens e serviços é generalizada e a inflação explodiu. O custo da cesta básica cresceu 457,5% de setembro de 2015 e mesmo mês de 2016 e são necessários em torno de 24 salários-mínimos para comprá-la. As condições de vida pioraram e são comparáveis a zonas de conflito. A mortalidade infantil no primeiro ano de vida chegou a 18,6 por mil nascimentos, enquanto na Síria conflagrada esse índice é de 15,4 por mil.

Um fator fundamental para esse cenário é a crise internacional e o fim do boom das commodities e do preço do petróleo em particular. Depois de 17 anos no poder, o chavismo conseguiu garantir uma distribuição mais justa da renda do petróleo no seu auge dos preços do barril, mas não foi capaz de reverter a base primário-exportadora da economia venezuelana. A total dependência do petróleo até para que se possam importar alimentos e bens básicos está na base da crise de escassez e insatisfação generalizada entre a população.

Junto com isso, existe a postura consciente e deliberada da burguesia venezuelana no sentido de forçar uma mudança política no país segundo seus interesses de classe. As estratégias do imperialismo e da burguesia venezuelana sempre oscilaram entre uma postura abertamente golpista, como aquela que predominou no golpe de 2002, e uma estratégia de poder por dentro da institucionalidade, ainda que sem nunca deixar de apostar no confronto como forma de pressão.

Assim como no Brasil, a classe dominante venezuelana precisa de uma mudança política para que possa construir uma saída para a crise que coloque todo seu peso sobre as costas dos trabalhadores promovendo um tremendo retrocesso nas conquistas das lutas sociais dos últimos anos. Para isso vai usar os espaços institucionais disponíveis, mas não vai abrir mão da violência ou descartar rupturas institucionais como já fez antes.

Por um lado, diante do avanço da direita, o governo de Maduro, ao contrário do que fez Dilma, está disposto a apelar para métodos de enfrentamento direto como no caso da suspensão da coleta de assinaturas promovida pela direita para um referendo revogatório. No entanto, a postura principal do governo nesse momento, da mesma forma que aconteceu com Dilma, é a de promover concessões à burguesia e à direita.

As negociações em curso entre o governo Maduro e a oposição de direita representada pelo MUD (Mesa de Unidade Democrática), intermediadas pelo Papa Francisco, não podem oferecer qualquer perspectiva de solução do ponto de vista dos trabalhadores. O resultado só pode ser favorável à direita e ao grande capital. Afinal, dentro do capitalismo somente um ajuste duro que penalize os trabalhadores pode oferecer alguma saída.

Hoje na Venezuela de Maduro e do PSUV quase todo o ingresso de dólares no país vai diretamente para o pagamento da dívida externa. Para alimentos e remédios ficam apenas as migalhas que sobram. Não há saída para a crise econômica na Venezuela sem o enfrentamento dos interesses do grande capital. A suspensão do pagamento da dívida externa é a medida inicial para a reconstrução do país do ponto de vista da maioria de sua população, da classe trabalhadora. A estatização dos setores chaves da economia, porém com o estabelecimento do controle e gestão democráticos por parte dos trabalhadores, é um caminho inescapável para uma saída anticapitalista e socialista para a crise.

Maduro, porém, não aponta nessa direção. O impasse da situação venezuelana pode criar as condições para uma ruptura institucional regressiva. A direita geneticamente golpista pode apontar nessa direção, mas mesmo o atual governo pode ser levado a uma medida de força para manter-se no poder sem que isso represente um aprofundamento do processo revolucionário numa direção anticapitalista. Na verdade, pode apontar no caminho oposto.

É tarefa central dos socialistas revolucionários consequentes na Venezuela hoje buscar construir um polo de esquerda alternativo à burocracia que dirige o campo chavista. Isso só pode se dar na luta contra a direita, mas também se colocando claramente do lado dos trabalhadores quando se enfrentam com o governo Maduro.


Os limites da nova direita

Apesar dos avanços da direita, ainda assim, nenhum dos novos governos, nem mesmo os resultantes de golpes institucionais, avançou na direção de estabelecer regimes autoritários ou ditaduras como aconteceu nos anos 1960/70. Não existe uma correlação de forças sociais e políticas que permita isso uma vez que não estamos diante de uma grande derrota histórica imposta à classe trabalhadora. Até agora, esses governos nem mesmo foram capazes de construir uma base política e social comparável à que a direita teve no auge do neoliberalismo latino-americano nos anos 1990.

Nos anos 1990, governos como o de Cardoso (Brasil), Menem (Argentina), Fujimori (Peru), Gonzalo Sanchez de Lozada (Bolívia) e outros, conseguiram privatizar, desregulamentar, desnacionalizar e promover contrarreformas neoliberais profundas e estruturais. Para isso, combinaram a repressão ao movimento operário e popular com uma política de convencimento relativamente eficaz que foi possível no contexto da época e resultante da ofensiva ideológica, política e econômica (além de militar) da direita neoliberal logo após o colapso dos regimes stalinistas na URSS e Leste Europeu. Era o auge das ilusões no mercado e da absoluta desconfiança em relação às alternativas ao capitalismo representadas pelo stalinismo.

Além disso, alguns desses governos conseguiram ganhar apoio popular a partir de planos econômicos que barraram a espiral hiperinflacionária que atingia duramente os mais pobres em muitos países. Apesar de seu caráter nefasto, o Plano Real no Brasil ou o Plano Cavallo na Argentina, por um período, gozaram de aceitação popular, o que, de alguma forma, criava uma base social favorável às políticas neoliberais.

A situação atual é completamente diferente. A marca da situação mundial não é a vitória do capitalismo, mas exatamente o oposto. As marcas da crise de 2008 ainda estão presentes na vida concreta e na mente de milhões de trabalhadores. Se, por um lado, é verdade que há uma rejeição às forças políticas que encabeçaram os governos de centro-esquerda, é verdade também que isso não significa nenhuma nostalgia em relação aos velhos governos neoliberais. Não existem bases para que nenhum governo da direita consiga apoio popular efetivo com base em sua agenda de privatizações, cortes, retirada de direitos e contrarreformas. Nos marcos da crise, não há como a direita oferecer concessões econômicas e sociais que atendam as demandas populares. Na verdade, o que teremos é o exato oposto disso.

Com relação a isso, o caso do Brasil é mais uma vez emblemático. O fato de o presidente ilegítimo Michel Temer ter se comprometido a não se candidatar em 2018 e, portanto, não ter como sua preocupação principal obter popularidade, tornou-se seu principal trunfo diante das demandas do grande capital. Trata-se de um governo profundamente impopular, mas que não está preocupado em ganhar popularidade. Por isso, pode aplicar a fundo medidas duríssimas de ataque contra os trabalhadores, como já vem fazendo. Essa é sua vantagem em relação à Dilma Rousseff (que, de alguma forma, tinha que prestar contas a sua base social) ou mesmo em relação a alternativas burguesas que tivessem que se submeter ao crivo do voto popular.

Isso indica que o componente bonapartista e repressivo desses governos deve se acentuar no próximo período e já há sinais claros disso. No Brasil, um novo aparato repressivo coordenado nacionalmente e uma nova legislação de exceção criada nos governos do PT com a justificativa da Copa do Mundo e das Olimpíadas, incluindo uma lei antiterrorismo, já começa a ser utilizada contra os movimentos sociais.

Ao mesmo tempo, tanto as medidas impopulares adotadas como os próprios mecanismos de repressão tendem a provocar ainda mais reação popular, lutas e resistência. Afinal, até agora, apesar dos reveses não houve nenhuma grande derrota histórica para a classe trabalhadora e a luta segue.

As forças políticas e governos de direita poderão continuar a usar a retórica de combate à corrupção para atacar a “esquerda” e propagandear a ideia de que tudo o que é estatal é corrupto, etc. Podem ganhar alguma base de apoio nas classes médias e na pequena burguesia. Ainda assim, não poderão tomar medidas efetivas no campo da corrupção porque estão tão atolados nesse pântano quanto seus antecessores dos governos de centro-esquerda.

No fundo, a própria direita teme perder o controle sobre as investigações de corrupção e ver o tiro sair pela culatra.  Na Argentina, por exemplo, apesar de todo o cerco a Cristina Kirchner por meio das acusações de corrupção, o próprio presidente Macri não explicou convincentemente as manobras fraudulentas através das empresas off shore que montou para sonegar impostos.

No Brasil não há nenhuma garantia de que a Operação “Lava Jato” poupe a alta cúpula de o governo Temer e do Congresso Nacional, todos eles envolvidos até o pescoço nos esquemas corruptos. É por isso que, sob a aparência de tentar endurecer a legislação contra a corrupção, tentam aprovar no Congresso novas leis que anistiem os corruptos. Se isso não der certo, não são poucos os que articulam uma saída extrema caso Temer perca sua base de sustentação em função do envolvimento com os esquemas corruptos e da reação popular a suas contrarreformas. No caso de impedimento de Temer, um novo presidente seria eleito indiretamente pelo Congresso, o que daria condições da classe dominante apresentar um nome supostamente “técnico” e não “político”. Aliás, é sob essa máscara de “gestores técnicos” que muitos dos políticos de direita tem se apresentado, como no próprio caso de Macri na Argentina ou, mais recentemente, o novo prefeito eleito da maior cidade brasileira, João Doria Jr.

Ideias e concepções de tipo neoliberal podem ter ganhado alguma força entre setores da classe média e outras camadas sociais, principalmente depois da falência dos modelos supostamente alternativos apresentados pelos governos “progressistas”. Mas, isso não significa uma nova base social sólida de apoio às contrarreformas em curso. Há muita margem para a resistência e reversão dessa situação. Evidentemente, as classes dominantes contam com a colaboração indireta das direções sindicais e políticas da classe trabalhadora.


Resistência contra os ataques e a direita

Em toda América Latina existem lutas contra as políticas de austeridade aplicadas pelos governos como reação ao agravamento da crise internacional. O primeiro ano de Macri na presidência argentina, por exemplo, foi marcado por um ascenso das lutas sociais que, até certo ponto, impediu que o governo aplicasse plenamente seu projeto.

Foram mobilizações dos trabalhadores do setor público contra as demissões, muitas greves por setores e uma grande mobilização unitária do movimento sindical em abril denunciando os aumentos de tarifas e as demissões em massa. Uma greve geral só não aconteceu em função da capitulação da burocracia sindical nas negociações com o governo.

Michel Temer no Brasil teve que se enfrentar com manifestações massivas desde o seu primeiro dia na presidência. Foram muitas manifestações de rua e várias ondas de ocupações de prédios públicos (como os do ministério da cultura por todo o país) e escolas e universidades. Uma série de dias nacionais unificados de mobilização foram convocados pelas centrais sindicais, sendo a última delas no dia 11 de novembro, com paralisações de vários setores, bloqueios de rodovias e manifestações de rua. Há outra planejada para 25 de novembro que deveria servir de preparação para a convocação de uma greve geral no país.

Porém, depois de anos desmobilizando a luta quando o PT estava no governo, centrais sindicais outrora combativas, como no caso da CUT, hoje perderam seu poder de mobilização e estão extremamente burocratizadas e distantes de sua base social. Os movimentos mais importantes e vigorosos contra os ataques de Temer têm surgido por fora dessa estrutura sindical, como no caso das ocupações dos estudantes secundaristas e universitários. Nesse momento existem mais de mil escolas e universidades ocupadas por todo o país.

A gravidade da crise tem criado uma situação de tipo “Grécia” em algumas regiões do Brasil. No Rio de Janeiro, o governo estadual está buscando implementar uma política de cortes extremos, com redução salarial do funcionalismo e ataques aos aposentados. A resposta dos trabalhadores tende a se radicalizar. Até mesmo setores da polícia tem se mobilizado e já há casos de policiais da tropa de choque desobedecendo seu comando e recusando-se a reprimir manifestações de trabalhadores.

No Chile, vimos uma importante mobilização nacional contra os Fundos de Pensão e em defesa de uma previdência social pública. O México, por sua vez, é palco de uma verdadeira conflagração entre setores dos trabalhadores e o governo neoliberal de Peña Nieto. A luta dos professores mexicanos já resultou em mais de uma dezena de mortos comprovados e vários desaparecidos.

Um destaque especial deve ser dado à primavera feminista latino-americana. As mulheres trabalhadoras são as primeiras a sofrer com as medidas de austeridade e contrarreformas. Além disso, uma pauta conservadora tem sido levantada como parte da contraofensiva da direita em vários países. O movimento de mulheres tem assumido um protagonismo especial nas lutas em muitos países.

No Brasil, isso ficou claro na luta contra Temer e a cúpula corrupta do Congresso, incluindo o arqui-conservador Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados, e sua pauta conservadora e retrograda em relação aos direitos das mulheres. As mulheres tomaram as ruas e jogaram um papel central para a queda de Cunha, além de protagonizarem as ocupações de escolas e universidades.

Na Argentina, a resposta contundente e massiva das mulheres em relação ao aumento dos casos de feminicídio, desencadeada pelo estupro e assassinato de uma jovem de 16 anos, acabou alastrando-se por vários países da América Latina. O movimento “Ni una menos” ganhou força e chegou a organizar no dia 19 de outubro uma paralisação de mulheres trabalhadoras por uma hora, em vários locais de trabalho.


Colômbia e os acordos de paz

Na Colômbia, a vitória do Não no plebiscito sobre os termos do acordo de paz entre o governo de Juan Manuel Santos e as FARCs surpreendeu a muitos e faz parte desse conjunto de retrocessos que hoje afetam a América Latina. O resultado aumenta o peso político e a influência do ex-presidente direitista Álvaro Uribe, principal liderança da campanha pelo Não. Santos, porém, como principal figura da campanha pelo Sim, não representa qualquer alternativa efetiva a Uribe.

Santos é um representante mais moderado dos interesses da classe dominante e do imperialismo. Reflete os interesses do grande capital financeiro interessado em uma estabilização da situação política colombiana para garantir seus interesses econômicos. Uribe por sua parte reflete a ala mais truculenta do latifúndio e da burguesia mais reacionária.

Embora não existam dúvidas sobre a simpatia majoritária pela ideia de um acordo de paz que acabe com décadas de conflitos que provocaram milhares de mortes e milhões de refugiados, todo o processo de negociação se deu de costas para a população. Isso se refletiu no pequeno número de votantes. Apenas 37% dos eleitores compareceram às urnas, um número ainda mais baixo que a média histórica da Colômbia.

O fim de uma guerra civil sem qualquer perspectiva de vitória revolucionária progressista interessa aos trabalhadores e abriria caminho para uma luta efetiva com os métodos da classe trabalhadora. Os acordos de paz, porém, não representam nenhum ganho econômico e social para as massas. O governo de Santos continuará sua política neoliberal e terá que ser combatido nas ruas e locais de trabalho. O papel da esquerda e dos movimentos sociais na Colômbia é lutar por uma alternativa política consequente tanto em relação a Santos como a Uribe.


México: lutas e repressão

O México voltou a ser, desde 2012, governado pelo PRI, o tradicional partido hegemônico por mais de 70 anos, depois de um breve interregno de governos encabeçados pelo também direitista e neoliberal PAN, com Fox e Calderón. O atual presidente Peña Nieto governa em um dos cenários mais convulsionados de toda América Latina.

O México foi duramente afetado pela crise econômica internacional em seus anos iniciais, acompanhando o declínio da economia estadunidense. Nesse momento onde a marca é a desaceleração da economia chinesa e o fim do boom das commodities, o país não é o mais afetado em função de seus vínculos muito maiores com a economia do vizinho do norte. Ainda assim, a situação econômica e social do país é gravíssima e isso tem se refletido nas lutas sociais, sindicais e políticas.

A guerra contra o narcotráfico, desencadeada por Calderón e continuada por seu sucessor representou uma verdadeira guerra contra os pobres, provocou inúmeras violações dos direitos humanos, mais de 150 mil assassinatos e um pesadelo para milhões de famílias mexicanas. Mas, foi incapaz de combater os cartéis do narcotráfico e suas relações orgânicas com o próprio Estado mexicano. O surgimento de milícias populares para a autodefesa diante dos cartéis e dos próprios agentes corruptos do Estado foi reprimida pelo governo e muitos presos políticos ligados às organizações de autodefesa popular ainda estão nos cárceres mexicanos.

O massacre de Ayotzinapa (estado de Guerrero) em 2014, com o desaparecimento de 43 estudantes que se dirigiam a uma manifestação, provocou comoção nacional e colocou a nu o caráter extremamente repressivo do Estado mexicano em conluio com o crime organizado.  Outro exemplo é a repressão duríssima contra a luta dos professores mexicanos, organizados na CNTE, que realizaram uma importante greve contra uma reforma educativa regressiva e que durou vários meses. Em junho desse ano, em Nochixtlán (estado de Oaxaca), o estado é responsável pela morte de 11 pessoas em uma manifestação de professores, além de casos de desaparecidos e muitas prisões.

Com a degeneração do PRD, uma antiga cisão do PRI pela esquerda, seu ex-dirigente e ex-candidato presidencial impedido de chegar ao poder em razão das fraudes eleitorais, Lopes Obrador (conhecido por AMLO) lançou o novo partido MORENA. Com um perfil de esquerda, acabou sendo a única referência de disputa institucional por fora dos partidos neoliberais e oligárquicos e teve um importante crescimento nas eleições legislativas de 2015. Mas, o MORENA é muito mais um instrumento para as eleições do que para as lutas reais da classe trabalhadora e do povo e não jogou papel relevante nas principais lutas do país.

Em outubro desse ano, o EZLN e o Congresso Nacional Indígena (CNI) decidiram que vão fazer consultas a suas bases no sentido de apresentar uma candidatura de uma mulher indígena zapatista nas eleições presidenciais de 2018. Isso representa uma grande inflexão política progressiva na linha do EZLN que, em geral vinha adotando uma linha política abstencionista e focada apenas na defesa dos territórios que controlam no estado de Chiapas. Desse processo pode surgir um novo referencial político para amplos setores excluídos na sociedade mexicana.


Cuba e a retomada de relações com os EUA

Não há dúvida de que, junto com a debacle do Chavismo, um dos fatores que poderiam representar um grande retrocesso histórico para a esquerda latino-americana seria o avanço do processo de restauração capitalista em Cuba. Já identificamos antes que esse processo estava em curso, embora seja marcado por inúmeras contradições, limites e ziguezagues na política do regime encabeçado por Raul Castro.

Por trás do restabelecimento das relações diplomáticas com os EUA, mesmo que isso represente um avanço para o povo cubano, está uma estratégia do imperialismo no sentido de derrotar as conquistas da revolução por uma via indireta e muito mais eficiente do que os ataques diretos feitos anteriormente.

Embora as relações econômicas não tenham sido restabelecidas de forma plena, a tendência do governo Obama apontava no sentido do fim do embargo para que a restauração capitalista em Cuba fosse fomentada dessa forma. Ao mesmo tempo, os EUA disputam a influência sobre a ilha com seu rival chinês, da mesma forma que faz em outras partes da América latina e do mundo.

A eleição de Donald Trump à presidência dos EUA coloca interrogantes sobre o futuro desse processo de abertura diante de Cuba. Trump estará mais sensível do que Obama à pressão de setores reacionários existentes nos EUA contra a continuação dessa política. Deixou isso claro no final de sua campanha diante de uma base eleitoral anti-Castro em Miami. No entanto, as vantagens políticas e econômicas para os EUA estão bastante claras para os estrategistas do imperialismo. Mesmo dentro do Partido Republicano, Trump foi o único pré-candidato a não ser categórico em dizer que reverteria a política de Obama e romperia relações com Cuba. Ele chegou a declarar que se colocava no “meio do caminho” entre a postura do governo Obama e dos setores de seu partido que a rejeitavam.

Do ponto de vista do regime cubano, a situação não é muito diferente. As manobras militares de treinamento na ilha, logo após o anuncio do resultado eleitoral estadunidense não pode ser mal interpretada. Raul Castro foi um dos primeiros a enviar suas congratulações formais a Trump pela vitória. O regime vai continuar investindo nesse processo de abertura e retomada das relações. Ainda assim, dentro de Cuba deverá aumentar o receio e precauções, além da crítica mais aberta, às consequências desse processo.

Dentro de um processo cheio de contradições, a eleição de Trump coloca um ingrediente a mais no caminho que pode levar a um retorno do capitalismo de forma plena em Cuba. Mas, o único caminho efetivo para reverter o cenário de restauração capitalista e seus terríveis efeitos sociais e políticos é através da luta dos trabalhadores em defesa das conquistas da revolução. A luta dos trabalhadores de toda a América Latina contra o neoliberalismo, capitalismo e imperialismo também representam um fator decisivo para o futuro de Cuba.


Reorganização da esquerda latino-americana

Como consequência da crise dos modelos Lulista, Chavista e suas variantes no cenário latino-americano, há espaço para o surgimento de uma nova esquerda alternativa a esses modelos. Os resultados eleitorais e o crescimento do protagonismo político do PSOL no Brasil e da FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) na Argentina são exemplos disso.

Existem ainda outros processos que potencialmente podem avançar na direção de novas alternativas de esquerda. A possibilidade de uma candidatura indígena zapatista no México é outro exemplo.

No campo da luta direta, a experiência chilena da Coordenadora No + AFP tem assumido um papel importante da reorganização das lutas sindicais e populares e isso pode ter desdobramentos políticos no Chile. Há espaço para isso, como demonstraram alguns resultados eleitorais nas recentes eleições municipais.

A reorganização da esquerda socialista em países como a Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua terá que superar os métodos burocráticos e autoritários das atuais forças políticas governantes que, em sua crise, trabalham para impedir o surgimento de alternativas.

Esse processo de reorganização da esquerda e dos movimentos sociais só poderá avançar “a quente”, através das lutas e da resistência contra a contraofensiva burguesa e da direita.

Nesse novo cenário, as forças do CIT na América Latina têm duas tarefas centrais. Antes de tudo nosso papel é o de fortalecer a resistência contra os novos ataques aos direitos sociais, trabalhistas e democráticos que já estão sendo aplicados, sempre buscando oferecer a melhor estratégia para essa luta de vida ou morte para milhões de trabalhadores, jovens, mulheres, negros e negras, indígenas e todos os explorados e oprimidos.

Ao mesmo tempo, é central que, nesse processo de lutas, trabalhemos para recompor uma esquerda socialista capaz de aprender com os erros, limites e mesmo traições das forças politicas que governaram muitos países na região.

 

CIT

Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores