Encontro LGBT da População de Rua: vidas reais, lutas reais

Nos dias 21 e 22 de junho, apenas dez dias após a chacina em uma boate LGBT em Orlando-EUA e quatro dias após o ato-vigília em homenagem às suas vítimas, ocorreu o encontro LGBT da População de Rua em Natal, com debates extremamente necessários ao conjunto do movimento LGBT e à sua integração com a luta da classe trabalhadora.

O acirramento da crise econômica, das medidas de ajuste fiscal e severos ataques aos direitos dos trabalhadores implicam em um agravamento real das condições de vida das camadas oprimidas da sociedade, especialmente mulheres, pessoas negras e LGBTs moradoras das periferias. A violência física e psicológica nos âmbitos institucional e privado, a exclusão das escolas e do mercado de trabalho, um sistema de saúde sucateado e desumanizador são realidades que, ao mesmo tempo, empurram essas pessoas para a situação de rua e atingem essa população com especial crueldade.

Os ataques específicos à população LGBT exigem do movimento uma organização mais voltada à intervenção na realidade. O governo interino de Temer empossou um ministério completamente branco, masculino e heteronormativo e extinguiu a Secretaria de Direitos Humanos, Mulheres e Igualdade Racial. Mas, mesmo antes disso, questões como a retirada do kit anti-homofobia e as alarmantes estatísticas de violência anti-LGBT já se agravavam durante o governo Dilma.

No último período tivemos o parlamento mais conservador desde a ditadura afirmando, nas três esferas, que não poderíamos ter um Plano de Educação que contemplasse iniciativas de debate e inclusão da diversidade sexual e de gênero na educação pública.

Luta sobre os PNEs

A mobilização em torno da votação da supressão da discussão de gênero dos Planos Municipais de Educação em todo canto do país gerou em Natal um salto na articulação entre as entidades não-governamentais que atuam nessa pauta com os movimentos sociais de esquerda; algo que se repetiu no ato “Orlando é aqui”, em solidariedade classista e politizada às vítimas do terror e ódio nos EUA.

O I Encontro LGBT da População de Rua veio para traduzir o que essas e outras movimentações incipientes já apontavam: a necessária e urgente a construção de um programa LGBT classista para concretizar uma alternativa de esquerda que dialogue com, e de fato represente, a classe trabalhadora.

Protagonizado pela população de rua

O espaço conseguiu superar em grande medida as maiores limitações impostas ao movimento LGBT: a restrição do debate ao viés mais academicista das políticas identitárias e o consequente isolamento das lutas a uma camada mais privilegiada das comunidades que compõem a sigla. Isso porque, apesar de contar com a parceria do Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CRDH/UFRN) e da intervenção de diversas entidades não-governamentais, de setores da academia e do movimento estudantil universitário, o encontro foi organizado, dirigido e protagonizado pela população de rua LGBT da Natal.

Sabe-se que 40% dos assassinatos de pessoas trans no mundo são cometidos no Brasil, e que uma pessoa LGBT é morta diariamente no país essencialmente por ser quem é. No entanto, quase nunca esse dado é seguido ou precedido da reflexão de como estamos falando também de um contingente de jovens e adultos que estão vulneráveis a essas violências porque estão em situação de rua – o que em si já pode ser resultado de uma primeira violência LGBTfóbica: a expulsão de casa, da escola e do mercado de trabalho.

Em nenhum momento durante o encontro – em sua primeira edição não só em Natal, mas nacionalmente – isso pôde ser esquecido. Ao final, os lutadores e lutadoras do Núcleo RN do Movimento Nacional da População de Rua fundaram seu setorial LGBT e seu setorial de mulheres, e formularam uma síntese a ser levada ao Encontro Nacional da População de Rua em Brasília, exercitando a auto-organização como ferramenta de proteção, formação e formulação política. Uma vitória sem tamanho para o movimento, uma lição urgente para a esquerda.

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