29 de janeiro: por uma visibilidade trans* socialista.
Falar de pessoas trans é falar de vidas precárias. Precárias em todos os sentidos: afetivo, sexual, econômico, espiritual, intelectual. Afetivo, porque ainda somos, majoritariamente, expulsas de casa muito cedo, exiladas do convívio familiar da comunidade, e negadas à afetividade de relacionamentos românticos. Sexual porque segundo a ANTRA 95% das travestis ainda figuram como trabalhadoras sexuais. Econômico porque as chances conseguir emprego – qualquer um que seja – são ínfimas, algo que leva à questão anterior. Espiritual porque a população trans* (e LGBT no geral) ainda é excluída das religiosidades através de discursos cada vez mais fundamentalistas, homofóbicos e transfóbicos. E, por fim, intelectual, porque uma parcela muito pequena de nós consegue completar o ensino básico e uma parcela menor ainda consegue acessar o ensino superior.
Felizmente, graças a algumas iniciativas auto-organizadas que visam inserir as pessoas no ensino superior, esse quadro parece estar mudando. Contudo, o transfeminicídio (assassinato de mulheres trans* e travestis) continua contabilizando cada vez mais vítimas, muito provavelmente porque as organizações trans* têm levado à sério o mapeamento da violência, ao contrário das ONGs gays liberais institucionalizadas. Segundo os dados do Transgrupo Marcela Prado, somente em janeiro, mais de 50 travestis foram assassinadas no Brasil. Há uma grande subnotificação dos casos e precisamos “ler as entrelinhas”, já que a maior parte das notificações registra com nome civil e no “sexo” masculino, o que revela que a violência – física ou simbólica – começa antes, durante e após os assassinatos dessas pessoas trans*.
Nesse dia da visibilidade trans* quero chamar atenção da esquerda socialista. Estivemos por muito tempo à margem de todos os movimentos, seja o LGBT liberal ou da esquerda socialista. Existem poucas iniciativas para as pessoas trans* que nem o “luxo” de ser trabalhadoras tem. Nem ao capitalismo interessa extrair nossa força de trabalho, porque não servimos nem para isso. E se no capitalismo já é difícil sobreviver tendo emprego, imagine sem. Sobrevivemos (parcamente), é verdade, mas graças à ginástica econômica que fazemos com pouco ou nenhum auxílio do estado que, pelo contrário, trabalha para nosso extermínio ou patologização através de suas instituições (como a polícia e as políticas de saúde pública).
Os anos que um governo outrora de esquerda passou no poder fizeram pouco ou nada pela população trans*. Os dados da ANTRA são a prova cabal que a inserção das pessoas trans* no mercado formal de trabalho é inexistente. No entanto, na esquerda pouco se fala e se faz pela nossa condição. A população trans* segue como uma das mais precarizadas nesse sistema, uma das mais destituídas de humanidade. Precisamos urgentemente unir a luta àquela dos sindicatos, dos partidos socialistas, da esquerda revolucionária, e para isso precisamos de visibilidade, de fortalecimento – precisamos, sobretudo, sermos ouvidas.