Tomar as ruas! Barrar o acordão!

A faísca que acendeu o rastilho de pólvora foi quase acidental. Contra a parede, Roberto Jéfferson decidiu que não cairia sozinho. Réu confesso, apostou que a gravidade dos crimes dos outros (Zé Dirceu em particular) até serviria para colocar na sombra os seus próprios. A dose certa de nitroglicerina estouraria alguns miolos, mas manteria o essencial: Lula, Palocci e a essência do sistema político e econômico. De quebra podia até posar de herói.

Mas, o regime é tão podre, sua base social é tão débil e as teias da corrupção tão difusas que a coisa escapou ao controle. A crise do governo transformou-se numa séria crise do conjunto das instituições políticas brasileiras.

Envolvidos até o pescoço estão os principais partidos do país. Os esquemas corruptos de financiamento de campanhas, suborno de parlamentares, desvio de recursos públicos e relações corruptas com grandes empresas comprovadamente envolveram altos dirigentes do PT, PL, PTB, PMDB, PSDB, PFL e outras legendas de menor expressão. O presidente do PT caiu e o do PSDB está a ponto de cair em razão do envolvimento nos esquemas corruptos.

No Congresso Nacional não parece ser difícil ver chegar à casa das centenas o número de deputados e senadores envolvidos nos esquemas corruptos. Entre os tradicionais 300 picaretas vemos agora uma boa parcela com estrelinhas na lapela.

Quanto ao governo federal não resta qualquer dúvida do papel de José Dirceu e Gushiken. Mas, é de Lula que se trata. Nem mesmo os gestos teatrais de Roberto Jéfferson (“Lula é um homem honrado”, acusou o deputado do PTB) ou a tentativa de blindagem tentada por amplos setores, pode esconder que o presidente da República não tem como ser inocente nessa história toda.

Enroscados também estão a direção de grandes empresas estatais (Correios, Furnas, Petrobrás, etc), os grandes Fundos de Pensão, empresas privatizadas (Usiminas, Teles, etc), grandes empresas privadas e bancos nacionais e estrangeiros e até alguns dos grandes órgãos da imprensa burguesa (Globo, Abril, Folha, etc).

Todas essas instituições e agentes sociais formam o universo que alguns simplesmente chamam de “elite”. Mais preciso seria chamar de classe dominante e sua representação política, institucional, ideológica, etc. E o PT é hoje parte fundamental desse universo, como o PSDB e PFL sempre foram. Essa crise é deles e do seu sistema.

Recomposição burguesa?

Desde o início da crise, PSDB e PFL queriam sangrar, mas não matar. Querem que Lula abra mão da reeleição ou que esteja bastante fraco na disputa de 2006. Não cogitam a queda do presidente antes da hora. Primeiro porque não querem o imprevisível José Alencar como presidente. Mas, também porque não querem qualquer elemento de ruptura mais profunda que crie instabilidade e afete a economia.

Por isso, hoje quase todos eles tentam estancar a hemorragia. Mas, não é tão fácil. PT, PSDB e PFL buscam encontrar bases mínimas para um acordão que preserve as instituições e a política econômica neoliberal, que é o que importa.

Mas, têm que fazer isso sem parecer que estão fazendo. Caso contrário agravam a própria crise, ameaçando gerar uma fúria popular. E é exatamente isso que querem evitar, o envolvimento ativo de grandes massas populares. O problema é que as denúncias são tantas e o esquema corrupto tão abrangente que fica cada vez mais difícil abafar as coisas e preservar Lula, de um lado, e gente como o presidente do PSDB Eduardo Azeredo, de outro.

Não são poucos os representantes das classes dominantes que investem numa saída estratégica de recomposição geral do sistema político burguês. Querem evitar que as disputas rasteiras entre as duas bandas do grande capital (PT de um lado e PSDB de outro) coloquem a perder o que é mais importante, ou seja, a manutenção da atual política econômica neoliberal.

Essa foi a tônica da proposta que o senador Jéferson Peres (PDT-AM) chamou de “via chilena”, uma espécie de “concertación” envolvendo os principais partidos brasileiros. Estrategicamente poderia passar pelo que o historiador tucano Boris Fausto descreveu como o “sonho” de um novo presidente capaz de obter pela força da convicção um consenso básico que uniria um PT refundado ao PSDB (FSP, 04/08/05).

Uma saída pela esquerda

As possibilidades de uma recomposição burguesa tornam-se bastante concretas, apesar da gravidade da crise, principalmente devido à ausência de uma alternativa de esquerda de massas na conjuntura atual. Construir essa alternativa é a tarefa prioritária neste momento.

Essa alternativa radicalmente diferente precisa ser construída por aqueles que nada tem a perder com a punição de todos os corruptos e corruptores e o desmantelamento de todos os esquemas espúrios que fazem funcionar o atual sistema político e econômico.

As causas da crise são estruturais e a saída também precisa ser encontrada arrancando-se pela raiz. A podridão política encontra suas bases num sistema de dominação que utiliza o Estado como instrumento da classe dominante para garantir seus privilégios. As políticas neoliberais de Lula, Palocci e o FMI visam apenas garantir que as coisas continuem assim.

Por isso, para lutar conseqüentemente contra a corrupção é preciso também combater o modelo econômico e as políticas neoliberais. É preciso levantar um projeto alternativo que mobilize os trabalhadores e a juventude e acumule forças para uma autêntica alternativa de classe. Esse projeto precisa ser radicalmente democrático e anti-capitalista. Levantar a bandeira do socialismo e da democracia dos trabalhadores é mostrar que existe uma alternativa possível à farsa da democracia dos ricos.

Plebiscito para revogar os mandatos e anular as contra-reformas

Só há uma forma de bloquear o “acordão” dos partidos, do governo e dos grandes capitalistas. É preciso colocar as amplas massas em movimento no centro da arena política.

Por isso, é valida a defesa da convocação de um Plebiscito Revogatório, onde o povo votaria se deseja ou não a antecipação das eleições para o Congresso e o Executivo. Seria uma forma de envolver amplas massas e evitar um acordo de cúpulas.

O argumento é simples: não se pode aceitar que um Congresso tão comprometido com os esquemas de corrupção possa ter legitimidade para votar qualquer coisa, menos ainda a punição de seus próprios membros corruptos. Por isso, o povo deve decidir.

Além disso, o Plebiscito deveria também deliberar sobre a anulação das reformas neoliberais aprovadas pelo governo a partir da compra de votos, como é o caso da reforma da previdência.

Um Plebiscito e a antecipação das eleições, arrancados a partir da luta de massas, seriam formas concretas para evitar que tudo acabe em pizza neste momento. Que o povo decida! Essa bandeira deve ser levantada por nós neste momento.

A eleição não representa uma saída por si só e devemos deixar isso bem claro. Mas, a antecipação do fim do mandato do presidente e dos parlamentares significaria um elemento claro de quebra da “normalidade” institucional e abriria uma situação mais favorável para as lutas de massas e uma verdadeira saída de classe.

Está claro que esse plebiscito e as novas eleições deveriam se dar com base numa reformulação profunda do processo eleitoral e de representação política, proibição de financiamento de campanhas por empresas e bancos, teto máximo de contribuição individual e de gastos gerais de campanhas, quebra do sigilo bancário e fiscal de candidatos e representantes eleitos, direito do P-SOL e de organizações e movimentos sociais de apresentarem candidatos, etc. (veja os pontos programáticos que defendemos nesta mesma página)

Construir as mobilizações populares

A prioridade absoluta agora é construir mobilizações populares. É preciso vincular as lutas reivindicatórias em curso (servidores federais e estaduais, estudantes, sem-terra, campanhas salariais, etc) com a crise política nacional. É preciso denunciar que o governo tem dinheiro para o mensalão e não tem para salários, educação, passe-livre, reforma agrária, etc. A mobilização em Brasília de 17 de agosto também tem uma importância fundamental para toda a esquerda.

É preciso fomentar as iniciativas de unificação da esquerda combativa e independente dos governos e dos patrões e de amplos setores de ativistas e organizações da nossa classe. A iniciativa da Assembléia Popular de São Paulo deu o exemplo e o Encontro Nacional da Assembléia Popular e da Esquerda, convocado para os dias 24 e 25 de setembro, deve reunir todos os setores dispostos a encontrar uma saída popular e de esquerda, contra o governo e a direita, para essa crise.

Por uma alternativa anti-capitalista, democrática e socialista para a crise!

01. Fora todos os corruptos! Tomar as ruas para impedir o acordão das elites!

02. Nem mensalão, nem cortes nos gastos, nem dívida externa!

03. Unir na luta a esquerda combativa e independente de patrões e governo!

04. Por um plebiscito sobre a revogação dos mandatos atuais e a antecipação das eleições!

05. Revogação das contra-reformas aprovadas com a compra de votos!

06. Apuração até o fim de todos os casos de corrupção e punição de todos os culpados desse e de outros governos! Confisco dos bens de corruptos e corruptores!

07. Afastamento imediato de todos os representantes públicos sob suspeita de envolvimento em corrupção!

08. Pela formação de uma Comissão Popular de Inquérito paralela às CPIs do Congresso Nacional reunindo sindicatos, movimentos sociais, entidades e personalidades democráticas, assim como parlamentares vinculados ao movimento dos trabalhadores!

09. Quebra automática do sigilo bancário e fiscal e devassa nas contas de todos os representantes públicos e membros do governo!

10. Direito de revogabilidade dos mandatos de todos os representantes públicos com base na aferição da vontade de seus eleitores! Salário de trabalhador qualificado para os parlamentares e representantes públicos!

11. Proibição do financiamento de campanhas por empresas e bancos! Teto máximo de contribuição e de gastos de campanha! Quebra do sigilo de todos os candidatos e de suas campanhas em todos os níveis!

12. Auditoria pública e popular nas contas e contratos de todos os órgãos do governo!

13. Reestatização das empresas privatizadas e estatização de todas as empresas e bancos envolvidos em esquemas de corrupção!

14. Controle democrático dos trabalhadores sobre todas as empresas estatais!

15. Atendimento imediato de todas as reivindicações dos trabalhadores em luta!

16. Reposição de todas as perdas salariais e salário-mínimo do DIEESE garantido a todos!

17. Não à reforma sindical e trabalhista, à reforma universitária e todas as contra-reformas neoliberais!

18. Não à política neoliberal de Lula / Palocci / FMI!

19. Não aos planos de mais cortes na saúde e educação para pagar a dívida pública!

20. Pelo não pagamento da dívida interna e externa aos grandes tubarões capitalistas! Que esses recursos sejam revertidos para investimentos sociais, salário e geração de empregos!

21. Construir pela base e com democracia uma Frente da esquerda classista e independente! 

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