Quem é culpado pela catástrofe em Mariana?
Levou só dez minutos para a pequena comunidade de Bento Rodrigues, distrito da cidade mineira de Mariana, ser varrida do mapa no dia 5 de novembro. Mais de 40 bilhões de litros de lama formaram um tsunami quando a barragem da mineradora Samarco, onde é armazenado o rejeito da extração de minério de ferro, desmoronou. Depois de doze horas, a lama chegou na cidade de Barra Longa, uns 80 quilômetros de distância, atingindo até o teto das casas no seu caminho. A lama seguiu pelo Rio Doce, levando morte e devastação por mais de 500 quilômetros até o mar.
Treze corpos foram encontrados até agora – a maioria de trabalhadores da mineradora – e onze ainda estão desaparecidos. Os efeitos para o meio ambiente ainda são incalculáveis. A lama arrasou a mata ciliar que protege o rio, matou peixes e a vegetação, causou danos irreparáveis na foz do Rio Doce, que é um importante criadouro de várias espécies, e ameaça também a vida no mar. Essa zona costeira é área de desova da tartaruga-de-couro, a maior espécie de tartaruga que existe e que está ameaçada de extinção. Novembro é o pico da desova da espécie e uma geração inteira está ameaçada. A cada chuva forte, uma nova leva de lama vai chegar ao rio e ao mar.
“Há espécies animais e vegetais ali que podemos considerar extintas a partir de hoje”, diz o biólogo André Ruschi, que considera que o caso foi o “assassinato da quinta maior bacia hidrográfica brasileira”.
Levará dezenas ou até centenas de anos para a natureza recuperar os efeitos da catástrofe. A área coberta de lama “vai virar um deserto de lama”, como disee Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da Coppe-UFRJ à Folha de São Paulo. Alguns efeitos são irreversíveis, como o assoreamento de trechos do rio e extinção de espécies.
Integrantes da etnia indígena krenak bloquearam a ferrovia da Vale que liga Vitória a Minas Gerais, no dia 13 de novembro, em protesto contra a morte do rio, do qual dependem para seu sustento.
O fornecimento de água foi interrompido para centenas de milhares de habitantes. A cidade de Governador Valadares, com 278 mil habitantes, voltou a ter fornecimento de água para a cidade inteira somente após doze dias.
O governo federal demorou a agir. A presidenta Dilma sobrevoou a área devastada só depois de uma semana. Mas o governo, agora, reconhece que se trata da maior catástrofe ambiental da história do país.
Essa tragédia tem culpados: a mineradora Samarco; o sistema político, que age a serviço das grandes mineradoras que financiam suas campanhas eleitorais; e o sistema econômico, o capitalismo, que coloca o lucro acima de tudo!
A caminho da catástrofe
A empresa Samarco é controlada pelas duas maiores mineradoras do mundo: a anglo-australiana BHP Billiton e a Vale. Você só se torna a maior se conseguir os maiores lucros – por isso o meio ambiente e população local nunca foram fatores de grande importância para essas empresas.
Apesar da queda do preço do minério de ferro, a Samarco tem mantido um alto lucro. Em 2014 o lucro foi de R$2,8 bilhões em cima de um faturamento de R$7,5 bilhões, um nível de lucratividade que quase só se encontra nos bancos. A empresa exporta ferro para 20 países e é a décima maior exportadora do Brasil.
O rejeito da extração do minério (ou seja, a lama composta pelos produtos químicos utilizados para separar o ferro da rocha) é armazenado da maneira mais barata possível, em gigantescas barragens. Existem centenas dessas espalhadas pelo país, com pouca inspeção para garantir sua segurança. O Departamento Nacional de Produção Mineral, ligado ao Ministério de Minas e Energia, tinha até novembro desse ano utilizado somente 13,2% dos recursos previstos no programa de fiscalização das atividades minerárias, em razão do “contingenciamento” e da crise fiscal do país.
A Samarco possui várias barragens para o rejeito daquela mesma mina. A que rompeu foi a barragem de Fundão, com uma capacidade de 55 bilhões de litros, mas que estava em processo de ampliar sua capacidade. Seu conteúdo passou por cima da barragem de Santarém, localizada logo abaixo. Ambas tinham recebido uma renovação da licença em 2013, apesar de haver um estudo encomendado pelo Ministério Público que apontava sérios riscos de segurança.
Depois do rompimento, a Samarco continuou a afirmar que as barragens de Santarém e de Germano (barragem ao lado das outras, que está desativada, mas ainda cheia de lama) eram seguras. Só duas semanas depois da catástrofe admitiram que essas barragens também estão sob risco de desmoronamento e passam por obras emergenciais.
Um problema grave no dia 5 de novembro foi o fato de que a Samarco não tinha um sistema de alarme sonoro que poderia ter alertado os habitantes de Bento Rodrigues, que fica a apenas 2,5 quilômetros das barragens. Um sistema foi instalado só depois do rompimento. Em 2009 a empresa tinha orçado um sistema, mas abandonou os planos para poupar dinheiro.
O poder das mineradoras
As mineradoras têm grande influência no sistema político brasileiro historicamente. Isso se vê em todos os níveis. Há três comissões de parlamentares que vão investigar a catástrofe: do congresso nacional e das assembleias legislativas de Minas Gerais e Espírito Santo. Em todas, há parlamentares que se elegeram com verba das mineradoras.
Há também uma comissão na Câmara de Deputados que está discutindo um novo Código de Mineração para substituir o antigo, de 1967. Pode-se esperar o mesmo desfecho daquele do Código Florestal. Dos 21 deputados da comissão, 11 foram bancados por mineradoras. O relator da comissão, Leonardo Quintão (PMDB-MG), recebeu R$1,8 milhões das mineradoras para sua campanha eleitoral em 2014.
Após a catástrofe, a comissão teve que amenizar o seu projeto e incluir alguns itens para aumentar a segurança das minas. Foi excluído também o artigo 119, que submetia à avaliação federal “a criação de qualquer atividade que tenha potencial de impedimento da atividade de mineração”. Isso afetaria qualquer demarcação de terras indígenas e quilombolas ou criação de áreas de proteção ambiental.
Mas o texto ainda é um retrocesso. Por exemplo, não determina mais a obrigatoriedade das mineradoras evitarem a poluição do ar e protegerem fontes de água. Ao invés de falar de preservação, fala de “recuperação de áreas impactadas”. O novo código descreve também como direito das mineradoras “usar as águas necessárias para operações da concessão”. Se existe uma mina, o direito de poluir a água vem automaticamente!
Em nível estadual, no dia 25 de novembro foi aprovada a lei 2946/15, de autoria do governador Fernando Pimentel (PT), que torna mais fácil o processo de licenciamento ambiental. O projeto foi encaminhado em regime de urgência em outubro à Assembleia Legislativa de Minas Gerais e recebeu muitas críticas por diminuir a proteção ambiental.
Finalmente, vemos como em nível local os municípios muitas vezes são reféns das mineradoras. O prefeito de Mariana, Duarte Jr. (PPS), assumiu o cargo esse ano após o prefeito eleito, Celso Cota (PSDB) ter sido deposto por improbidade administrativa. Duarte Jr. defende que a Samarco mantenha a produção a qualquer custo. “Se fechar a mineração, vai ter que fechar Mariana, pois 80% da economia da cidade depende disso”, diz ele.
Estamos colhendo o fruto da exploração privada dos recursos naturais que tem como objetivo gerar lucros para uma pequena elite. Por isso, foi criminosa a privatização da Vale por FHC em 1997. Financeiramente foi um roubo do patrimônio público. A Vale foi vendida por R$3,3 bilhões, o que ela hoje lucra em 1 ou 2 meses. Mas foi mais criminosa ainda por que colocou os recursos naturais a serviço do lucro privado!
Quem vai pagar?
Segundo o Centre for Science in Public Participation da Austrália, que registra rompimentos de barragens desse porte desde 1915, essa é a maior catástrofe de rompimento de barragem de rejeitos da história. É 40 vezes maior que o rompimento na Hungria em 2010, por exemplo, que teve grande repercussão.
A Samarco já foi multada em R$250 milhões pelo Ibama, mas resta saber quanto vai ser pago de verdade. Somente 8,7% das multas aplicadas pelo Ibama entre 2010 e 2014 foram realmente pagas. O resto é protelado na burocracia, parcelado indefinitivamente ou simplesmente ignorado esperando um acordo de anistia.
Além das multas, a Samarco fez um acordo com o Ministério Público de pagar inicialmente R$1 bilhão para o trabalho de resgate, sustentar as famílias desalojadas, amenizar os efeitos da lama e começar o processo de saneamento e recuperação. Isso é totalmente insuficiente.
O juiz Frederico Gonçalves, de Mariana, havia determinado o bloqueio de R$300 milhões da conta da mineradora, no último dia 11, para que o valor fosse empregado na reparação dos danos causados às vítimas do rompimento da barragem. Mas, de acordo com o juiz, a Justiça só encontrou cerca de R$8 milhões em contas da empresa. “Em outras palavras e em português claro: a requerida sumiu com o dinheiro, embora, em 31 de dezembro de 2014, tivesse em seu caixa mais de 2 bilhões de reais”, disse o juiz segundo a Folha de São Paulo, “como se fosse botequim de esquina”.
O governo federal anunciou nesta sexta-feira (27) que vai mover uma ação civil pública contra a Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP, para que a Justiça determine a criação de um fundo de R$20 bilhões para a reparação dos dados causados pelo rompimento da barragem.
É bem possível que isso não seja suficiente. Foram feitas comparações com a explosão da plataforma de petróleo da BP em 2010 no Golfo do México, que matou onze trabalhadores e levou a um enorme vazamento de petróleo. A BP fez recentemente um acordo que eleva os gastos totais de multas, indenizações e obras de saneamento a mais de R$200 bilhões.
Medidas para atacar a raiz do problema
Não podemos confiar em medidas implementadas por governos e políticos financiados pelas mineradoras. A primeira medida deve ser o estabelecimento de uma comissão de inquérito popular independente, com representantes dos movimentos sociais, sindicatos, da população da região afetada, dos povos indígenas, que também possa incluir pesquisadores das universidades públicas, que já estão montando uma comissão paralela com representantes da Unesp, Unifesp e outras universidades públicas.
Os responsáveis devem ser punidos, com confisco dos seus bens. Aos trabalhadores, deve ser garantida estabilidade de emprego e, às famílias afetadas, plena indenização pela perda de bens e renda. Um plano visando a total recuperação dos danos deve ser traçado. Esses recursos tem que vir das mineradoras!
A Samarco e a Vale têm de ser estatizadas e colocadas sob controle e gestão democrática dos trabalhadores. Recursos naturais não podem ser tratados como propriedade privada para gerar lucro em detrimento do meio ambiente e dos trabalhadores. Temos que romper com a lógica do mercado capitalista. Toda extração tem que ser feita a partir de um plano democrático, que garanta a conservação do meio ambiente e com direito de veto da população local.