Algumas lições de 20 de agosto

As manifestações de 20 de agosto organizadas com base no Manifesto “Contra a direita e o ajuste fiscal” foram marcadas por profundas contradições. As mesmas contradições da situação política no país e que, de alguma forma, também existem na própria consciência de milhões de trabalhadores e trabalhadoras.

A situação mais emblemática foi a de São Paulo. Na maioria dos demais estados, tivemos Atos separados entre governistas, de um lado, e o MTST e a oposição de esquerda de outro. No Rio, por exemplo, um pequeno e combativo Ato, com claro perfil de oposição às políticas do governo Dilma, foi realizado pela manhã na Cinelândia por iniciativa do MTST com apoio de setores do PSOL. Os governistas, com outro eixo, fizeram seu Ato na parte da tarde. Onde não havia mobilização do MTST, os Atos foram puramente governistas. Nesses casos, o PSOL corretamente não foi e rejeitou a iniciativa.

Em São Paulo, a manifestação reuniu muitas dezenas de milhares de trabalhadores. Os movimentos falam de algo perto de cem mil, a PM fala em 40 mil, o que representa uma dimensão bastante respeitável.

Ao contrário do dia 16 de agosto, convocado pela direita, no Largo da Batata estava uma representação fiel do povo brasileiro. Eram trabalhadores, a maioria precarizados, mal remunerados, desempregados ou subempregados, negros e negras, moradores da periferia, favelas e ocupações urbanas. Grande parte deles chegou à manifestação a partir do seu engajamento com o MTST, mas também houve um importante setor que veio por outros movimentos ou por conta própria.

Uma parcela menor do Ato era composta por membros relativamente privilegiados da burocracia sindical ou cargos de confiança de prefeituras e mandatos parlamentares dos partidos do governo. Houve militantes desses sindicatos ou partidos, mas houve também a reprodução da nefasta postura da burocracia sindical de contratar jovens para carregar faixas, bandeiras e balões. Esses precarizados, porém, não eram organizados pelos sindicatos, mas explorados por eles.

Todo esse aparato bancado principalmente pela CUT e CTB (incluindo os ‘ativistas’ pagos) visava dar um perfil de defesa do governo ao Ato. A manifestação de São Paulo foi convocada com base no eixo original de combate à direita e ao ajuste do governo. A abertura de Guilherme Boulos do MTST deixou isso claro e a disposição da maioria também.

Mas, a quem interessa dizer que aqueles milhares e milhares nas ruas de São Paulo estavam a favor do governo Dilma?

A ação das entidades governistas tentando sequestrar o Ato e desvirtuá-lo foi suficiente para gerar muita confusão. Evidentemente a maior parte da cobertura midiática ajudou as entidades governistas a dar um perfil pró-Dilma aos Atos. A cobertura da imprensa burguesa, no entanto, não é o nosso critério da verdade. Essa cobertura esteve longe de refletir a real dinâmica da manifestação.

Podemos dizer claramente que a grande maioria dos trabalhadores que saíram às ruas em São Paulo representa uma força a serviço da luta contra o ajuste do governo e a direita no Congresso Nacional. Não devemos subestimar esses trabalhadores. Não são massa de manobra do governo. Mas, precisam de uma estratégia e organização para que, juntos com milhões que não estavam nem no dia 20 nem no dia 16 de agosto, possam defender seus direitos e arrancar suas reivindicações.

Teste da unidade de ação com a CUT e movimentos governistas

A manifestação em São Paulo também foi emblemática porque foi a que mais claramente colocou à prova a experiência de unidade de ação entre setores combativos e classistas do movimento popular e da esquerda, como o MTST e setores do PSOL, e as entidades e movimentos hegemônicos, cujas direções são claramente governistas, como a CUT, CTB, UNE e, com suas especificidades, o MST.

Em jornadas anteriores, isso já havia acontecido. Nos dias 15 de abril e 29 de maio, o setor mais combativo e independente do movimento popular e sindical conseguiu incidir sobre as entidades governistas e ações unitárias foram organizadas contra a ampliação das terceirizações (PL 4330) e os ataques ao seguro-desemprego, pensão por morte, etc (MPs 664 e 665), além de bandeiras gerais contra a pauta de direita no Congresso nacional.

Nessas mobilizações estavam inclusive alguns movimentos e agrupamentos que dessa vez optaram por não participar de nenhum Ato no dia 20 de agosto. É o caso da CSP-Conlutas, por exemplo, além de outros setores do PSOL.

Uma diferença agora é que a crise do governo Dilma tornou-se muito mais aguda. A queda da presidenta passou a ser encarada como uma possibilidade concreta e a luta contra isso passou a ser o centro das ações tanto do PT e PCdoB como dos movimentos por eles dirigidos.

O governo Dilma, coerente com sua postura desde o início, está construindo uma saída pela direita. Está buscando uma nova concertação com o grande capital e a direita no Congresso (via Renan Calheiros) para manter-se. Para isso, comprometeu-se com uma agenda ainda mais dura de ataques aos trabalhadores do que aquela que já vinha aplicando, a mal chamada “Agenda Brasil”.

Nesse contexto, parte substancial da burguesia brasileira (e internacional) está optando por apostar nessa nova onda de contrarreformas e ataques do governo Dilma. Para isso, não interessa a instabilidade política provocada por um processo de impeachment e outras aventuras de figuras como Eduardo Cunha.

O objetivo do envolvimento do PT e PCdoB nas manifestações do dia 20 de agosto foi o de mostrar que, de fato, no caso de um processo de impeachment, seus aparatos sindicais e partidários poderiam provocar alguma turbulência. Na ótica deles, isso não se choca com a estratégia de conciliação com o grande capital que Dilma aplica. É na verdade um complemento a essa estratégia.

Ao mesmo tempo, é inegável que as bases da CUT, CTB, MST e UNE exercem uma poderosa pressão sobre suas direções em um momento de profunda crise econômica e social, desemprego em alta e ataques por todos os lados.

Como a LSR já tinha explicado anteriormente, a participação dos governistas em uma manifestação que tem como um dos eixos o combate ao ajuste fiscal não é um problema para a esquerda socialista e os movimentos independentes do governo. A contradição está com eles e sua relação com o governo que apoiam.

Por isso, uma política de unidade de ação, como a que o MTST vem implementando, tem sua justificativa. A CSP-Conlutas deveria estar reforçando o polo de esquerda nessas ações unitárias em torno de eixos comuns. Isso ajudaria inclusive a que o próprio MTST tivesse mais base de apoio para enfrentar os enormes aparatos da CUT e demais setores governistas.

Além da luta em torno a um objetivo comum, a unidade de ação abre caminho para que a esquerda socialista dispute as bases descontentes.

Depois de mais de uma década de ilusões nas políticas dos governos do PT, há um processo de ruptura de massas com esse partido e o governo. Esse é um processo contraditório, cheio de idas e vindas. Cabe à esquerda política, sindical e popular mais consequente construir pontes com a base desses setores para acelerar o processo de ruptura, recomposição e reorganização.

É evidente também que quando a CUT ou a CTB juntam-se a manifestações que, como a de São Paulo, se colocam claramente contra as políticas de Dilma, visam também conter a radicalidade dessa luta e desviar o seu foco. Foi isso que fizeram agora. Mas, esse risco e essa disputa é parte do processo de reorganização. Não há como fugir deles.

Haverá momentos de ação comum com esses setores e momentos onde essa unidade será impossível e o confronto mais direto será o necessário. Em nosso entendimento, o dia 20 poderia ter sido um espaço para a intervenção unitária da esquerda. Infelizmente, a esquerda se fragmentou.

A LSR interviu no dia 20 de agosto enfrentando-se com muitos governistas, mas também dialogando com muitos trabalhadores e trabalhadoras que estão na luta e que sinceramente se preocupam com a direita reacionária e que também não apoiam em hipótese alguma o ajuste de Dilma e sua política econômica. Dissemos a eles que será preciso derrotar o governo e não iludir-se em convencê-lo a mudar.

No dia 20 de agosto, fizemos a experiência conjunta com setores decisivos do movimento de massa no Brasil de hoje, como é o caso do MTST. Estamos hoje bem localizados para debater o balanço e tirar conclusões comuns, dos acertos e erros, e assim avançar.

A necessidade de uma Frente de Esquerda e dos Trabalhadores

O balanço do dia 20 de agosto nos alerta para a necessidade de reforçar o polo de esquerda na luta contra os ataques de Dilma. O “lulopetismo” vive sua maior crise na história, ainda assim é uma força política que não pode ser subestimada no seu papel de contenção da luta mais dura contra os ataques do governo e dos patrões.

A divisão da esquerda, sindical e política, só favorece a burocracia sindical governista e joga a luta em um impasse e falta de perspectivas.

Se uma Frente social e política da esquerda, envolvendo PSOL, PSTU, PCB, MTST, CSP-Conlutas, Intersindical e outros, estivesse sendo construída, poderíamos conquistar uma hegemonia mais clara mesmo nas mobilizações unitárias com a CUT, CTB, etc, em torno a pautas concretas.

Além disso, essa Frente de Esquerda e dos Trabalhadores poderia acumular forças no sentido de se colocar como clara referencia política alternativa para o conjunto da classe trabalhadora diante da falsa polarização entre PT e PSDB.

Para nós, essa é a principal lição do dia 20 de agosto.

Próximos passos?

Passado o dia 20 de agosto, ainda existem inúmeras categorias travando uma difícil luta contra a agenda de cortes e ataques de Dilma, governadores e patrões. São principalmente os trabalhadores do setor público federal e os trabalhadores ameaçados de demissão pelas grandes empresas (GM, Volks, Mercedes, etc). Nesse momento é fundamental a construção de ações unitárias em apoio a essas lutas.

O calendário apontado pelo Espaço de Unidade de Ação, envolvendo a CSP-Conlutas, representa uma base importante para a continuidade da luta. Mas, o risco de divisão e fragmentação na própria esquerda e movimentos combativos e independentes continua.

É preciso que construamos uma plataforma e um calendário unitário com o claro propósito de derrotar o governo Dilma, o Congresso e os governadores em sua Agenda contra os trabalhadores. Mas, é preciso também que criemos as bases de uma estratégia política mais global para uma saída de esquerda, classista, anticapitalista e socialista para a crise.

21/08/2015
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