“Legado da Copa”, um ano depois
Em 12 de junho, completa-se um ano do início da Copa do Mundo de 2014. Tanto os governos Lula e Dilma quanto a FIFA utilizaram o termo “legado da Copa” para se referir aos benefícios que o Brasil ganharia por conta da realização do torneio. O tal “legado”, entretanto, se mostrou muito diferente daquilo que havia sido prometido.
A Copa das remoções
A Copa do Mundo causou a remoção forçada de milhares de pessoas nas doze cidades-sede do torneio. Comunidades inteiras foram derrubadas por ordem do poder público para dar espaço a estádios e outros obras da Copa. Segundo dados do próprio governo federal, 35.353 famílias foram desalojadas.
A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), entretanto, alega que esses números são “maquiados”. Segundo a ANCOP, foram mais de 250 mil pessoas expulsas de suas casas por conta da Copa!
Estádios ou “elefantes brancos”?
Outro ponto bastante criticado foi a construção de novos estádios que, por serem localizados em cidades sem jogos regulares, ficariam sem uso. São os chamados “elefantes brancos”. Estádios como a Arena Pantanal, em Cuiabá, ou a Arena da Amazônia, de Manaus, custaram bilhões de reais dos cofres públicos para receberem apenas quatro jogos da Copa cada um.
O estádio Mané Garrincha, em Brasília, foi reformado para a Copa do Mundo. Originalmente estimada em cerca de R$900 milhões, a obra acabou custando o triplo – mais de R$2,7 bilhões! Isso tornou o Mané Garrincha o segundo estádio mais caro do mundo!
O estádio custa ao governo do Distrito Federal R$600 mil por mês. Desde sua inauguração, em março de 2013, arrecadou cerca de R$5,5 milhões. Recebeu apenas 14 jogos depois da Copa e, com isso, já deu um prejuízo de R$6 milhões.
A Arena Pantanal também segue o mesmo caminho. O governo do Mato Grosso gasta R$300 mil por mês com manutenção. Mesmo recebendo diversos jogos do Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e do campeonato estadual em 2014 e 2015, o estádio ainda gerou um prejuízo de R$1,4 milhão.
Obras inacabadas e irregulares
No fim de janeiro deste ano, a Arena Pantanal foi interditada por conta de falhas nas obras da arquibancada. O Maracanã, no Rio de Janeiro, reformado para a Copa, apresentou irregularidades na licitação da obra. O Tribunal de Contas da União (TCU) também apontou irregularidades na licitação da Arena das Dunas, em Natal.
Segundo o Ministério Público, o Itaquerão, em São Paulo, apresentou mais de 50 irregularidades técnicas e falhas no projeto. Esses problemas causaram a morte de três trabalhadores durante a construção do estádio. No total, oito operários morreram nas obras das arenas da Copa.
Outro “legado da Copa” prometido pelo governo federal eram as obras de mobilidade urbana, como novas linhas de metrô e corredores de ônibus. Menos de um terço dessas construções ficou pronta a tempo da Copa do Mundo. Outras ficaram pela metade e várias nem saíram do papel.
Em São Paulo, as linhas 13 e 17 do metrô, que ligariam os aeroportos de Congonhas e Guarulhos ao resto da cidade, foram prometidas para antes da Copa. Elas ainda estão em construção e não há previsão de término. Em Goiânia, o VLT (veículo leve sobre trilhos), que deveria ficar pronto antes do mundial, começou a ser construído com atraso e só deve ficar pronto em 2016.
Em Brasília, a ampliação do metrô também ficou na promessa. O VLT da cidade também estava na lista de obras para a Copa, mas foi abandonado. Os VLTs de Cuiabá e Fortaleza continuam em obras até hoje. Em Recife, o corredor de ônibus BRT foi inaugurado na Copa com apenas duas estações das 28 prometidas – e ainda não está finalizado.
Repressão aos protestos populares
O governo federal investiu cerca de R$2 bilhões para a segurança na Copa do Mundo. As Polícias Militares de vários estados também aproveitaram a Copa para a compra de material. A PM de São Paulo, por exemplo, anunciou gastos de R$35 milhões para adquirir 14 veículos blindados e quatro caminhões com jatos d’água.
A desculpa era que estes gastos iriam servir para proteger as 32 seleções e os torcedores estrangeiros. Na verdade, esse dinheiro foi utilizado também para aumentar a repressão da polícia contra os protestos populares.
Entre 2013 e 2014, aconteceram dezenas de manifestações contra a realização da Copa do Mundo por todo o Brasil, algumas com mais de 20 mil pessoas. A maior parte desses protestos foi reprimida com extrema violência pela polícia, utilizando bombas de efeito moral e gás de pimenta contra manifestantes desarmados.
As mesmas táticas que a PM utilizou contra as manifestações da Copa foram recicladas e são utilizadas, hoje, contra os movimentos de luta por moradia, contra os professores e outras categorias em greve. Esse é o “legado da Copa” para a segurança: bala de borracha e cassetete contra o trabalhador que luta por seus direitos!
UPPs: Repressão aos pobres para garantir a Copa
Outro aspecto nefasto da política de segurança para a Copa do Mundo foi a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs) no Rio de Janeiro. Criado com a desculpa de “pacificar” as favelas e impedir a ação de traficantes, o programa das UPPs serviu apenas para dar uma falsa sensação de segurança para a realização da Copa. Não é à toa que a maior parte das UPPs foi instalada nas comunidades próximas a bairros ricos e áreas por onde os turistas passaram durante a Copa – como a Zona Sul e o entorno do Maracanã.
Quem vive nas favelas “pacificadas” passa por uma rotina de violações aos seus direitos. Os policiais do BOPE e das próprias UPPs cometem todo tipo de arbitrariedade contra a população. Em várias comunidades, o Exército também ajuda na repressão com soldados, blindados e helicópteros.
Prejuízo para o Brasil, lucro para a FIFA
Segundo o TCU, o gasto final da Copa de 2014 foi impressionante: R$25,5 bilhões! Só com os estádios, entre reformas e novas obras, foram gastos R$8,3 bilhões. Apenas 7% desse valor (cerca de R$611 milhões) veio da iniciativa privada.
Outro impacto vem da isenção fiscal à FIFA e outras empresas envolvidas na organização da Copa do Mundo. Segundo estudo da Receita Federal, o Brasil abriu mão de quase R$890 milhões de reais em impostos. Se somarmos também os “perdões” concedidos às empreiteiras que construíram os estádios, esse valor sobe para R$1,08 bilhão.
Esses “agrados” permitiram que a FIFA batesse seu recorde de faturamento. A Copa garantiu à entidade uma arrecadação de R$16 bilhões. Para efeito de comparação, a Copa de 2006 na Alemanha rendeu “apenas” R$770 milhões.
Esse dinheiro todo faz falta agora: no último dia 22 de maio, o governo federal anunciou um novo corte de quase R$70 bilhões nos gastos para 2015. Além disso, para ajudar a cobrir o “rombo” no orçamento, o governo planeja cortes nos direitos trabalhistas, como seguro desemprego e pensões. Ou seja, o trabalhador paga o pato enquanto a FIFA e as empreiteiras nadam em dinheiro.
As recentes prisões de onze executivos da FIFA por lavagem de dinheiro e propinas (entre eles o brasileiro José Maria Marin, ex-presidente da CBF e do Comitê Organizador da Copa 2014) mostram o quanto o esporte está contaminado com os esquemas de corrupção.
Um “legado olímpico”?
As próximas Olimpíadas acontecerão em agosto de 2016 no Rio de Janeiro. Os gastos já chegam a R$38,2 bilhões – mais do que o valor gasto com a Copa. Entretanto, os mesmos problemas estão se repetindo.
Por conta de atrasos nas obras, alguns locais de jogos não ficarão prontos a tempo das competições. O governo do estado já desistiu de limpar as lagoas do entorno do Parque Olímpico, na zona oeste do Rio, além de ter anunciado que não irá conseguir despoluir a Baía da Guanabara, local das provas de iatismo e canoagem. A prefeitura do Rio já admitiu que o novo corredor de ônibus TransBrasil só ficara pronto depois das Olimpíadas.
As remoções forçadas também continuam a todo vapor: mais de 67 mil pessoas já foram expulsas de suas casas no Rio de Janeiro desde 2009. Assim como o “legado da Copa”, o “legado olímpico” será pouca coisa além de prejuízo para a população.
Está claro que os megaeventos causam mais problemas do que benefícios. Entretanto, sabemos que a mobilização popular é capaz de pressionar os governantes: no início de 2014, a cidade de Estocolmo, na Suécia, desistiu de se candidatar às Olimpíadas de Inverno de 2022, devido à forte rejeição da população aos gastos. Em 2013, em um referendo popular, 52% dos moradores de Munique, na Alemanha, também disseram “não” às Olimpíadas.
Não somos contra as competições, mas sim contra a forma como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são organizados! Do jeito que está hoje, quem mais ganha com a Copa ou as Olimpíadas não são os atletas ou a torcida: são os grandes capitalistas, que se utilizam do esporte para lucrar bilhões de dólares, enquanto famílias perdem suas casas e trabalhadores são explorados!
Nós, da LSR, acreditamos que só a união de forças dos movimentos por moradia, dos sindicatos combativos e demais organizações em luta é capaz de impedir esses ataques!