Água como mercadoria
A Sabesp tem um grande lucro e distribui dividendos aos acionistas, apesar da falta de água. Por outro lado, aumenta a conta e demite trabalhadores. Mas continua o risco do colapso no sistema de abastecimento. Esta é a lógica da economia de mercado, ou capitalismo.
Recente relatório da ONU estima que o crescimento da demanda por água será de cerca de 40% nos próximos 15 anos. Nesse cenário, o Brasil ganha grande importância na geopolítica mundial, uma vez que a água doce tem se tornado cada vez mais escassa, em contrapartida à crescente produção de alimentos e de outras riquezas dependentes da água. O Brasil é um dos países mais ricos em água do mundo, com cerca de 13% de toda a água doce do planeta e ainda possui os maiores aquíferos subterrâneos: o Alter do Chão e cerca de 70% do Aquífero Guarani.
A produção de alimentos para exportação, atividade essencialmente desenvolvida pelo agronegócio, coloca o Brasil entre os países que mais exportam água dita “virtual” – ou seja, água utilizada na produção dos alimentos. Com base nos dados de exportação disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2013, o País exportou cerca de 200 trilhões de litros de água “virtual”, somente contando soja, carne (bovina e suína), milho e café. Esse volume equivale a 200 vezes o Sistema Cantareira cheio e daria para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo por cerca de 100 anos.
As residências consumem só 8% da água
No Brasil, 70% da água é consumida na agricultura, 22% na indústria e somente 8% em residências.
A exportação de alimentos em larga escala traz poucos e discutíveis benefícios. Entretanto, entra na divisão internacional do dano ambiental. Países ricos sem reservas de água ou que querem preservar suas reservas evitam a produção em larga escala de determinados alimentos que consomem muita água.
O fato é que o capitalismo vai levar o planeta ao colapso. Porém, a atual fase de liberalismo econômico (ou neoliberalismo) acelerou muito esse processo à medida que o ganho imediato e o crescimento econômico obrigatório é parte da lógica atual.
Estamos vivenciando um período em que a água, aos poucos, vai sendo dominada por uma elite que a transformou em simples mercadoria, ou commodity. Ou seja, a água, que até pouco tempo era um bem comum, direito humano e de todas as formas de vida, passa a ser tratada como uma fonte de lucro. Um “produto” mágico, relativamente abundante, não necessita de propaganda para vender e tem a garantia de que 100% da população necessita consumir.
Observa-se que o domínio da água é uma meta que a burguesia pretende alcançar em breve: produção de energia elétrica, produção de alimentos, produção de cervejas, refrigerantes, de água envazada, etc., tudo privatizado, formando um grande cartel extremamente lucrativo.
Lucro se tornou prioridade da Sabesp
Exemplo disso é a maior companhia de saneamento básico do Brasil, a Sabesp. Desde a abertura de suas ações para o mercado financeiro, a prioridade é a distribuição de dividendos, não o atendimento com saneamento adequado à população. Segundo seus balanços anuais, foram distribuídos entre 2003 e 2013 cerca de R$ 4,37 bilhões em dividendos. Esse valor representa 32,95% do lucro líquido da empresa. Entretanto, pela lei e pelo Estatuto da própria empresa, o valor base seria 25%. Ou seja, foram repassados, nesse período, cerca de R$1,05 bilhão em dividendos a mais que o mínimo previsto. Mas não para por aí: em 2002, a Sabesp teve prejuízo, mas mesmo assim distribuiu dividendos e agora, em 2015, apesar de toda a crise hídrica e as dificuldades que ela diz estar passando, seu conselho de administração propôs distribuir R$ 252 milhões em dividendos aos acionistas.
Aqui está um dos problemas que dificultam os investimentos em mais obras de reservação de água, redução de perdas, reuso da água e preservar mananciais. Gastar em reservatório e mananciais é caro e o retorno é de longo prazo. Portanto, tornam menos atrativas ações no mercado financeiro.
Há uma clara política de passar os serviços que deveriam ser executados pela Sabesp para empresas terceiras. Essas empresas, para reduzir custos, não executam as obras conforme as normas de qualidade. Assim, ocorrem os vazamentos e outra empreiteira vai lá consertar. O resultado é visto nas ruas: muitas valas com péssima pavimentação, esgoto transbordando e muito, mas muito vazamento. Cerca de 30% da água tratada é perdida nos vazamentos. Resultados dos serviços mal feitos. Esse cenário deve piorar muito, caso a lei de terceirização seja aprovada no Congresso Nacional.
Por outro lado, as obras emergenciais custam muito caro à população e aumentam lucro das empreiteiras, pois são dispensadas as licitações.
Aumento de 13,8% na conta d’água
Essa conta vem para os trabalhadores e para a população pagarem. A ARSESP, agência que regula e fiscaliza os serviços de saneamento, propôs um aumento de 13,8% nas contas de água, mesmo já havendo um reajuste de 6,49% há menos de 5 meses. Mas os acionistas querem um reajuste ainda maior. Além disso, não será surpresa se o bônus for suspenso antes do final do ano.
Veja o saco de maldades: antes das eleições, a Sabesp deu um bônus para quem economizasse água e a promessa de que não faltaria água. Passadas as eleições, vem reajuste em dezembro 2014, em janeiro 2015 vem multa, em abril mais aumento nas contas e demissão de trabalhadores.
O governador vem insistindo desde dezembro de 2013 que não vai faltar água. Mas já está faltando, só não avisaram para ele! Ele continua defendendo os interesses dos acionistas (não reduzir a lucratividade com a redução da venda do produto). Se depender dos capitalistas, vende-se até a última gota de água. E quanto mais raro for o produto, mais caro fica. Isso ganha maior importância quando se trata de produto essencial à sobrevivência.
Grande risco de colapso
O risco de colapso é muito grande. Acabou o período chuvoso e em abril de 2015 temos cerca de 60% da água que tínhamos em abril de 2014.
Isso nos leva à conclusão de que o governador Geraldo Alckmin continua cometendo crime contra a saúde pública, colocando milhões de pessoas em risco e crime contra o meio ambiente. Continua tentando esconder o problema. Um exemplo disso é a epidemia de dengue, resultado do armazenamento inadequado de água.
Entretanto, como dissemos, essa não é uma política isolada: ela está afinadíssima com o ideário do capitalismo neoliberal. A água e saneamento estão sendo dominados pelo mercado e colocados à disposição dos empresários em detrimento das necessidades vitais.
O coletivo Água Sim, Lucro não! Posiciona-se totalmente contra esse aumento de 13,8% nas contas de água e contra a distribuição de dividendos. A Sabesp teve um grande lucro este ano (R$903 milhões). Que ele seja utilizado em investimentos para garantir o abastecimento de água.
É necessário desencadear uma luta imediata:
- Estatização imediata da Sabesp e das empresas de saneamento, com controle dos trabalhadores (hoje já existe controle dos empresários).
- Criação de um Conselho de Usuários com poder de fiscalização e de deliberação sobre as questões de saneamento.
- Preservação dos mananciais. Para isso, é necessário um plano habitacional sério que possa englobar todas as famílias em áreas de risco e que estão sem moradia e combate à especulação imobiliária.
- Combate às perdas de água. Fim da terceirização e do cartel das empresas prestadores de serviço.
- 100% de coleta e tratamento do esgoto. Reuso planejado da água do esgoto tratado (para fins não potáveis ou consumo humano).
- Incentivo à coleta e uso de água de chuva (distribuição de reservatórios e projetos de instalação do sistema subsidiado pelo governo).
Nasce o coletivo “Água Sim! Lucro Não!”
Como resultado da experiência comum na luta pelo direito à água em São Paulo e outras regiões do país, um grupo formado por trabalhadores da Sabesp, ativistas do movimento popular, sindical e da juventude decidiu formar o coletivo “Água Sim! Lucro Não!”
O coletivo aborda o tema partindo de uma posição classista, enfatizando a necessidade da unidade dos trabalhadores do setor de saneamento com os demais trabalhadores e a juventude. Trabalhadores da Sabesp em São Paulo e CEDAE no Rio de Janeiro, por exemplo, precisam estar coordenados com o movimento popular e ambiental.
O coletivo também enfatiza que a luta em defesa da água e do meio ambiente é uma luta anticapitalista e socialista e busca construir laços internacionais com movimentos com a mesma visão.
Para organizar a luta nos bairros, escolas, locais de trabalho, participe da construção do coletivo “Água Sim! Lucro Não!”