Água, sim. Lucro, não!
A crise da água se agrava, é preciso responder com luta!
A grave crise hídrica dos últimos meses não é um fenômeno que atinge apenas o estado de São Paulo. Suas vítimas já chegam a um quinto da população brasileira. São 45,8 milhões os brasileiros que vivem em regiões com reservatórios abaixo do normal e chuvas abaixo da média histórica. Para boa parte dessa população isso já tem significado racionamento e outras medidas emergenciais.
Na grande maioria dos casos a situação foi agravada pela falta de planejamento prévio e investimentos por parte das autoridades para prevenir os problemas e também pelo conflito entre o interesse público e os interesses privados relacionados ao abastecimento de água.
Durante o ano de 2014, a crise hídrica fez com que 1.265 municípios de 13 estados das regiões nordeste e sudeste decretassem situação de emergência. Os últimos dados do Ministério de Integração Nacional apontam que hoje 936 cidades estão nessa situação.
Muitos outros municípios vivem situações até mais críticas, embora não tenham adotado o estado de emergência. Esse é o caso principalmente no estado de São Paulo onde apenas três municípios estão nessa situação.
No município de Itu, por exemplo, onde o abastecimento de água colapsou completamente, provocando protestos radicalizados contra as autoridades locais, a situação de emergência nunca foi decretada. A adoção dessa medida obrigaria as autoridades a intervir sobre a empresa privada que monopoliza o serviço de abastecimento de água, além de priorizar o consumo humano afetando interesses econômicos.
Seca no nordeste
No Ceará, por outro lado, 176 dos 184 municípios do estado decretaram situação de emergência. São mais de 5,5 milhões os atingidos pela seca. A Paraíba também vive situação muito crítica. Em Pernambuco, o nível de água acumulada nos reservatórios está em 13%, o mais baixo entre os estados nordestinos. Mais de 40% da população do Recife é afetada pelo racionamento no fornecimento de água.
O nordeste como um todo entra em seu quarto ano seguido de seca. Mesmo assim, os investimentos necessários para contornar a situação não foram feitos e por razões eleitorais o problema é minimizado. Nas áreas rurais, o programa Bolsa Família serviu para amenizar o caráter de calamidade pública do problema e desviar o foco de atenção. Mas, o problema socioambiental permanece.
Situação crítica no sudeste
Na sudeste, as três maiores regiões metropolitanas do país estão na iminência do desabastecimento.
Em Belo Horizonte, o sistema Paraopeba pode zerar em três meses segundo a COPASA (Companhia de Saneamento do estado de Minas Gerais), afetando uma população de 2,5 milhões de pessoas. Já na região de Governador Valadares, a vazão do Rio Doce está dez vezes mais baixa do que o esperado para essa época do ano. O mesmo acontece quando o rio atravessa o estado do Espírito Santo.
No Rio de Janeiro, o volume morto do reservatório de Paraibuna, o maior da bacia do Paraíba do Sul responsável pelo abastecimento na região metropolitana, está sendo utilizado pela primeira vez na história. Apesar disso, o governo do estado continua a negar a possibilidade de racionamento.
São Paulo à beira de um colapso
Em São Paulo, a situação continua extremamente crítica apesar do que diz o governo de Geraldo Alckmin. O governo, com ajuda da grande imprensa, adotou a estratégia de anunciar grandes obras faraônicas (que serão feitas sem licitação), ao mesmo tempo em que enfatiza que as chuvas de fevereiro foram acima da média histórica. Além disso, passou a acusar o governo federal pela crise hídrica, buscando desviar a atenção de sua própria responsabilidade.
A imprensa anuncia que, com as chuvas de fevereiro, o sistema Cantareira, o maior do estado e em situação mais crítica, teria alcançado um patamar pouco superior a 10% de sua capacidade. O que a imprensa nem sempre explica é que esse nível ainda se mantém no volume morto. Para sair da primeira cota do volume morto, os níveis do Cantareira teriam que estar em pelo menos 18,5%, exatamente em um momento em que as chuvas tenderão a diminuir.
No ritmo atual de chuvas e utilização de água, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o sistema Cantareira deve secar em julho desse ano. Como a situação do Alto Tietê também é extremamente crítica, deveremos ter uma situação calamitosa envolvendo 16,5 milhões de pessoas abastecidas por esses dois sistemas.
Mesmo tendo recuado, o anúncio da possibilidade de um rodízio de cinco dias sem água para dois com água na região metropolitana de São Paulo, feito pelo diretor metropolitano da Sabesp, ainda se coloca como horizonte no curto prazo para tentar evitar o colapso generalizado.
Mas, mesmo sem o rodízio adotado de forma oficial, o que temos hoje já é um racionamento não declarado e que afeta principalmente a população mais pobre.
Enquanto muitos moradores das periferias da grande São Paulo permanecem sem água por 3, 4, 5 ou mais dias, há uma parcela de marajás da água em São Paulo que gastam muito e pagam pouco. São os contratos de “demanda firme”, como são denominados pela Sabesp, onde cerca de 500 empresas têm garantia de fornecimento ininterrupto e pagam uma tarifa diferenciada, muito mais baixa que o comum dos mortais.
As obras anunciadas por Alckmin visando a utilização das águas extremamente poluídas da represa Billings, além de não resolverem o problema, têm provocado grande apreensão. Não há nenhuma garantia de que os resíduos industriais depositados no fundo da Billings e o esgoto proveniente dos rios Tietê e Pinheiros possam ser devidamente eliminados para o abastecimento da população.
Com relação ao governo federal, é fato que o desmatamento da Amazônia e o conjunto do modelo primário-exportador adotado no país fomenta a devastação da natureza e afeta os recursos hídricos. Mas, esse modelo o governo Dilma compartilha com os tucanos. Nesse aspecto, estão todos no mesmo barco e devem ser responsabilizados duramente.
Organizar a luta de massas e pela base
A tarefa agora é de organizar a luta pelo direito à água pela base. A formação de Comitês de Luta nos bairros e comunidades é o caminho para conquistar uma solução coletiva para o problema.
São os trabalhadores e a população organizados que poderão exigir o controle sobre o que se faz em termos de medidas emergenciais diante da crise e garantir que as regiões mais pobres não sejam mais afetadas que os bairros ricos e suas empresas e negócios.
É preciso que se construa uma poderosa e representativa Assembleia Popular Estadual da Água em São Paulo, reunindo todos os movimentos, coletivos e comitês de luta. O mesmo caminho precisa ser seguido nos demais estados.
Para defender uma linha classista, anticapitalista e combativa para a luta em defesa do direito à água, um grupo de trabalhadores da Sabesp, da Oposição Alternativa no Sintaema, incluindo o companheiro Marzeni Pereira, junto com militantes do movimento popular e trabalhadores de outros setores, além de ativistas da juventude de várias partes do país, decidiram formar um coletivo nacional de luta pela água.
O coletivo travará a luta pelo direito à água junto com a luta pela reforma urbana, agrária, contra as privatizações e em defesa do meio ambiente, a partir de uma ótica anticapitalista e socialista. Trabalhará também com uma perspectiva internacionalista, coordenando-se com ativistas que hoje lutam pelo direito à água em várias partes do mundo, de Cochabamba na Bolívia, onde ocorreu a guerra da água contra as privatizações, até a Irlanda onde há um forte movimento contra as taxas cobradas para a água.