Vitória apertada de Dilma Rousseff prenuncia mais crise e instabilidade
No segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, Dilma Rousseff derrotou Aécio Neves por uma estreita margem. Dilma obteve 51,64% dos votos válidos e Aécio 46,36%. A diferença foi de apenas 4,46 milhões de votos em um universo de 142,8 milhões de eleitores. 44,42 milhões (27,4%) abstiveram-se de votar. Essa foi a votação mais apertada para presidente da República desde o fim do regime militar. A estreita margem refletiu o desgaste do partido depois de doze anos consecutivos no poder e o fim das condições econômicas, políticas e sociais que favoreceram certa estabilidade aos governos de Lula e depois Dilma Rousseff.
Para evitar a derrota eleitoral, o PT investiu centralmente no medo do retorno aos tempos em que o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso governava o país com uma política neoliberal pura e dura. Como já fez nas eleições passadas, o PT teve que recorrer às suas credenciais de esquerda do passado e sua suposta preocupação com os mais pobres para polarizar o processo eleitoral e coesionar seus eleitores.
No segundo turno, a polarização chegou ao ponto máximo, ainda que as diferenças programáticas entre PT e PSDB sejam muito menores do que suas semelhanças. Como sempre, a maquiagem de esquerda durou somente as poucas semanas de campanha eleitoral. Poucos dias depois da eleição, o partido tira a fantasia e mostra sua verdadeira face, apelando para a reconciliação nacional sobre a base de políticas que favorecem o grande capital.
Dessa vez, porém, o quarto mandato presidencial do PT deverá ser muito mais instável e turbulento do que os anteriores. A capacidade única do partido, no contexto econômico e social específico da primeira década desse século, de frear a radicalização das lutas sociais e costurar um quase pacto social hegemonizado pelo grande capital, já não é mais a mesma. As manifestações de massas de junho de 2013 e as greves e mobilizações dos trabalhadores que se seguiram marcaram o início de uma nova etapa muito mais conflitiva e instável no cenário nacional.
Fracasso da “terceira via” de Marina Silva
Aécio Neves conseguiu chegar ao segundo turno contra Dilma ultrapassando Marina Silva (PSB), que surgiu como terceira via diante da já tradicional polarização eleitoral entre PT e PSDB.
Apesar de despontar nas pesquisas de opinião como a segunda colocada na disputa após a morte de Eduardo Campos, Marina teve sua candidatura desidratada ao longo da campanha em consequência da fragilidade de seu projeto alternativo.
Enquanto, ainda no primeiro turno, Aécio Neves assumiu a feição de um anti-petismo radical, centrando sua campanha nas denúncias de corrupção envolvendo o atual governo, Marina se colocava de forma mais conciliatória, dizendo buscar unificar o que há de bom tanto no PT como no PSDB. Isso, porém, não a poupou dos duros ataques de ambos os lados.
Os ziguezagues de sua campanha em relação a vários pontos programáticos (incluindo a questão da legislação anti-homofobia, direitos das mulheres, etc) e sua adesão cada vez mais explícita ao receituário econômico neoliberal (defendeu a autonomia formal do Banco Central, por exemplo), tornaram Marina um alvo fácil para as críticas. Achando que já teria uma base consolidada entre os eleitores mais progressistas atraídos por seu passado de esquerda e sua defesa do meio ambiente, Marina tratou de buscar consolidar o apoio do grande capital financeiro e do agronegócio. No final das contas, queimou-se com ambos os lados e saiu da campanha com o perfil seriamente desgastado.
A candidata do PSB obteve, no primeiro turno, 22 milhões de votos (21,3% dos votos válidos), um pouco mais do que já havia obtido em 2010, ficando em terceiro lugar. No segundo turno, Marina acabou apoiando Aécio Neves, o que deixa ainda mais evidente suas opções políticas conservadoras e direitistas por trás da fachada “progressista”.
Giro à direita na sociedade?
O crescimento de Aécio Neves na reta final das eleições se deu na medida em que se consolidou como a única alternativa com condições de derrotar o PT. Nesse processo, a campanha de Aécio abriu o caminho para algumas das forças mais reacionárias da sociedade brasileira com toda sua carga de preconceitos, conservadorismo, autoritarismo e a velha retórica tradicional anti-esquerda.
Porém, essa base social do PSDB em setores das classes médias reacionárias do sul e sudeste do país não teria sido suficiente para que Aécio chegasse aonde chegou. A candidatura do PSDB, principalmente no segundo turno, também acabou sendo o desaguadouro de uma insatisfação latente na sociedade.
Somente isso pode explicar como o PSDB acabou obtendo maioria de votos em regiões das periferias de São Paulo e outras grandes cidades do sul e sudeste do país que tradicionalmente concentravam votos no PT.
A marca do processo eleitoral não foi o giro à direita na sociedade, como alguns têm analisado, mas sim o crescimento da insatisfação com o PT que acabou sendo canalizada por uma falsa alternativa. A insatisfação crescente com o PT não se dá em função de suas políticas de esquerda, mas exatamente o contrário, pela falta delas.
O voto em Aécio não foi necessariamente um voto consciente em políticas neoliberais mais duras – propostas políticas essas que o próprio PSDB tentou a todo custo se distanciar durante a campanha diante das acusações do PT.
Analistas da própria burguesia brasileira têm manifestado grande preocupação com o fato de que nenhum dos candidatos, nem mesmo Aécio Neves, tocou durante a campanha nas medidas duras que, na opinião deles, terão que ser implementadas no país para que se recupere o equilíbrio fiscal e para satisfazer o mercado financeiro: política de cortes e austeridade, elevação das tarifas em vários bens e serviços públicos, elevação dos juros, contrarreformas na legislação trabalhista, na previdência social, mais privatizações, etc.
Polarização crescente
Ao invés de um giro à direita na sociedade, o processo eleitoral expressou, ainda que de forma relativa e distorcida, uma crescente polarização social e política que se dá principalmente depois das mobilizações de massas de junho de 2013.
Alguns dos parlamentares mais bem votados do país foram do PSOL. O partido teve o deputado estadual (Marcelo Freixo, com 350 mil votos) e alguns dos deputados federais mais bem votados (Chico Alencar, com 196 mil votos e Jean Wyllys, com 144 mil votos) no estado do Rio de Janeiro, por exemplo.
Luciana Genro, a candidata presidencial do PSOL que fez uma campanha claramente de esquerda, dobrou a votação do partido em relação a 2010 e ficou em quarto lugar, atrás apenas de Marina Silva. Obteve 1,6 milhão de votos (1,55%), mais que o Pastor Everaldo e Levy Fidelix juntos. O resultado poderia ser ainda mais expressivo se uma Frente de Esquerda entre o PSOL, PSTU e PCB tivesse sido formada.
O PSOL de conjunto aumentou de três para cinco o número de deputados federais e para 12 os deputados estaduais. Em dois estados, o PSOL obteve votações muito expressivas para governador, o que demonstra o grande espaço à esquerda existente. No Rio de Janeiro, Tarcísio Motta obteve 8,92% dos votos e no Rio Grande do Norte, Robério Paulino, militante da LSR, obteve 8,74%. Em ambos os estados, o PSOL ocupou grande parte do espaço que tradicionalmente era do PT.
Ao mesmo tempo, no outro extremo do espectro político, alguns candidatos de extrema direita obtiveram votações muito expressivas. Jair Bolsonaro, abertamente defensor da ditadura, foi o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, com 464 mil votos. No Rio Grande do Sul, o latifundiário Luis Carlos Heinze, que adota um discurso raivoso e violento contra sem-terra, índios e gays, obteve 162 mil votos, ficando em primeiro lugar.
Essa situação de polarização aponta uma tendência para o futuro. Mas não deve ser interpretada como um giro à direita, simplesmente.
Perdas para o PT
Apesar da vitória de Dilma Rousseff, uma das marcas das eleições de 2014 foi o enfraquecimento do PT em muitos estados. Isso se deu principalmente em São Paulo, onde seu candidato a governador, Alexandre Padilha, ficou em terceiro lugar e o partido reduziu de forma expressiva sua bancada parlamentar. No Rio de Janeiro, Lindberg Farias ficou em quarto lugar com apenas 1% a mais que o candidato do PSOL.
A bancada do PT na Câmara Federal caiu 18,6% (de 88 deputados eleitos em 2010 para 70 em 2014), enquanto o PSDB manteve o mesmo número de eleitos em 2010 (54 deputados). O PCdoB, fiel aliado do PT, também viu sua bancada federal cair de 15 para 10 deputados.
O fiel da balança para garantir maioria parlamentar ao governo Dilma é o PMDB do vice-presidente Michel Temer, que detém inúmeras dissidências internas e nem sempre vota com o governo.
O PMDB perdeu posições na Câmara, mas ainda detém 66 deputados diante dos 71 da atual legislatura (elegeu 79 em 2010). O PSB manteve o mesmo número de eleitos em 2010, 34 deputados federais (embora o partido tenha perdido parte dessa bancada com deslocamentos partidários). Porém, o grupo político específico de Marina, a Rede Sustentabilidade, que deve buscar legalizar-se como partido independente, elegeu apenas um deputado federal.
No Senado, o bloco governista também perdeu posições, mas ainda mantém maioria instável que depende do humor do PMDB e das negociações por cargos no novo governo.
A conquista do governo de Minas Gerais pelo PT, com a vitória de Fernando Pimentel derrotando o candidato do PSDB, por outro lado, foi a principal vitória petista e ajudou muito na vitória presidencial de Dilma Rousseff. A rejeição de Minas Gerais ao PSDB pesou muito na imagem de Aécio.
A continuidade do PT no governo da Bahia também foi uma conquista importante em um contexto geral de perdas para o partido.
A diminuição dos votos no PT nessa eleição e a margem estreita da vitória de Dilma são fatores que contribuíram para a instabilidade do governo e já têm levado o governo federal a adotar um tom conciliatório no discurso em relação aos partidos de oposição e à sociedade.
Reconciliação nacional?
Já no discurso de vitória, Dilma apontou para a necessidade da reconciliação nacional depois das eleições. Para isso, dá sinais de que atenderá as demandas do mercado financeiro, indicando um novo ministro da fazenda que venha dos bancos. Apesar de a campanha petista ter criticado duramente os bancos privados, um dos nomes mais cotados (indicado por Lula) para assumir a pasta é o do atual presidente do Bradesco.
A primeira grande decisão em esfera governamental depois da eleição foi a elevação das taxas básicas de juros para 11,25% ao ano por parte do Banco Central, surpreendendo até mesmo o mercado financeiro. Nova medidas econômicas pró-mercado deveram ser anunciadas a partir de novembro. Para tentar conter os setores mais insatisfeitos com o sistema político, Dilma Rousseff também anunciou a intenção de submeter propostas de reforma política a um plebiscito popular.
No auge das mobilizações de junho de 2013, Dilma também anunciou essa intenção, chegando inclusive a defender a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva com o objetivo de fazer uma reforma política. Essa proposta não durou muito mais do que 24 horas. No dia seguinte, a presidenta já havia recuado diante da negativa de seus próprios aliados políticos no Congresso.
Dessa vez, no dia seguinte à declaração em favor de um plebiscito, Dilma mudou de posição e passou a aceitar apenas um referendo com o voto popular apenas sobre matéria já encaminhada pelo Congresso Nacional. A questão é que uma reforma política encaminhada pelos mesmos políticos que se beneficiam dos vícios do sistema atual só pode resultar em retrocesso.
Não pode haver reforma política de caráter popular e progressivo sem que haja o fim do financiamento de campanha por parte dos bancos e grandes empresas, o direito de revogabilidade de mandatos pela base, a redução dos salários dos parlamentares e até mesmo o fim do Senado, além do estabelecimento de mecanismos de poder popular com verdadeiros conselhos de trabalhadores com poder deliberativo.
Fazer isso implicaria em uma ruptura com o sistema político atual e os representantes políticos que se perpetuam no poder há décadas. O governo Dilma está comprometido até a medula com esse sistema e não tem nenhuma disposição de transformá-lo radicalmente. Para que o movimento de massas arranque essas conquistas, terá que derrotar o atual Congresso e também o poder executivo encabeçado por Dilma e pelo PT.
O PSOL e a construção de uma forte oposição de esquerda
Um dos desafios centrais durante o segundo mandato de Dilma Rousseff será o de fazer avançar a oposição de esquerda a esse governo com base nas lutas sociais, nas greves, ocupações e na resistência aos ataques que virão.Sem uma oposição de esquerda forte, a tendência é que a insatisfação crescente seja canalizada por alternativas de direita, como o próprio PSDB ou alguma aliança que envolva Marina Silva com setores da direita tradicional.
Contra isso, setores do PT apostarão todas as suas fichas no retorno de Lula como candidato em 2018 e ele já assume abertamente essa possibilidade. Apesar da imagem ainda parcialmente preservada de Lula, não há nenhuma garantia para o PT em 2018. Nem mesmo a candidatura de Lula, que estará então com 73 anos, está assegurada. O desgaste do PT depois de mais quatro anos de crise, ataques e instabilidade será ainda maior que hoje.
O PSOL saiu do processo eleitoral fortalecido para jogar o papel de protagonista de uma oposição de esquerda. A campanha de esquerda de Luciana Genro e de muitos outros candidatos do PSOL nos estados serviu para vincular o partido às principais bandeiras de luta dos movimentos de massas de junho de 2013.
Ainda assim, existem muitas contradições e limitações no PSOL e o segundo turno deixou isso claro. Algumas principais figuras públicas do partido apoiaram com entusiasmo a candidatura de Dilma Rousseff contra Aécio com um tom muito pouco crítico e, dessa forma, ajudaram a reconstruir uma imagem de esquerda que o PT já vinha perdendo.
A posição da LSR no segundo turno foi a de enfatizar que a única garantia contra os ataques que virão do próximo governo, seja lá qual fosse o candidato que vencesse, está na organização da luta dos trabalhadores nas ruas, bairros, fábricas, universidades e no campo. Essa garantia não está na urna eletrônica do segundo turno, onde nenhum dos candidatos representa os interesses da classe trabalhadora.
Explicamos que entendemos o que leva trabalhadores a optarem por votar em Dilma para derrotar Aécio, mas alertávamos que isso não resolveria o problema e que as ilusões em Dilma só facilitariam os ataques que viriam depois. Optamos pelo voto nulo, mas o principal é o terceiro turno das lutas e não um segundo turno que não nos representa.
O combate ao voto no “mal menor” ou no “menos pior” é parte fundamental da reconstrução de uma alternativa de esquerda de massas no Brasil e é o grande desafio do PSOL. Mas o partido não passou completamente no teste do segundo turno e ainda há muita confusão sobre as tarefas colocadas para o próximo governo de Dilma.
As ilusões de que Dilma promoverá um giro à esquerda em seu segundo mandato não devem se manter por muito tempo diante dos fatos concretos. Ainda assim, a ameaça de uma direita fortalecida sempre será utilizada como argumento contra uma postura firme de oposição de esquerda. Se o PSOL não for capaz de superar essas pressões abrirá caminho para que a direita ocupe o espaço de insatisfação existente.
Vitórias da LSR
A LSR jogou um papel protagonista nos dois estados onde o PSOL obteve vitórias importantes. No Rio Grande do Norte, apesar da falta de recursos e de estrutura material, o candidato a governador do PSOL e militante da LSR Robério Paulino obteve 8,74% dos votos. Na capital do estado, Natal, Robério obteve incríveis 22,45% e é hoje uma clara opção para as eleições municipais de 2016.
No estado do Rio de Janeiro, o mais importante para o PSOL nacionalmente, a LSR apoiou ativamente as campanhas de Paulo Eduardo Gomes para deputado federal e Renatinho para deputado estadual. Ambos foram os vereadores mais votados em 2012 na cidade de Niterói, uma das mais importantes do estado do Rio de Janeiro.
A LSR também apresentou candidatos nos estados de São Paulo, Paraná, Sergipe e Minas Gerais, abrindo importantes espaços para a construção da organização.
Uma das políticas centrais da LSR para o próximo período é a defesa da unidade na luta dos setores combativos do movimento sindical e popular diante dos ataques que virão. Defendemos um Encontro nacional dos movimentos de luta para a construção de uma plataforma de lutas e um plano de ação comuns.