A tempestade se aproxima

A  situação mundial está marcada por uma crise generalizada das instituições, que abriu uma enorme polarização social na qual revolução e contrarrevolução andam lado a lado. Os protestos e levantes populares, mas também a repressão e até mesmo golpes de estado foram a marca nesses últimos meses no Equador, Chile e Bolívia. Isso para mencionar só os nossos vizinhos.

Não tem como o Brasil ser uma ilha de tranquilidade nesse mar tempestuoso. Se engana quem acha que a relativa calmaria do segundo semestre seja o novo normal, comparado com os grandes protestos do primeiro semestre. A derrota que foi a votação da reforma da previdência pesou no ânimo nas ruas, mas isso não perdurará. 

A crise social, econômica e política é tão grave aqui como nos outros países. Além disso temos um governo que tem como método gerar crises. É um governo que responde a cada nova crise e crítica indo ao ataque, sem se preocupar em dar um ar de “governar para todos”.

Em um jantar em março, em Washington (EUA), com figuras dessa nova extrema-direita no mundo, incluindo figuras como Steve Bannon e Olavo de Carvalho, Bolsonaro deixou claro suas intenções: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”.

Mas a avalanche de ataques do governo, que ataca e retira direitos, junto com ataques constantes a mulheres, negros e negras, pessoas LGBT e indígenas, acumulará uma raiva, que em algum momento explodirá nas ruas novamente.

E existe um notável nervosismo em parte da classe dominante, que olha para as nuvens de tempestade pelo mundo e teme que elas logo cheguem aqui. 

Um elemento importante foi a libertação de Lula. Vários comentaristas clamavam para Lula adotar o papel de um Nelson Mandela, um pacificador da pátria, que ajudasse a cicatrizar as feridas históricas. Mas isso não será simples, mesmo se for a intenção de Lula, porque teria que combinar com o outro lado.

Apesar do tom elevado de Lula após sair da prisão, xingando Moro e Bolsonaro, ele também fala que “o cara foi eleito, tem que respeitar” e que a saída será por esperar as eleições. Essa política era errada contra Temer, e será mais ainda contra Bolsonaro. 

Porém, não está nada dado que Lula consiga manter o equilíbrio de agitação para a base enfurecida e canalizar para uma saída institucional. A direita bolsonarista vai querer criar o clima de conflito nas ruas, para desviar a atenção e reagrupar sua base de apoio. Mas também porque os ataques do governo precisam de uma resposta agora, não daqui três anos.

O Painel da Folha de São Paulo do dia 19 de novembro reflete o medo e nervosismo de parte do andar de cima. Relata o medo de que algum “gatilho” dispare ondas de protestos e entre na agenda dos governantes. São governadores do Nordeste que fazem tudo para não atrasar o 13°. Outros que pressionam a equipe econômica de Guedes para suavizar os ataques ao funcionalismo.

Há governadores e prefeitos que decidiram, como Dória em São Paulo, não aumentar os preços das passagens do transporte público, para evitar a repetição de junho 2013 – ou do Chile 2019.

Há também temores de possíveis choques entre manifestações pró-Lula e da direita. Em São Paulo, as cúpulas das polícias Civil e Militar foram orientadas a monitorar convocações de atos, de direita e de esquerda, especialmente na capital, segundo a Folha.

A Folha relata que ouviu governadores temerosos de que uma conflagração nas ruas seja usada pelo governo Jair Bolsonaro como cortina de fumaça para implementar medidas autoritárias. E que em grupos de simpatizantes de militares da reserva, há o debate de que seria necessário responder com força a um levante como do Chile, algo também refletido na fala de Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5.

A esquerda socialista tem que se preparar para o cenário de explosões sociais, que surge em uma situação complexa. Existe um desgaste em várias das categorias que por muito tempo compõem a vanguarda dos movimentos e dos sindicatos. Foram anos de burocratização e muitas entidades que desmobilizaram sua base durante os governos do PT. Algumas acumularam derrotas, especialmente nos anos de crise profunda, onde houve menos espaço para conquistas econômicas. O golpe de 2016 e a vitória de Bolsonaro também pesam na consciência.

Isso faz com que existam aqueles que temem a luta, que acham que é impossível ganhar, que a correlação de forças é demasiadamente desfavorável e que grandes protestos só servirão como desculpas para um fechamento do regime. Isso é uma leitura equivocada, vai na contramão do que vemos pelo mundo. A correlação de forças pode ser rapidamente alterada quando houver uma explosão de massas. E esse tipo de luta explosiva acontece independente da nossas vontades. A questão é de estar preparado para quando ela vier, ter confiança na luta e não se render de antemão. 

Estamos em uma situação em que a esquerda lulopetista está em crise e desmoralizada, mas ainda com peso nos movimentos e agora reanimada com a soltura de Lula. Em sua maioria não tirou conclusões do fracasso da política de conciliação de classes e deve continuar a cometer os mesmos erros. Já a nova esquerda, principalmente o PSOL, ainda é frágil demais para ser referência.

Tudo isso aponta para que as próximas explosões sociais no Brasil tenham uma característica em comum às do resto do mundo neste ano: a falta de referência política socialista de massas, a falta de saída pela positiva. Isso já tem sido uma característica dos protestos no Brasil dos últimos anos. Quando a raiva transborda e arrasta novas camadas à luta, ela foge do controle das organizações e por isso também reflui rapidamente, por falta de referência sobre como avançar. Esse foi o caso em junho 2013, mas também nos atos de mulheres do “Ele Não”, a onda de protestos contra o assassinato de Marielle e e em defesa da educação.

Por isso temos uma tarefa dupla. De um lado construir as lutas unitárias, do modo mais democrático possível, com o máximo de controle pela base. Construindo, assim, referências e exemplos de como conduzir uma luta nacional de forma democrática e sem controle de cúpula. Ao mesmo tempo, é fundamental construir a esquerda socialista como referência de alternativa global à crise e aos ataques do capitalismo, para mostrar que um outro mundo, um mundo socialista, é possível.